Ata do Copom: analistas veem BC mais realista e ‘hawkish’ devido à inflação persistente

Há unanimidade de que haverá uma alta de 0,5 ponto na Selic na próxima reunião do comitê, em agosto, mas divergência sobre o fim do ciclo de alta dos juros

Lucas Sampaio

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Economistas avaliam que o Banco Central adotou um tom mais realista e “hawkish” (uma postura mais dura para combater a inflação) na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira (21), devido a uma alta de preços mais persistentes não só no Brasil como em todo o mundo. No documento, a autoridade monetária admitiu que a inflação não deve convergir para o centro da meta em 2023, apesar da extensão do ciclo de alta de juros, e disse que a Selic vai precisar subir mais e permanecer em um patamar mais alto por mais tempo para combater a inflação.

O BC vinha indicando nos últimos meses que pretendia encerrar o ciclo de alta de juros no Copom da semana passada, com a Selic em 13,25% ao ano, mas admitiu já no comunicado divulgado após a reunião da semana passada que deve aumentar a taxa em mais 0,5 ou 0,25 ponto percentual no próximo encontro, no começo de agosto. Agora, com a ata do Copom, analistas são praticamente unânimes em prever que o reajuste será de 0,5 p.p. – e alguns apostam em mais uma alta em setembro.

O Copom avalia na ata que tanto a dinâmica inflacionária de curto prazo quanto as projeções mais longas se deterioraram, apesar de o ciclo de aperto monetário corrente ter sido “bastante intenso e tempestivo” (a Selic saiu de 2% em março do ano passado para 13,25% agora, o nível mais alto desde janeiro de 2017 e um aperto monetário de 15 meses que já é o mais forte desde 1999). O documento também destaca que a forte alta dos juros ainda não foi sentida completamente na economia: “devido às defasagens de política monetária, ainda não se observa grande parte do efeito contracionista esperado bem como seu impacto sobre a inflação corrente”.

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Para Laiz Carvalho, economista para o Brasil do BNP Paribas, “comparada com o comunicado, a ata teve um tom um pouco mais ‘hawkish'”. “É um BC que se mostrou um pouco mais preocupado com a inflação e com a piora do cenário global, se comprometendo em fazer mais – e o necessário – para trazer a inflação para a meta”. Carvalho prevê mais uma alta de 0,5 p.p. em agosto e outra em setembro, levando a Selic para 14,25% ao ano, e que os juros só vão começar a cair no segundo trimestre de 2023 (até chegar em 10,5% no fim do próximo ano).

Caio Megale, economista-chefe da XP, avalia que a ata do Copom “descreve um quadro de inflação desafiador, que convenceu o comitê a respeito da necessidade de uma taxa Selic terminal mais alta (além da manutenção de juros elevados por um longo período)”. “Sobre a política fiscal, a ata reforça a mensagem do comunicado pós-decisão, de que as incertezas sobre o futuro das contas públicas do país e as políticas de sustentação da demanda agregada podem trazer riscos altistas ao cenário inflacionário. E que as medidas fiscais em tramitação no Congresso aumentariam a expectativa de inflação para 2023”.

Para Megale, “outra parte ‘hawkish’ da ata é que o Copom deixou clara a intenção de reduzir sua projeção de inflação (IPCA) de 2023 de 4% para ‘em torno da meta'”. “Julgamos isso importante porque, no pronunciamento pós-reunião, o Copom parecia considerar que 4% já seria ‘em torno da meta'”.

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“Diante desse cenário desafiador, o comitê reconheceu que a manutenção da taxa Selic por um período suficientemente longo não asseguraria, neste momento, a convergência da inflação para em torno da meta no horizonte relevante de política monetária”, destaca o economista-chefe da XP. “Em outras palavras, o plano inicial de interromper o processo de elevação da taxa básica de juros não se sustentou por muito tempo. Isso é consistente com nosso cenário de uma alta adicional de 0,50 pp na reunião do Copom em agosto, antes de um longo período de ‘esperar para ver'”.

Selic de 15,25% ao ano?

Para Alexandre Schwartsman, economista, consultor e ex-diretor do BC, a sinalização de mais uma alta não será suficiente para levar o IPCA de 2023 de 4% para o centro da meta (3,25%). “Se nossas estimativas estiverem corretas, um adicional de 50 bps reduziria a inflação em aproximadamente
0,15-0,20% (ou seja, para cerca de 3,8%). Para empurrar a inflação para baixo, para a meta no próximo ano, ignorando o impacto das mudanças na tributação, a taxa teria que ir até 15,25% ao ano”.

Schwartsman diz, no entanto, que isso derrubaria a expectativa de inflação de 2024 para cerca de 2,4%, bastante abaixo da meta daquele ano (3,0%), “exigindo uma forte redução da taxa básica ao longo de 2023”. “Minha avaliação é que, apesar dos protestos do BC sobre a convergência [para a inflação] ainda em 2023, [a entidade] provavelmente optará por estender o período de convergência até 2024, evitando assim a necessidade para empurrar a Selic até 15,25%”. “Ao mesmo tempo, o BC evitou cuidadosamente qualquer sinalização sobre o reajuste prometido de agosto (em 25 ou 50 bps) ser o último, o, que abre a possibilidade de mais um movimento em setembro”.

O ex-diretor do BC conclui que a sua projeção é que a taxa de juros atinja 14% ao ano em setembro e
deve permanecer nesse patamar até o final do primeiro semestre de 2023, “uma estratégia que continuaria pressionando inflação para baixo no próximo ano, mas possivelmente ainda um pouco acima da meta, deixando a plena convergência para 2024”. Schwartsman pondera em sua análise que “há, com certeza, riscos” e que “um ambiente com aperto monetário adicional em economias de países desenvolvidos e uma transição política que comprometa o atual quadro fiscal devem manter a pressão sobre a moeda [o real], tornando a convergência possivelmente mais difícil do que se supõe nas projeções do BC”.

Mais neutro que ‘hawkish’

Para o BofA (Bank of America Merrill Lynch), o tom adotado na ata do Copom foi mais neutro do que “hawkish”. David Beker, analista do BofA, diz que o documento “dá uma mensagem neutra”, “não trouxe surpresas” e teve “linguagem semelhante” ao comunicado divulgado após o Copom na semana passada. Beker elenca, entre os pontos-chave da ata, que:

“O comitê observou a necessidade de taxas mais altas por um período mais prolongado, para permitir a convergência da inflação”, afirma o analista do BofA. “A mensagem é consistente com nosso ‘call’ de Selic terminal em 13,75%, após alta de 50 bps em agosto”. Assim como o BNP Paribas, o banco também projeta uma taxa de juros de 10,5% ao ano no fim de 2023.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, diz que “à primeira vista, nossa leitura apontava para uma ata ‘hawkish'”. “Mas, após reler algumas vezes, avaliei que a comunicação entre neutra e ‘hawkish'”. Ele aponta como um tom mais duro a parte da assimetria de risco altista, atribuída à inflação e ao fiscal, e como mais neutra a parte em que o BC diz que que a nova trajetória de juros é suficiente para a convergência da inflação.

“Em outras palavras, a trajetória do Boletim Focus para a Selic, de 13,25% ao término de 2022 e de 10,00% ao término de 2023, é insuficiente para convergência, mas subir o juro para 13,50% ou 13,75% e mantê-lo por mais tempo nesse patamar é o suficiente”, afirma Sanchez. “No final das contas, mantemos nossa perspectiva de que o juro deverá ser elevado em 50bps na próxima reunião, patamar que deverá ser sustentado até o segundo trimestre de 2023, sendo reduzido gradativamente ao longo daquele ano e encerrando o próximo ano em 10,25%”.

Parte ‘hawkish’, parte ‘dovish’

Análise do Goldman Sachs diz que o Banco Central “está jogando pelo garantido enquanto se mantém conservador” e destaca como ponto “hawkish” da ata o parágrafo 16, em que “o Copom destaca que a trajetória necessária para trazer a inflação projetada de 4,0% para o final de 2023 em torno da meta [3,25%] para o horizonte relevante combina, por um lado, uma taxa de juros terminal superior ao utilizado no cenário de referência e, por outro, a manutenção da taxa de juro em território significativamente contracionista por um período superior ao previsto no cenário de referência”.

“Além disso, no parágrafo 18, o Copom ressaltou que, dada a persistência dos choques recentes, apenas a manutenção da taxa Selic [em 13,25%] por um período suficientemente longo não garantiria, neste momento, a convergência da inflação para o alvo ao longo do horizonte relevante”, escreve o analista Alberto Ramos.

Ele também destaca que o BC não diz se a próxima reunião do Copom encerrará o ciclo de alta dos juros, “mas alertou que, dada a crescente incerteza que cerca o cenário macro, juntamente com o estágio avançado do ciclo e o impacto ainda a ser observado do aperto recente (efeito defasado), é necessária cautela adicional na calibração das próximas decisões de política monetária”.

O Goldman Sachs também projeta uma alta de 0,5 p.p na próxima reunião e não descarta “uma extensão do ciclo de alta para além de agosto se a dinâmica da inflação se mostrar mais persistente do que o previsto no cenário base do Copom e as previsões de inflação para 2023 e 2024 avançarem ainda mais”. O banco acredita que a autoridade monetária vai esperar até o final do segundo trimestre de 2023 (ou possivelmente o terceiro trimestre) para começar a reduzir a Selic.

Como ponto “dovish” (menos duro no combate à inflação) da ata, Ramos destaca que o cenário base do Copom projeta uma inflação de 2,7% em 2024, abaixo do centro da meta para o ano (que é de 3%). Ele ressalta que a projetação não é “tão baixa quanto no Relatório de Inflação de março”, mas o ano de 2024 “passará a ter um peso incremental no horizonte relevante do Copom para a política monetária”.

“Em nossa avaliação, dado que a orientação da política monetária já é altamente restritiva, estamos entrando agora em um estágio de ajuste fino de final de ciclo. Entendemos que, nesta conjuntura, mais do que um aperto adicional significativo, o que será necessário daqui para frente é perseverança e garra. A determinação de manter a postura de política restritiva pelo tempo que for necessário”, escreve o analista do Goldman Sachs.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.