Analistas destacam nova queda de alimentos e desaceleração de serviços no IPCA de agosto

Comportamento da inflação reforça aposta de que Copom manterá plano de voo de cortes de 50 pontos-base na Selic até o final do ano

Roberto de Lira

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O IPCA cheio de agosto veio abaixo da mediana das projeções, o que já seria suficiente para mostrar uma dinâmica benigna da inflação no mês, mas os analistas apontaram que a composição do indicador divulgado nesta terça-feira (12) pelo IBGE trouxe surpresas ainda mais positivas que o esperado. A desaceleração da inflação de serviços e o comportamento dos núcleos foram os maiores destaques apontados pelos especialistas.

A inflação oficial de agosto ficou em 0,23%, ante mediana de projeções de 0,28%, com a taxa anualizada ficando em 4,61%, ante estimativas em torno de 4,67%. O avanço do IPCA em 12 meses (a variação estava em 3,99% até julho) já era esperada, pelo efeito rebote das desonerações de impostos praticadas no ano passado.

Para os economistas, ainda que fosse esperada a continuidade da perda de força da inflação de serviços subjacentes, o dado divulgado hoje surpreendeu. Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, diz que a variação de apenas 0,14% no mês chamou a atenção, uma vez que sua estimativa era de 0,2% e estava inclusive mais baixa que a mediana do mercado, de 0,3%.

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Para ela o mais importante nesse dado divulgado a uma semana do início da reunião do Copom é a perda de  força desses preços, já que esta foi a terceira surpresa de um serviço subjacente abaixo da mediana do mercado. “Portanto, confirma a desaceleração do item mais importante para o Banco Central, uma vez que ele é mais sensível aos ciclos econômicos”, comenta.

Mirella lembra que esse é um dos três fatores que o próprio BC afirma estar “data dependente”, ao lado das expectativas de inflação e do hiato do produto.

Ela destaca que, olhando  as variações de 12 meses, os serviços subjacentes (extraindo a alimentação fora do domicílio) saíram de uma variação próxima de 6% em julho para 5,4% em agosto. “Então, a gente está falando de uma desinflação muito relevante dessa composição.”

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No mês, ela citou ainda como destaque o Grupo de Alimentação, especialmente itens de ciclos mais longos. “Quando a gente vê a composição de alimentação em 12 meses, passa para um patamar negativo.  Alimentação no domicílio sai de 0,7% para -0,6%. Os preços livres passaram de 4,1% para 3,6%”, compara.

Ela pondera, no entanto, que a surpresa para baixo dos alimentos foi compensada pela gasolina, embora o comportamento desses preços não tenha gerado, por ora, nenhuma revisão para o ano.

Mirella também cita os preços dos Industriais, que também seguem em desinflação, saindo de 4,2% para 3,7% na comparação anual. “Olhando para industriais como um todo, o número veio praticamente em linha com nossas expectativas, com duráveis até um pouco melhor e semiduráveis compensando essa surpresa para baixo.”

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A AZ Quest deve rever para baixo sua projeção de inflação em setembro, dos atuais 0,6% para algo próximo a 0,3%.

Industriais sobem

João Savignon, chefe de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, afirma que os desvios para baixo do IPCA em relação à projeção vieram principalmente do comportamento dos preços dos combustíveis e da alimentação no domicílio. No sentido oposto, Vestuário teve alta superior à projetada.

Como esperado, o resultado anunciado hoje foi puxado pelo grupo de Habitação, especialmente por conta da energia elétrica, influenciada pelo fim da incorporação do bônus de Itaipu.

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Os preços administrada tiveram alta de 1,26% no mês, enquanto os preços livres mostraram deflação de 0,12%. “Na aberturas dos preços livres, destaque para os Serviços, que desaceleraram de 0,25% para 0,08%”, diz Savignon.

O economista diz que já esperava uma deflação relevante de Alimentação no domicílio (que ficou em -1,26%), mas aponta que ela veio maior que a expectativa. Os Bens industriais subiram 0,31% e vieram acima do esperado, puxados por veículos e vestuário.

O especialistas da Kínitro também deu destaque aos indicadores subjacentes, citando os Serviços, que desaceleraram de 0,20% para 0,14% entre julho e agosto. “Os núcleos de Alimentação e Bens industriais tiveram variações de -0,38% e 0,38%, respectivamente”, completa.

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“Por conta dessa dinâmica, a média dos núcleos mostrou alta de 0,28%, um pouco acima da nossa projeção, pela surpresa de industriais. No entanto, em 12 meses, a média dos núcleos saiu de 5,62% para 5,22%, patamar que não era alcançado desde junho de 2021. Quando olhamos a média móvel de 3 meses anualizada, a média dos núcleos recuou para 3,42%”, reforça

Para Savignon, além da abertura ainda benigna de Serviços e dos núcleos, chamou a atenção para o movimento de Alimentos no mês, que segue com uma dinâmica favorável e que deve se manter no mês de setembro. Os Bens industriais também continuam com uma perspectiva favorável, diz o analista. “As aberturas do dado de hoje reforçam a dinâmica positiva recente da inflação no país e o plano de voo do Banco Central no ciclo de cortes de juros.”

Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, afirma ter ficado particularmente surpreso com a variação do grupo Transportes, que veio bem mais baixa do que a projetada. “Achávamos que o reajuste de combustíveis em meados de agosto pudesse ter uma alta mais forte no grupo e foi mais moderada, de apenas 0,34%”, comenta.

O economista também coloca como destaque os preços dos alimentos entrarem no terceiro mês consecutivo de queda.

Sobre riscos à frente, ele vêm uma potencial alta de combustíveis nos próximos meses, por conta da tradicional manutenção de refinarias no Golfo do México em setembro.

Mas as expectativas da Austin para a política monetária está mantida, com projeção de que o BC continuará cortando os juros e 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões do Copom. A taxa Selic deve fechar o ano em 11,75% e os cortes deve ser mantido até meados de setembro do ano que vem, quando deve bater em 9%, segundo a projeção.

“A taxa de juros vai continuar em queda, até porque o juro real ainda continua muito longe do juro neutro de equilíbrio e isso é um ponto fundamental na determinação da política monetária”, comenta Agostini.

Âncoras

Para Marco Caruso  e Igor Cadilhac, economistas do PicPay, os grupos de Habitação e Saúde e cuidados pessoais dentro do IPCA foram os que representaram o maior impacto sobre o resultado de agosto, influenciados pelo fim da incorporação do bônus de Itaipu e dos itens de higiene pessoal.

“Tivemos a aceleração nos grupos de Educação (0,69%) e Vestuário (0,54%), em movimento sazonal de retomada dos cursos regulares e entrada da nova coleção de vestimentas”, comentam em nota.

Em sentido contrário, os economistas destacam o grupo de Alimentação e bebidas, intensificou seu ritmo de queda, e o de Transportes, que se beneficiou das quedas das passagens aéreas e da alta mais moderada dos combustíveis.

“Olhando à frente, por ora mantemos nossa projeção (do IPCA) para 2023 em 4,9%. Por um lado, os preços dos alimentos, principalmente os da cesta básica, em conjunto com os bens duráveis, servirão como âncoras para a inflação do ano. Por outro, o melhor momento dos preços dos bens industriais e das commodities internacionais parece ter ficado para trás, a exemplo do petróleo e eventuais efeitos do El Niño”, explicam

O PicPay também mantém a estimativa que o Copom não mudará de ideia e que o próximo corte será novamente de 50 pontos base.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, também apontou como principal surpresa de baixa no IPCA do mês o comportamento dos preços de alimentação no domicílio, que variou -1,26% em agosto. Ela também cita como positiva a média dos núcleos de inflação, que acelerou para 0,27%, mas ainda é pode ser considerada uma variação moderada, seguindo em tendência de queda.

“A boa notícia do IPCA de agosto foi uma nova queda na inflação de serviços, que ficou em 0,08% no mês, puxada pela queda das passagens, mas também com queda na medida de serviços subjacentes, que variou 0,14%, confirmando a tendência de desinflação.”

Rafaela também avalia que a leitura qualitativa mais positiva do IPCA de agosto deve confirmar o corte de 50 bps na Selic na reunião de setembro, bem como a manutenção da expectativa de cortes dessa magnitude para as reuniões seguintes, apesar da deterioração observada no mercado externo nas últimas semanas.

André Fernandes, chefe de renda variável e sócio da A7 Capital, é outro especialistas a destacar o comportamento benigno dos preços os em alimentos no domicílio (-1,26% em agosto ante -0,72% em julho). “No destaque por subitem, temos o leite longa vida, frango e carnes. Como imaginávamos, as sucessivas quedas na arroba do boi passaram a ser refletidas no IPCA, e iss provocou queda nos preços ao consumidor”, detalha.

Outro destaque positivo citado por Fernandes foi o setor de serviços, que segue desacelerando e reforçando até apostas de um corte maior na Selic até o fim do ano de 2023. “Já estamos visualizando que a curva de juros segue devolvendo prêmio e está caindo após a divulgação do dado. Isso pode reforçar as apostas do mercado para um corte de -0,75% para a reunião de dezembro. Já para a próxima reunião o cenário segue inalterado para um corte de -0,50% na Selic.”

Para Rafael Costa, analista do time de estratégia macro da BGC Liquidez, o que “realmente saltou aos olhos” na divulgação do IPCA foram as baixas inflações registradas tanto nos serviços quanto nos serviços subjacentes. “Como havíamos mencionado, surpresas baixistas seriam consideradas sinais que fortalecem um cenário de desinflação consistente.”

Rafael Perez, da Suno Research, por sua vez, destaca que dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, seis registraram variações positivas em agosto, em especial o grupo Habitação, que registrou a maior variação, devido à alta na energia elétrica.

“No grupo Transportes, a gasolina e os automóveis novos foram os destaques com altas de 1,24% e 1,71%, respectivamente. O reajuste dos combustíveis pela Petrobras no mês de agosto e o fim do programa de descontos do governo explicam esse movimento.”

Entre as baixas, Perez ressalta o grupo de Alimentação e bebidas, com deflação de 0,85%. “A recente queda das cotações das commodities agrícolas, como milho e soja, e a maior oferta dos produtos explicam a variação negativa no mês”, afirma

O economista da Suno também vê sinais positivos importantes nos os preços de serviços (5,43%) e dos serviços subjacentes (5,48%), que desaceleraram no acumulado de 12 meses. É citada ainda na análise a média dos núcleos de inflação, passou de 5,59% em julho para 5,20% em agosto. Sobre o índice de difusão ter crescido de 46% para 53%, Perez diz não ver motivo de preocupação.

“Esses dados corroboram o cenário mais benigno para a inflação brasileira e não devem alterar o plano de voo do Banco Central. Além disso, o Boletim Focus continua mostrando uma estabilidade nas expectativas para horizontes mais longos, 2025 e 2026, que continuam estáveis em 3,5% há várias semanas.”

A Suno também mantêm sua projeção que o BC vai praticar um novo corte de 0,50 p.p. na Selic na semana que vem e que a autoridade monetária deve realizar mais dois cortes de mesma magnitude até o final do ano, levando a Selic a 11,75% a.a. “Para 2024, a tendência é que a taxa de juros continue caindo e fique abaixo dos dois dígitos.”

Concentração de altas

Claudia Moreno, economista do C6 Bank detalha que a inflação de 0,23% em agosto foi puxada, principalmente, pelo fim do bônus de Itaipu, que havia dado um desconto nas contas de luz em julho, pelo reajuste da gasolina e pelo aumento de preços dos carros novos. “Esses três itens juntos contribuíram com 0,29 pontos percentuais do IPCA de agosto”, calcula.

Ela também destaca que, Em agosto, a inflação de serviços desacelerou um pouco mais que o esperado (0,08%), mas que em 12 meses ela segue rodando em patamar elevado, de 5,4%. “Os núcleos do Banco Central, que excluem elementos voláteis e não recorrentes, vieram em linha com o esperado e também seguem em patamar alto, acumulando 5,2% em 12 meses.”

Para Claudia, além do efeito estatístico de saída do cálculo em 12 meses das deflações de 2022, o mercado de trabalho aquecido deve seguir pressionando a inflação de serviços, que representa 1/3 do IPCA. “O mercado de trabalho aquecido traz desafios para a convergência da inflação à meta”, alerta.

Para o C6 Bank, o IPCA de agosto não muda a projeção de que a inflação terminará 2023 em 5,4%. “Para 2024, esperamos que a inflação fique em 5,5%. Mantemos nossa projeção de que o Copom continuará fazendo cortes na Selic de 50 pontos-base nas próximas reuniões do ano”, prevê.

Danilo Igliori, economista chefe da Nomad, também tem a leitura que, apesar de o IPCA ter vindo um pouco abaixo da mediana das projeções de mercado, isso não deve mudar a rota traçada para a política monetária e o Copom deve confirmar mais uma redução de 0,50 ponto percentual da Selic na semana que vem.

“Por ora, as apostas que o mercado vinha fazendo sobre a possibilidade de um aumento no ritmo de corte da Selic devem perder força”, pondera.

André Nunes de Nunes, economista chefe do Sicredi, afirma que a boa notícia do indicador veio do núcleo da inflação, que teve uma leitura mensal em linha com a expectativa (0,19%), mas com surpresa na sua composição.

A expectativa do Sicredi para industriais era de uma variação de 0,22%, mas a leitura veio mais forte, com variação de 0,32%. A surpresa ficou bem concentrada em veículos e etanol, segundo Nunes.

No entanto, os serviços virem mais baixo que o esperado (0,08% ante expectativa de 0,17%), com destaque para a desaceleração de serviços subjacentes, de 0,20% para 0,14% . “A desaceleração de subjacentes chama atenção, em especial se considerarmos que a média móvel de 3 meses dessazonalizada e anualizada continuou arrefecendo, o que é uma boa notícia para o Copom”, comenta.

“A leitura de agosto não altera nossa projeção para o IPCA em 4,9% em 2023, mas adiciona um viés positivo. Quanto ao Copom, avaliamos que a leitura dá confiança para o cenário sinalizado pela autoridade, de forma que continuamos esperando 11,75% a.a..”, completa.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, diz que há uma expectativa muito grande do mercado que continue esse processo de desaceleração da inflação, com núcleos mais benignos e difusão também mais positiva, todas em trajetória de queda, o que poderia ajudar o trabalho do Banco Central.

“Se os próximos dados continuarem vindo com essa dinâmica, é possível que até haja uma aceleração do corte da Selic para esse ano, mas o cenário base hoje é ainda mais três cortes de 0,50, ou seja”, pondera.

Na Ativa Investimentos, Étore Sanchez concorda que, ainda que os serviços tenham se mostrado melhor que o esperado, isso não tem força para alterar sobremaneira o ritmo do corte de juros, que deverá seguir em 50 bps por reunião. “Seguimos apostando que o IPCA de 2023 deverá atingir 5,1%.”