Preços de seminovos sobem com montadoras fechadas e queda na oferta de carros 0 km: como fazer um bom negócio?

Especialistas explicam os motivos da alta dos seminovos e dão dicas para evitar prejuízos na hora da compra

Giovanna Sutto

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – “Eu tinha um SUV, o carro era novo e não pretendia vender. Mas eu acompanho alguns sites e vi que os preços dos seminovos começaram a subir. Decidi aproveitar o momento e vender acima do preço. Esse tipo de negócio é quase impossível em tempos normais”, conta Vinicíus Assis, engenheiro industrial de São Paulo.

Fernando Szmulik, gerente regional de uma empresa de tecnologia do Paraná, narra uma história parecida. Apesar de seu carro estar novo, decidiu fazer uma troca por um carro maior.

“A intenção inicial era comprar um carro 0 km, mas o tempo de espera era de cerca de 40 dias para os dois modelos que eu cogitei. Meu carro entraria na troca como parte do pagamento. Mas as concessionárias estavam pagando acima do normal no meu carro e achei estranho. Comecei a pesquisar carros seminovos similares ao meu em diversos sites e me surpreendi porque vi alguns sendo vendidos por até 15% acima da tabela Fipe. Pensei bem, desisti de trocar e coloquei o meu à venda por um valor maior”, diz.

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Relatos como esses vêm se tornando mais comuns em função do momento de mercado dos seminovos, tecnicamente, os carros que foram fabricados nos últimos três anos. Um estudo da Kelley Blue Book (KBB), consultoria automotiva, mostra que os carros seminovos tiveram um aumento de 1% nos preços em fevereiro e de 1,87% em janeiro. Nos mesmos meses, os carros 0 km tiveram alta de 0,84% e 0,66%, respectivamente.

Nesse contexto, alguns consumidores estão aproveitando o momento para vender o carro e conseguir juntar dinheiro. “Se eu conseguir vender o carro por um bom preço, eu posso usar apps de carona quando precisar e ainda investir o valor da venda. É muito mais negócio, ainda mais na pandemia, que estou de home office”, complementa Szmulik.

Leia também: financiamento de veículos atinge maior prazo desde 2011

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Antonio Jorge Martins, diretor e coordenador acadêmico executivo da FGV, afirma que o carro deixou de ser investimento há muito tempo e que esse movimento de consumidores é cada vez mais visto. “Hoje em dia não há mecanismos de lucro com o carro, geralmente perde valor. Então, as pessoas entendem que fazer esse tipo de venda em um momento como o de agora é oportunidade”, afirma.

O InfoMoney entrou em contato com especialistas para entender os motivos que estão impulsionando os preços dos seminovos para cima e eles também compartilharam dicas para fazer um negócio se você está pensando em trocar ou comprar um carro. Veja os principais destaques:

1. Fábricas fechadas

Nas últimas semanas, dez montadoras anunciaram o fechamento temporário de suas fábricas: Chevrolet, Volkswagen, Nissan, Toyota, Renault e Honda, e além das fabricantes de caminhões Mercedes-Benz, Volkswagen Caminhões e Ônibus, Scania e Volvo.

O InfoMoney fez uma reportagem explicando os motivos do setor automotivo enfrentar esse cenário. Entre os motivos estão a piora da pandemia, a falta de peças, entre outros problemas que estão resfriando o mercado e que estão sendo refletidos no mercado de seminovos, em uma espécie de efeito cascata.

Nesta quarta (31), foi registrado um novo recorde de mortes por Covid-19: 3.950 no país. Desde o início da pandemia, são mais de 12,7 milhões de casos confirmados.

2. Oferta X demanda

“O carro seminovo virou ‘produto de ouro’ no mercado principalmente pelo desabastecimento de carros novos em função da pandemia e da falta de peças”, diz Ana Renata Navas, diretora geral da Cox Automotive, grupo dono da KBB.

Segundo ela, havia uma demanda, que era crescente no fim do ano passado, mas que não foi atendida por completo neste ano pela queda no ritmo de produção. “Com a falta de carros novos, a alternativa que restou foi o seminovo, que era o que o mercado tinha a oferecer. As buscas pela classe aumentaram e como resultado vimos uma valorização dos preços dos seminovos provocada pelo desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Parte das pessoas queriam comprar, mas não tinha produto disponível”, explica a executiva.

De fato, o mercado esfriou: de acordo com dados da Fenabrave, entidade que representa as marcas de veículos, dezembro do ano passado fechou com cerca de 230 mil veículos emplacados, bem acima dos 51 mil que se viu em abril. Porém, a partir de janeiro e depois em fevereiro houve uma queda nas vendas de carros novos: foram vendidos cerca de 160 mil carros em cada mês, cerca de 30% menos do que no fim do ano.

Segundo a executiva, somado ao cenário do setor, o que acontece em muitos casos é que o imediatismo da compra empurra o consumidor para os seminovos. “Ou seja, por não querer enfrentar longas filas de espera para adquirir um modelo novo (que podem passar de seis meses, a depender do modelo e cor do veículo escolhido), o cliente busca usados, o que também valoriza os preços”, diz.

A KBB fez uma análise que mostra que carros seminovos estarem sendo vendidos com preços acima dos modelos equivalentes 0 km, como os relatos compartilhados pelos consumidores no início da matéria. O recorte considerou os dez carros mais vendidos em 2020, segundo a Fenabrave, e separou os que apresentaram alta de preços na revenda. Veja:

Veículo Faixa média de Preço 0 km KBB Faixa média de Preço de Revendedor KBB* Diferença entre o preço 0 km inicial e o preço de revendedor final
Fiat Strada 2021 R$ 79.060 a R$ 79.859 R$ 77.192 a R$ 81.725 3,37%
Volkswagen T-Cross 2021 R$ 113.241 a R$ 114.385 R$ 111.135 a R$ 116.489 2,87%
Chevrolet Onix Plus 2021 R$ 77.677 a R$ 78.462 R$ 75.113 a R$ 79.565 2,43%
Hyundai HB20 2021 R$ 67.806 a R$ 68.498 R$ 65.717 a R$ 69.272 2,16%
Chevrolet Onix 2021 R$ 71.726 a R$ 72.451 R$ 69.438 a R$ 73.039 1,83%

*Dados da KBB de março 

O carro mais vendido do país, o Chevrolet Onix, teve uma alta de 1,83% no seu modelo seminovo, por exemplo. A GM está com sua fábrica em Gravataí (RS) fechada desde o início de março devido, entre outras coisas, à falta de peças no mercado. A Fiat Strada seminova, por sua vez, chegou a subir cerca de 3,4%.

Dado o cenário, alguns consumidores estão reavaliando a compra de um seminovo, inclusive por receio de adquirir mais dívidas. “Eu procurei o Onix, mas o preço inicial do seminovo está muito caro e acho que não vale a pena. Estou pensando se vale a pena gastar esse dinheiro. Eu não queria fazer dívida e fazer financiamento ainda mais durante a pandemia”, afirma Celso Ferracini, analista de logística da DHL, um dos muitos brasileiros que estão fugindo das dívidas no atual cenário.

InfoMoney fez uma reportagem que mostra que a busca dos consumidores por empréstimos caiu 1% na comparação com 2019, sendo a primeira vez em seis anos que o resultado é negativo. E um dos principais motivos do resultado foi a queda nos financiamentos de veículos.

3. Efeito do câmbio

Martins, da FGV, acrescenta que outro fator que deixou os seminovos mais atrativos foi o aumento do dólar, que encareceu os modelos 0km. Segundo ele, além dos problemas com a falta de peças, a alta nos preços dos carros novos também direciona a demanda para os seminovos em busca de um melhor custo-benefício.

Para entender o efeito do câmbio na composição do preço do carro, o professor exemplifica.

“Imagine a posição de um diretor da GM: ao vender o veículo ‘A’ ao cliente final, os custos de produção já estão pagos. Mas é preciso estabelecer esse valor final em função da recomposição do estoque. Ou seja, com o dinheiro que ele ganhou na venda do carro ‘A’, será usado para comprar outros componentes que vão gerar um novo carro ‘B’. Se esses componentes estão mais caros, eu automaticamente vou embutir essa alta no preço do carro ‘B’ para continuar a produção sem prejuízo. Por isso, se o real desvaloriza, ou uma peça atrelada ao dólar, como o aço, sobe de preço, a tendência é repassar para o consumidor. E com preços mais altos, o consumidor passa a considerar outras possibilidades que cabem no bolso, o que infla a demanda por seminovos”, explica.

No acumulado de 2021, o dólar já subiu 8,48%, para R$ 5,62 na venda, considerando o período até o fechamento desta quarta-feira (31).

Milad Kalume Neto, diretor da Jato Dynamics, consultoria automotiva, acrescenta que sob esse cenário impulsionado pelo câmbio, o mercado de seminovos está aquecido, mas lembra que esse aumento de preços já vem acontecendo há algum tempo. “O efeito do câmbio é significativo, mas há outros fatores, como o recolhimento da indústria, menos oferta faz o preço subir, além da tecnologia. As montadoras vêm apostando em tecnologia e isso também é embutido no preço do carro”, diz.

Um estudo da Jato Dynamics, que considera todos os comerciais leves das 15 maiores montadoras do país em 2020, mostra que o preço médio de venda no Brasil vem subindo desde 2016. Em 2020, houve uma alta de 12% para uma média de R$ 88.945,15, na comparação com 2019.

4. Dinâmica de novos x seminovos

Segundo os especialistas consultados, é necessário levar em consideração uma dinâmica já conhecida entre os carros novos e seminovos. “O mercado de seminovos e usados é sempre maior que o de novos, mas em momentos como o que estamos passando, com o impacto do mercado de 0 km, os carros seminovos ganham mais espaço porque viram opção para mais pessoas”, avalia Kalume Neto.

Martins acrescenta que, naturalmente, o mercado tem altos e baixos e a dinâmica entre novos e usados é inversamente proporcional.

“Sempre quando os veículos novos estão com preços elevados ou passam por algum tipo de escassez, o mercado de usados tenta compensar e vemos um aquecimento automático. Porém, são ciclos. A partir do momento que o consumidor começa a buscar seminovos como alternativa, mas não encontra, a tendência é que ele volte ao mercado de novos depois de um período ou mesmo pare de buscar carros por um determinado prazo. Não tem como cravar quanto tempo leva esse ciclo, mas tudo indica que o mercado de novos deve se reaquecer com a chegada das peças ou melhora da pandemia com a volta das fábricas”, diz. A expectativa é que a paralisação se estenda, enquanto o cenário da pandemia e de peças não melhorar. 

Pamela Niyama, coordenadora fiscal, está no grupo que já repensa a compra. “Eu estava em busca de um carro seminovo para fazer uma troca. Mas eu não encontro preços viáveis e estou pensando em deixar para depois, esperar um pouco para comprar um novo modelo”, diz.

Os números também mostram esses movimentos contrários: o índice de vendas de veículos novos apresentou queda em 2021. Segundo a Fenabrave, no acumulado até fevereiro foram emplacados 320.793 carros, enquanto no mesmo período em 2020 foram emplacados 376.756 – ou seja, queda de 15%. Já no mercado de usados (que inclui seminovos e usados), nos dois primeiros meses de 2020, foram vendidos 1,67 milhão de carros, enquanto no mesmo período deste ano foram 1,75 milhão, aumento de 6%.

Mas Ana Renata lembra que essa demanda por modelos seminovos é específica e é observada em nichos, já que de maneira geral o setor automotivo desacelerou na comparação com a retomada que vinha apresentando no fim do ano passado. “Há públicos específicos que fazem parte dessa demanda que estamos vendo: o que chamamos de comprador assíduo, por exemplo, aquele que troca de carro com bastante frequência e que, por vezes, faz troca de carro mesmo sem precisar; e também está nessa lista o grupo de pessoas que por diversos motivos estava sem carro, mas sentiu agora uma necessidade de um veículo individual e está buscando custo-benefício”, explica.

Ao observar os números de usados, os dados Fenabrave mostram que também houve uma queda dezembro para o início deste ano. No último mês do ano passado, foram vendidos 1,2 milhão de veículos usados, enquanto, em janeiro deste ano foram 869.169, queda de 27,5%.

Como fazer um bom negócio?

Considerando o cenário atual, em que os preços dos novos e dos usados estão altos, como é possível fazer um bom negócio, se o consumidor quiser comprar ou trocar de carro?

Se o consumidor quiser comprar um carro zero quilômetro, o momento não é bom e a recomendação é esperar alguns meses. “Se não há pressa, se não há a necessidade de troca, o ideal é aguardar. O cenário de escassez e a pandemia está elevando os preços, e muitos lançamentos devem acontecer ainda neste ano. Agora, se a pessoa precisa ou quer muito pegar um carro novo, a dica é buscar os modelos menos procurados atualmente, com menor prazo de entrega e comparar os preços para ter margem de negociação”, diz Ana Renata.

Kalume Neto acrescenta que de forma lógica ideal seria esperar para comprar qualquer tipo de carro. “A dinâmica atual está elevando os preços, se for possível ideal é esperar e não gastar mais do que precisa agora e fazer um negócio ruim”, diz.

Agora, se a pessoa já tomou a decisão de compra, é preciso mais atenção. “Se o consumidor precisa comprar um carro por qualquer motivo que seja, e quer evitar preços altos, a recomendação é ir em buscas dos chamados ‘usadões’, modelos mais antigos, fabricados há mais de quatro anos”, sugere Ana Renata, da KBB. Em 2020, os preços ficaram praticamente estáveis para essa categoria: uma variação de 0,16% na média dos preços.

Por outro lado, se a pessoa não quer comprar um modelo zero pelos valores, e não quer um modelo muito antigo, a opção é o seminovo e a executiva compartilhou algumas dicas sobre essa categoria para conseguir fazer uma boa compra.

“Os seminovos que mais valorizaram são os chamados utilitários, como é o caso das picapes, por exemplo, muito usadas no agronegócio, setor que sofreu menos pela pandemia; ou mesmo usadas no ambiente urbano para fazer transporte de materiais para reformas em residências, muito em alta na pandemia também. Para esse tipo de veículo, a demanda continua existindo. Por isso, se for buscar seminovos, uma opção é procurar pelos hatchs menos populares como o Argo ou Kwid, que ainda estão sendo encontrados com preços mais baixos. Modelos como Onix e HB20, dois dos mais vendidos do país, estão valorizados”, sugere Ana.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.