Analistas dizem que simplificação é a marca da reforma tributária, mas alertam para ampliação de exceções

Para economistas, texto avança em mudar atual modelo disfuncional e cumulativo, mas dizem que eficácia pode ser reduzida

Roberto de Lira

Publicidade

Mesmo com ressalvas sobre a lista de exceções incluída no texto-base da reforma tributária aprovado na madrugada desta sexta-feira (7) na Câmara dos Deputados, além de outras concessões feitas para garantir a adesão de um número maior de parlamentares, os economistas acreditam que, se mantido o sentido de simplificação presente na proposta original, a mudança deve trazer forte impacto positivo no crescimento do país no longo prazo.

Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, destaca que a aprovação aconteceu depois de mais de 30 anos de discussões no Congresso Nacional e que alguns estudos mostravam que com a proposta original da PEC nº 45/2019, o crescimento potencial do país nos 15 anos após a implementação da reforma seria ampliado entre 0,7% a 1,2% ao ano.

O economista classifica o modelo atual como disfuncional, uma vez que é cumulativo em grande parte, o que penaliza setores com maiores cadeias de produção. Outra crítica é que ele se baseia na tributação na origem, o que acaba por onerar investimentos e exportações e permite a chamada “guerra fiscal”. Por fim, o modelo conta com múltiplas alíquotas e isso reduz a transparência ao consumidor e aumenta a litigiosidade.

Continua depois da publicidade

“A reforma tenta solucionar esses problemas, ao adotar a não-cumulatividade plena, a tributação no destino e a adoção de três alíquotas: padrão, reduzida e zero”, resume Sbardelotto.

O economista concorda que as mudanças feitas na Câmara em relação ao texto original reduzem potencial da reforma, mas pondera que uma mudança dessa monta tende a afetar não só o equilíbrio entre setores da economia, mas também entre regiões. Daí a dificuldade de se chegar a um consenso.

Assim, foram ampliados os bens e serviços que podem usufruir de tributação reduzida ou da alíquota zero. Foi introduzido ainda o concento de uma cesta básica nacional e instituída a possibilidade de crédito presumido para algumas atividades.

Continua depois da publicidade

Para Sbardelotto, a ampliação das exceções pode reduzir o potencial da reforma porque aumenta a complexidade do sistema o que dá margem para a manutenção da litigiosidade. Além disso, acaba por reduzir transparência ao consumidor final também pode ampliar a alíquota padrão e as distorções alocativas, uma vez que a perda de arrecadação precisa ser compensada pelos demais setores da economia.

Ele lembra que somente após a definição dos diversos aspectos relegados às leis complementares é que será possível fazer o cálculo da alíquota de referência (padrão). Na experiência internacional, destaca, essas alíquotas costumam variar entre 15%, em países em desenvolvimento, a 25%, em países mais desenvolvidos.

Simplificação

Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, ressalva que ainda será necessário acompanhar a votação no Senado, que pode fazer alterações no texto, o que levaria a reforma de volta à apreciação da Câmara.

Publicidade

Em termos gerais, Tatiana afirma que o texto aprovado parecer manter a intenção de simplificação na coleta de impostos, embora não seja mais a proposta apresentada pelo secretário do secretário extraordinário Bernard Appy. “O que a gente tem que observar é se sobrou esse espírito da proposta original de simplificação, de a gente sair de um sistema supercomplexo e ir para um sistema mais simples”, comenta.

Ou seja, Tatiana defende que, se esse espírito de simplificação prevalecer e for aprovado será um passo à frente em termos de ganho de produtividade para o país. Ela lembra que o Brasil historicamente aparecia na pesquisa “Doing Business” do Banco Mundial como o país de maior complexidade na carga tributária.

“O Brasil sempre aparecia na liderança desse ranking. Então, qualquer ajuda é bem-vinda nesse caso. A mínima simplificação que seja já ajuda bastante a gente no ‘fazer negócios’, na atividade empreendedora, melhora a produtividade e isso vai resultar em maior crescimento econômico”, explica.

Continua depois da publicidade

Ela lembra ainda de um estudo do Ipea de 2021, que suou como base a proposta de Appy, para dimensionar quanto ela poderia adicionar de crescimento econômico caso a unificação de impostos defendida fosse aprovada integralmente.

“Poderia fazer com que o PIB crescesse 5% a mais do que ele cresceria sem a reforma, num horizonte de 10 anos, a partir da implementação das mudanças. Isso que era interessante. A complexidade é tão pesada que, mesmo num período de transição, sem estar no ápice da simplificação, isso já geraria crescimento adicional do PIB em 5%”, destaca.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, também lamenta algumas das mudanças, mas lembra que as reformas que o Brasil tem aprovado nos últimos sete ou oito anos têm sido dessa maneira.

Publicidade

“A gente nunca aprova a melhor das reformas discutida e não vê uma reforma sendo aprimorada no Congresso. Muito pelo contrário, a gente vê as reformas sendo desidratadas, preservando benefícios para um ou outro grupo de interesse. Foi assim na Previdência, na Trabalhista, no Teto de Gastos. No arcabouço fiscal está sendo assim. A gente nunca tem a melhor reforma, tem a reforma possível, como o Arthur Lira colocou”, comenta.

Para Cruz, o caos tributário nacional faz o Brasil passar vergonha internacionalmente. “Afasta investimentos tanto internos como estrangeiros, Tem muita empresa nos últimos anos chegando ao Brasil, tentando fazer negócios, mas reclamando que precisavam de andares inteiros para o departamento jurídico, enquanto em outros países faz com um ou dois funcionários”, compara.

Dúvidas

A análise de Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, vai na mesma linha, mas ele tenta evitar muita empolgação pelo trâmite ainda incompleto e a complexidade de interesses envolvidos.

“A reforma tributária pode ajudar, de fato, no crescimento econômico em médio prazo. Contudo, é preciso avaliar como o setor de serviços, que tem grande peso no PIB, será efetivamente impactado na prática, assim como o agronegócio, que inicialmente foi contra a proposta”, comenta.

Ela avalia que alguns acenos para o agro já foram feitos na votação e também destaca que, para os estados produtores, a questão da divisão do Fundo de Desenvolvimento Regional é a mais sensível. “Como boa parte dos detalhes das mudanças vai precisar ser definida em leis complementares posteriormente, a avaliação do impacto real neste momento fica prejudicada”, pondera.

Um relatório do banco de investimentos JP Morgan divulgado hoje comenta que a aprovação final da reforma precisa trilhar ainda uma estrada sinuosa. O motivo é que a PEC agora seguirá para o Senado, casa conhecida por ser mais sensível às pressões locais e onde as regiões Norte e Nordeste têm mais votos.

Além disso, é comentado que nenhum líder do Senado participou das discussões da Câmara, algo que foi feito quando do trâmite da reforma da Previdência em 2019. “Embora seja difícil dizer quanta diferença isso fez, achamos que ter os senadores acompanhando as rodadas iniciais de negociação da reforma da Previdência na Câmara foi uma boa jogada, que não foi tomada desta vez”, alerta o texto.

Agora, diz o JP Morgan, o plano de jogo é ter a emenda constitucional aprovada nas duas casas do Congresso até o final deste ano e as leis complementares em 2024. O banco considera esse cenário plausível, mas não garantido.

Sobre o texto, o banco de investimentos diz que deve ser dado crédito a esta reforma. “Mesmo com algumas interrogações em aberto, e fugindo do que seria o ideal, este é um passo importante que pode levar a melhorias perceptíveis do ponto de vista econômico.”