Tempestade formada por Brexit, greves e pandemia cria caos aéreo na Europa; veja como evitar problema

Filas intermináveis, demanda em alta e falta de pessoal: especialista ensina como enfrentar perrengue em voos nas férias rumo ao Velho Continente

Lucas Sampaio

Viajantes lotam o saguão de embarque do Terminal 1 do aeroporto de Lisboa, em Portugal(Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images)

Depois de mais de dois anos de pandemia, com a suspensão da maioria das restrições de viagem e grande parte da população vacinada contra a Covid-19, muitos se planejaram para viajar pela primeira vez em mais de dois anos, mesmo com o preço das passagens aéreas nas alturas.

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A vontade foi tão grande (e de tantas pessoas ao mesmo tempo) que a demanda reprimida se recuperou muito mais rápido do que o setor conseguiu se preparar, e o que tem sido visto nas últimas semanas são cenas de caos em diversos aeroportos, sobretudo na Europa — que tem grande turismo interno nas férias de verão e é objeto de desejo de turistas de todo o mundo.

Filas intermináveis de passageiros no check-in, milhares de voos atrasados e/ou cancelados, perdas de conexões e bagagens despachadas que nunca chegam têm sido recorrentes mesmo em grandes hubs europeus, como Heathrow (Londres), Schiphol (Amsterdã), Charles De Gaulle (Paris) e Frankfurt.

Para piorar, o verão europeu coincidiu com uma série de movimentos grevistas de funcionários das companhias aéreas e dos aeroportos por melhores condições de trabalho e reajuste salarial. Segundo a Euronews, trabalhadores de gigantes como British Airways e Lufthansa e das empresa de baixo custo Ryanair e EasyJet, além de funcionários do aeroporto Schiphol, lançaram uma série de paralisações.

A Lufthansa, por exemplo, cancelou mais de mil voos na Alemanha nesta semana, afetando cerca de 13 mil passageiros, por causa de uma greve de funcionários. Já a tripulação espanhola da Ryanair anunciou recentemente 12 dias de greve em julho, enquanto a da EasyJet vai parar por 9 dias. Os bombeiros do aeroporto Charles De Gaulle, em Paris, também pararam, e os sindicatos de pilotos italianos ameaçaram endurecer suas ações.

Mais movimento em agosto

Para lidar com o caos, as companhias aéreas e os aeroportos vêm adotando procedimentos paliativos. “Medidas vêm sendo tomadas para melhorar a situação também porque ainda há uma perspectiva de aumento da demanda. A grande temporada na Europa é em agosto”, afirma Felipe Bonsenso, advogado especialista em direito aeronáutico e consultor em transportes.

Bonsenso diz que atualmente “a infraestrutura aeroportuária está mais preparada para lidar com essas situações e, por isso, a situação está menos grave”. “É difícil lidar com uma retomada da demanda tão rápida — e em alguns casos até agressiva. Por isso se vê tanta fila nos aeroportos, Heathrow pedindo para as companhias pararem de vender as passagens…”, enumera. “Mas as companhias aéreas e os aeroportos têm adotado as medidas necessárias. Estão aprendendo a lidar com essa nova realidade”.

Essa “nova realidade” criou diversas cenas “inusitadas”:

Bagagem extraviada

O problema tem afetado de pessoas desconhecidas a famosos. Nas últimas semanas, Anitta teve bagagens da sua equipe extraviadas — duas vezes — durante sua turnê pela Europa. Gilberto Gil disse no Twitter que os instrumentos dos músicos não haviam chegado na Alemanha na véspera de um show. A cantora Marina Sena também afirmou que suas malas foram perdidas após um voo para Paris.

“Se eu sobreviver a essa tour, eu sobrevivo a qualquer outra coisa. Hoje, novamente a Air France, essa companhia de milhões, perdeu a roupa do ballet”, afirmou Anitta no Instagram. “A gente está aqui, tentando fazer roupas, porque o que deu eu trouxe no jato. O que deu. Aí, o que não deu, que era o pouquinho de coisa que não consegui, a Air France perdeu. Estamos sem roupa pro ballet e é isso aí. Valeu, Air France. Novamente, na turnê, mais uma vez. Show”.

Veja abaixo os seus direitos em caso de extravio da bagagem:

‘Tempestade perfeita’

O caos aéreo na Europa é uma tempestade perfeita, fruto de diversos problemas simultâneos: excesso de demanda reprimida de passageiros; greve de trabalhadores; falta de mão de obra nas companhias aéreas e nos aeroportos; e menos voos (e conexões) em relação ao período pré-pandemia, entre outros fatores. Como os aeroportos (e a aviação civil em geral) têm uma engrenagem complexa e funcionam como um relógio, qualquer problema em qualquer elo desencadeia problemas em série.

“A primeira explicação é que sim, existe uma demanda reprimida. Tem um grande número de pessoas que tinham passagem a remarcar e créditos da pandemia. E eles estão viajando agora. Além disso, tem também a demanda reprimida, da vontade dos passageiros de quererem voltar a viajar. Na outra ponta, tem as companhias aéreas que, para sobreviver à pandemia, demitiram funcionários”, elenca Bonsenso

“Demitiu não só a tripulação, mas também o pessoal em solo, do administrativo. As companhias também modificaram rotas, estocaram parte da frota, devolveram aviões. Então o número de assentos oferecidos diminuiu em relação ao pré-pandemia. E, por mais que elas estejam voltando com tudo isso, elas têm uma dificuldade de distribuir essa crescente demanda”, explica o consultor em transportes.

“Não é só ter uma aeronave para fazer uma rota, tem toda uma infraestrutura por trás do voo: para despachar a bagagem, para passar no raio-X, para embarcar. Falhas em qualquer um desses segmentos acarretam em atraso nos voos, e atrasos nos voos afetam conexões, o despacho correto das bagagens…”, diz o especialista. “Muitos demitidos também precisam revalidar carteiras ao serem recontratados — e não há tempo hábil para revalidar. São vários fatores, e isso não é só na Europa”.

Ele dá como exemplo a Lufthansa, que anunciou recentemente que vai tirar os Airbus A380 de standby para reorganizar a demanda por voos. “Mas nada em companhias aéreas acontece da noite para o dia. Para aumentar uma rota precisa colocar uma aeronave à disposição; depois, tem de de contratar tripulação. Para contratar, precisa treinar e dar validação. Também precisa de autorização do órgão regulador e de infraestrutura em solo: finger para desembarcar os passageiros, equipe para despachar bagagem… Então levar alguns meses até resolver a situação”.

Piores aeroportos da Europa

Para piorar a situação, há também falta de pessoal nos aeroportos, do despacho de bagagem ao controle de imigração. Neste último quesito, os aeroportos britânicos estão sofrendo mais por um outro problema recente: o Brexit.

“É a primeira vez que o Heathrow está lidando com o Brexit, então existe uma crítica grande em relação ao controle de passaporte. A circulação de bagagens também é diferente agora, porque passa a ser um transporte internacional para qualquer voo da Europa”.

Heathrow está entre os 10 piores aeroportos da Europa, junto com o Charles de Gaulle, em Paris, e o de Frankfurt, na Alemanha, segundo o Financial Times (todos com mais da metade dos voos atrasados). Mas o pior do continente tem sido o de Bruxelas, na Bélgica, com 73% dos voos atrasados em julho, segundo dados compilados pela empresa de reservas on-line Hopper.

“Portugal também tem sofrido bastante, no aeroporto de Lisboa, mas é porque o aeroporto está saturado”, diz Bonsenso. “O problema é maior por causa das férias do verão europeu também. Tem mais a ver com a demanda da alta temporada do que com um país ou uma companhia aérea específica”.

Passageiros em viagem na pandemia (Crédito: Cleber Mendes/ Agência O Dia/ Estadão Conteúdo)

O que fazer para (tentar) não ser afetado

Para o turista brasileiro que está viajando (ou com viagem marcada para as próximas semanas) para a Europa, algumas dicas são valiosas:

“O consumidor que compra uma passagem inteira a partir do Brasil, com todas as ‘pernas’, está protegido pela legislação brasileira, mesmo que o voo seja no exterior. No que diz respeito a atraso nos voos e extravio no despacho da bagagem, vale a resolução da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]“, diz Felipe Bonsenso.

“Além disso, é importante comprar [a passagem] no Brasil para ter acesso ao judiciário brasileiro, porque entrar com uma ação na Europa tem uma dificuldade muito maior. Se você comprar a passagem diretamente na Europa, tem de estar ciente da legislação europeia. Tem proteção, mas não são as mesmas da Anac”, resume o advogado especialista em direito aeronáutico.

Sobre chegar muito cedo ao aeroporto, o especialista em viagens Simon Calder disse à televisão britânica ITV que os problemas nos aeroportos estão sendo exacerbados por passageiros ansiosos, que chegam horas mais cedo para seus voos. “Parece absolutamente louco, mas muitas dessas filas são pessoas que pegaram um voo às 10h e chegaram às 5h”, disse Calder segundo a Euronews.

O aeroporto de Manchester lançou uma campanha pedindo aos passageiros que cheguem três horas antes de seus voos. O diretor administrativo interino do local, Ian Costigan, afirmou que “o aeroporto está pedindo aos passageiros que não cheguem antes disso porque não poderão fazer o check-in com suas companhias aéreas, o que pode causar esperas desnecessárias nos terminais”.

Questionado se o caos aéreo pode chegar ao Brasil, Bonsenso diz que as chances são baixas. “A demanda por transporte aéreo no Brasil é muito menor do que na Europa e nos Estados Unidos. Além disso, o preço da passagem está muito alto, e o brasileiro talvez não tenha o mesmo poder de compra do europeu ou do americano. Mas, no final do ano, se não houver um investimento em infraestrutura, também pode passar por isso”.

Impacto nas companhias aéreas

As companhias aéreas continuam com dificuldades financeiras, inclusive pelo preço do combustível de aviação (que subiu consideravelmente por causa da invasão da Rússia à Ucrânia). Por isso, o caos aéreo na Europa só piora a situação.

“Na falta de infraestrutura aeroportuária, as empresas não conseguem vender mais passagens. O exemplo maior é Heathrow, que pediu para as companhias venderem menos passagens. Mas vender menos passagem é menos receita, então a empresa precisa aumentar o preço da passagem para compensar a venda menor”, destaca Bonsenso.

“Além disso, não adianta vender a passagem se ela — ou o aeroporto — não tem infraestrutura para atender a esse voo. Quando ocorre um número muito grande de atrasos e cancelamentos, tem processos judiciais, multas, custos com reacomodação de passageiros… E tudo isso piora a conta das empresas, que estão tentando se recuperar da pandemia e ganhar fôlego. Por isso esses efeitos em cascata e interrelacionados afetam a capacidade financeira das companhias aéreas”.

Demanda por voos afetada

Além disso, a demanda por voos caiu consideravelmente entre as maiores companhias aéreas da Europa, segundo o Financial Times. As reservas feitas na primeira semana do mês, para voos dentro do continente em julho e agosto, ficaram 44% abaixo dos níveis de 2019 (uma mudança em relação à última semana de maio, quando as reservas para julho e agosto estavam perto do pré-pandemia).

Os dados foram extraídos pela ForwardKeys de um banco de dados de bilhetes do setor, que inclui as principais companhias aéreas nacionais, como Lufthansa, British Airways e Air France, mas não as “low cost”, como Ryanair ou EasyJet (que relataram as maiores demandas neste verão europeu).

“O aumento do nível de interrupção está diminuindo substancialmente a demanda, pois estamos vendo uma desaceleração dramática nas reservas de voos de última hora, além de um aumento nos cancelamentos”, afirmou Olivier Ponti, executivo da ForwardKeys, ao FT.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.