AliExpress e Shopee avançam no país – e acirram disputa pelo e-commerce brasileiro

Com entrega veloz, jogos, lives e até Jackie Chan, marketplaces asiáticos competem com gigantes como Mercado Livre, Amazon, B2W, Magazine Luiza e Via

Mariana Fonseca

Jackie Chan em comercial da Shopee (Shopee Oficial/YouTube/Reprodução)

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SÃO PAULO – Por anos, investidores, especialistas e empresas brasileiras temeram uma grande investida de companhias asiáticas no e-commerce local. O chinês AliExpress (BABA34) desembarcou em terras brasileiras há dez anos. A singapurense Shopee (S2EA34) chegou há dois anos. Até aqui, no entanto, o avanço delas havia sido lento. Ao que tudo indica, porém, esse cenário começou a mudar.

AliExpress e Shopee vêm ampliando suas atuações no país. Entre as principais novidades das empresas no Brasil estão a redução do prazo de entrega de produtos, a abertura da plataforma para lojistas brasileiros e um investimento pesado em marketing que fez até o ator Jackie Chan falar português.

Ambas tentam atacar um mercado que faturou R$ 87,4 bilhões em 2020, segundo dados da consultoria Webshoppers. Mas, mais do que o passado, elas estão de olho no potencial futuro desse mercado. Para a empresa de pagametos Visa, o volume nacional de transações no e-commerce deve chegar a R$ 171 bilhões até 2023.

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Dinheiro para isso parece não faltar: por trás dessas plataformas, estão companhias gigantes. O chinês Alibaba, dono do AliExpress, tem um valor de mercado de US$ 460 bilhões. Já a singapurense Sea, dona da Shopee, está avaliada em US$ 180 bilhões, após ter feito a maior captação de recursos do Sudeste Asiático.

As estratégias para crescer

Com onze anos de atuação local, o Brasil já está entre os cinco maiores mercados do AliExpress, segundo o estudo Beyond Borders 2020. Já a Shopee, apesar de chegar ao país apenas em 2019, já alcançou o marco de app de e-commerce mais baixado no Brasil, segundo o site de monitoramento de downloads App Annie.

Para entender as estratégias que essas companhias estão adotando para crescer por aqui, é importante lembrar suas origens.

O Alibaba começou como espécie de classificados online, em 1999, e foi crescendo junto da popularização da internet na China. Seu braço de comércio eletrônico internacional, o AliExpress, surgiu em 2010 — mesmo ano do desembarque da empresa no Brasil. Como até então era focado no mercado asiático, nos primeiros anos de operações internacionais, o Alibaba teve que entender e adaptar seus serviços para o mercado ocidental.

Já a Shopee faz parte do grupo Sea, que nasceu a partir da empresa de jogos Garena. O negócio foi criado pelos chineses Gang Ye e Forrester Li em 2009. O sucesso da produtora e distribuidora de jogos permitiu que seus fundadores expandissem também para o crescente mercado de e-commerce. A Shopee foi lançada em 2015. Em 2017, as duas marcas foram unidas no grupo Sea. A holding abriu seu capital na Bolsa de Nova York (NYSE) no mesmo ano.

Jaqueline Bartzen, diretora global de engajamento com merchants no Ebanx, aponta que os e-commerces asiáticos seguem um padrão em sua expansão. Primeiro, conquistam seus países de origem. Em segundo lugar, outros países da região. O terceiro passo é atacar mercados emergentes de grande crescimento para além da Ásia – e o Brasil está entre os países mais interessantes.

Por aqui, as empresas entenderam rapidamente a importância de se adaptar ao estilo brasileiro de fazer negócios. Uma das principais particularidades locais está nos métodos de pagamentos. O AliExpress adota boletos desde 2013, e atualmente permite até pagamentos por Pix.

Tanto AliExpress quanto Shopee também estão ampliando seus investimentos no marketing no local. “Essas empresas sempre fizeram um marketing digital agressivo por aqui, focado em aparecer nos buscadores e vender mais. Agora começam a construir uma marca, inclusive no mundo offline”, diz Bartzen, do Ebanx.

A nova onda de digitalização dos brasileiros, forçada pela pandemia permitiu que esses e-commerces asiáticos também emplacassem táticas de comércio eletrônico social (social e-commerce), que fazem sucesso há anos em seus países de origem. Alguns exemplos são a gamificação e o live commerce.

Inspirada na Garena, empresa de jogos que pertence ao mesmo grupo, a Shopee criou jogos que dão moedas virtuais que são transformadas em descontos no marketplace.

Aplicativo da Shopee (Divulgação)
Aplicativo da Shopee (Divulgação)

Já o AliExpress criou uma plataforma só para vendas por meio de transmissões ao vivo. O AliExpress Live permite ver uma agenda de lives por idioma. As transmissões ao vivo são uma mistura de entretenimento com descontos para quem as acompanha.

Tanto a gamificação quanto o live commerce têm em comum promoverem descontos aos consumidores – uma estratégia que já está computada no modelo de negócio dos e-commerces asiáticos. Enquanto a Amazon tem um evento anual para grandes descontos, o Amazon Prime Day, a Shoppe faz mensalmente seu “Dia Shopee”.

“Os descontos são uma parte do custo de aquisição do cliente, e tanto as plataformas quanto seus vendedores dão preços menores. Geralmente são compras de impulso, inclusive de produtos que os consumidores nunca tinham procurado antes, então a estratégia de desconto se torna adequada para gerar recorrência de compra”, explica Alexandre Machado, diretor da consultoria especializada em varejo Gouvêa Consulting.

Desafios para a nova invasão asiática

Os e-commerces asiáticos estão batalhando contra alguns desafios à sua nova invasão do mercado brasileiro. O primeiro deles é o câmbio: o dólar americano se valorizou em relação ao real brasileiro nos últimos tempos. Em 2020, a moeda teve alta de 29,33% e fechou o ano cotada a R$ 5,189. Na última segunda-feira (13), fechou em R$ 5,224.

“Quando a cotação do dólar atinge um pico, as pessoas seguram seu consumo. Mas vemos que esse comportamento de compra volta para uma curva interessante em apenas alguns meses. As pessoas ainda veem vantagem ao comprar pelo e-commerce asiático”, diz Bartzen.

Para mitigar o efeito do dólar, Shopee e Aliexpress estão investindo na atração de vendedores brasileiros para a sua plataforma. O AliExpress abriu sua plataforma para os brasileiros em agosto, com taxas agressivas de 5% a 8% sobre o valor dos produtos comercializados. Como comparação, a Shopee cobra desde junho deste ano uma comissão de 12%. Antes, a taxa também era de 5%.

Atraindo sellers locais, Shopee e Aliexpress passam a competir mais diretamente com os e-commerces brasileiros. Isso tanto em termos de variedade de produtos quanto em estratégia de negócios. Mercado Livre, Amazon, Americanas S.A. (AMER3, antiga B2W), Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3) têm hoje milhares de vendedores brasileiros em suas plataformas. Eles engordam as margens de lucro das grandes varejistas, pagando taxas para poder vender em seus sites e utilizar seus serviços de logística.

Vendedores locais também ajudam as empresas asiáticas a ter uma entrega mais veloz. Para reduzir seu prazo de entrega de produtos internacionais para até sete dias, o Aliexpress investiu em uma logística proprietária, com quatro aviões fretados que pousam toda semana no Brasil vindo direto da China. A Cainiao, empresa de logística do Alibaba, identifica diferentes compras do usuário e as reúne em um só pacote, integrando vendedores em diversos países. O processo pode ser acompanhado online pelo usuário, da separação ao embarque dos produtos.

No Brasil, o AliExpress também implementou métodos eletrônicos de checagem de pacotes para acelerar a liberação na alfândega. As entregas em solo nacional são feitas pelos Correios. O AliExpress coloca até cinco dias para essa entrega para as principais regiões metropolitanas do Brasil.

Uma logística robusta tem sido o principal investimento de outras varejistas por aqui. O Mercado Livre, maior empresa do e-commerce brasileiro, por exemplo, tem quase cem centros de distribuição (CDs) espalhados no país.

O desafio da logística reversa ainda é grande para os e-commerces asiáticos, segundo Machado. “Devolver para a Ásia pode ser um martírio, o que é um problema para produtos que precisam de um padrão, como roupas e sapatos”, diz.

Depois de preço e entrega, garantir a satisfação dos consumidores com o produto é o último desafio. O AliExpress tem um programa de garantia de satisfação: se o produto adquirido não é como descrito ou não chegou dentro da data estimada, a empresa garante reembolso dentro de 15 dias após a finalização da disputa.

Já a Shopee tem garantias de acordo com a legislação brasileira: direito de arrependimento até sete dias após o recebimento do item, e reembolso do item em caso de defeitos de funcionamento até 30 dias após o recebimento. Os e-commerces também implementaram a avaliação de vendedores, recomendando comprar com os mais bem ranqueados.

“Quando o Mercado Livre surgiu, oferecia uma experiência bem diferente da vista em e-commerces com estoque próprio, como Americanas ou Magazine Luiza: atuava apenas como viabilizador da compra e venda, sem se responsabilizar pela qualidade do produto. Mas quando começou a garantir essa qualidade e a ter uma logística reversa eficiente, o consumidor ganhou confiança em comprar. Esse mesmo caminho está sendo trilhado pelas asiáticas”, afirma Machado.

Produtos piratas

Mesmo garantindo a satisfação do consumidor, autoridades pressionam essas plataformas contra a venda de produtos falsificados. A rigorosidade ainda é um desafio, mas está em evolução. Na China, as plataformas de comércio eletrônico serão impedidas de realizar determinadas operações online e terão licenças revogadas se não endereçarem graves infrações de direitos de propriedade intelectual por quem vende em suas plataformas. Em seu site, o AliExpress afirma que “listar réplicas não licenciadas e itens sem autorização, como roupas, relógios, bolsas, óculos e outros acessórios falsificados, é estritamente proibido no site”.

A Shopee diz em seu site que “os vendedores devem fazer anúncios apenas de produtos autênticos. A venda de produtos falsificados é estritamente proibida e será excluída”. Porém, o Procon de São Paulo notificou a empresa para que ela se explique sobre a autenticidade e a origem dos produtos oferecidos aos consumidores. Até o dia 17 de setembro, a Shopee deve compartilhar com o órgão documentação atestando a regularidade comercial, fiscal e tributária das empresas parceiras cadastradas na plataforma. Ainda deverá explicar os critérios de verificação, regularidade, autenticidade e segurança utilizados.

“A demora em resolver produtos falsificados e contrabandeados só reforça a percepção de alguns consumidores de que se trata de uma ’25 de Março online’ [rua conhecida pelo comércio informal na cidade de São Paulo]. Tem o seu público, mas isso inviabiliza a venda de itens de maior tíquete”, diz uma fonte especializada em inovação no varejo ouvida pelo Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney.

Quem será o líder do e-commerce brasileiro?

No primeiro semestre deste ano, 42 milhões de brasileiros compraram o equivalente a R$ 53,4 bilhões pelo comércio eletrônico, segundo a pesquisa Webshoppers. O comércio transfronteiriço (cross border trade) representou quase 18% desse faturamento, R$ 9,6 bilhões, no primeiro semestre deste ano.

E enquanto AliExpress e Shopee incluem vendedores locais. Os e-commerces brasileiros também estão de olho no cross border, incluindo vendedores internacionais nas suas frentes de marketplace. A Americanas, da B2W, tem a seção Americanas Mundo. A Via, em parceria com a startup uruguaia NocNoc, inaugurou sua prateleira infinita global de produtos.

“Varejistas tradicionais aderiram ao modelo de marketplace e de ecossistema. Incluíram vendedores de diversas categorias e criam ou fazem parcerias para logística, pagamento e até inteligência artificial. Todas as empresas de e-commerce estão se reestruturando e investindo”, diz Machado.

Por mais que essas empresas estejam convergindo, suas origens são muito diferentes. Para a fonte de mercado especializada em inovação no varejo, as origens de cada e-commerce pautam suas estratégias de desenvolvimento. Nesse ponto, as asiáticas saem na frente.

“Alguns dos e-commerces chineses, como o AliExpress, nasceram como empresas de tecnologia. Não são varejistas que criaram seus braços digitais. Essa falta de amarras com modelos tradicionais dá mais flexibilidade na adoção de novos modelos de negócio, como as de experiências de social commerce“, diz.

Bartzen e Machado afirmam que os principais diferenciais dos e-commerces asiáticos no começo eram preço competitivo e variedade de produtos. Mas a diretora do Ebanx concordou que a nova experiência de compra se tornou um diferencial ainda mais importante – e mais difícil de ser replicado.

Para a fonte de mercado especializada em inovação no varejo, as varejistas brasileiras têm uma essência puramente transacional: foram criadas apenas para compra e venda de produtos, sem outras fontes de receita na concepção do seu negócio. Os players regionais mais avançados na transição de varejo para tecnologia seriam Magazine Luiza e Mercado Livre.

O “Relatório Setores do E-commerce”, publicado pela consultoria Conversion em agosto deste ano, mostrou os 15 maiores e-commerces do país em número de visitas. São eles: Mercado Livre; Americanas; Amazon Brasil; Magazine Luiza; Casas Bahia; AliExpress; Shopee; Netshoes; Extra; Pontofrio; Samsung; Elo7; Dafiti; Amazon; e Q Concursos. Assim, os players asiáticos superaram e-commerces de nicho e até algumas bandeiras dos grandes grupos de varejo, como Extra e Pontofrio.

Em faturamento, o banco Goldman Sachs estima que o Mercado Livre também tenha liderado o e-commerce brasileiro, responsável por uma fatia de 35%. Em segundo lugar está o Magazine Luiza, com 21,2%.

“É difícil falar quem vai ser o vencedor agora. O mercado brasileiro vai ter cada vez mais players internacionais, primeiro entrando cross border e depois localizando meios de pagamento, marketing e vendedores”, diz a fonte especializada em inovação no varejo.

“Vai ganhar a disputa aquela empresa que souber combinar preço competitivo ao serviço de entrega e devolução satisfatórios”, afirma Machado, da Gouvêa Consulting. “Segurança na transação, logística rápida e qualidade do que é entregue são pontos fundamentais e que se refletem nas vendas. Mas a localização também é importante nessa busca pela melhor experiência do usuário”, adiciona Bartzen, do Ebanx.

A XP Investimentos fez uma análise sobre a disputa entre esses e-commerces, publicada em maio deste ano. O relatório foi assinado pelos analistas de varejo Danniela Eiger, Gustavo Senday e Thiago Suedt.

“Esperamos ver uma competição mais acirrada em 2021, uma vez que as empresas estão vendo a aceleração da digitalização causada pela crise da Covid-19 como uma oportunidade para se consolidarem no mercado. Além dos players nacionais, temos visto também players internacionais dando sinais de um maior interesse em crescer no Brasil”, escreve a empresa de investimentos na análise.

O Mercado Livre ainda seria o maior competidor para as brasileiras Magazine Luiza e Via. “Além de ser o líder do setor, o Mercado Livre possui um ecossistema bastante robusto na frente financeira (Mercado Pago) e logística (Mercado Envios). (…) Além disso, a companhia possui uma maior diversificação de categorias quando comparada à Magalu e Via, mas sendo em sua maior parte composta por estoque de terceiros”.

A redução de prazo de entrega anunciada pelo AliExpress também aumentou o risco de uma maior competição vinda do Alibaba sobre Magazine Luiza e Via. Esse anúncio foi somado a um serviço mais localizado ao consumidor brasileiro, como atendimento em português, parcelamento sem juros, melhor logística reversa local, gamificação e live commerce nacionais e inclusão de marcas brasileiras no e-commerce.

“A companhia ainda tem uma atuação limitada no setor e possui um mix de produtos/categorias que não competem diretamente com a maior parte das vendas dos grandes marketplaces brasileiros. (…) No entanto, alguns consumidores podem migrar a compra para o Alibaba em cenários de um preço mais atrativo, principalmente dada a redução no prazo de entrega”.

Já sobre a Shopee, a XP Investimentos afirma que seu crescimento tem sido impressionante. O tempo médio gasto no aplicativo se destaca frente ao de outros competidores, de 8:10 minutos ante 5:50 minutos. Isso acontece “principalmente por conta da estratégia de gamificação utilizada na companhia para distribuir descontos/cupons”.

“Apesar de acreditarmos que a evolução da empresa mereça ser monitorada de perto, por ora, não enxergamos a Shopee como uma ameaça relevante para os nomes sobre nossa cobertura, pois (i) apresenta um sortimento distinto, focado em produtos com ticket médio menor e majoritariamente sem marca; (ii) o foco agora parece ser em adicionar e treinar sellers pequenos e de nicho; e (iii) a depreciação do real pode reduzir a atratividade do mix de produtos importados. Nesse sentido, vemos o Shopee como uma ameaça para players como Alibaba e Wish, por atuarem com os mesmos tipos de produtos/sellers“, conclui a XP Investimentos.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.