Como ficam suas passagens e milhas com a recuperação judicial da Latam Brasil?

Operação segue normalmente, mas advogados apontam riscos e recomendam evitar a compra de passagens

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – A Latam Brasil pediu recuperação judicial (RJ) nos Estados Unidos, nesta quinta-feira (9), pouco mais de um mês após o Grupo Latam e as filiais do Chile, da Colômbia, do Equador, Peru e dos Estados Unidos terem entrado com o pedido de proteção contra falência.

A unidade brasileira se juntou ao processo que já estava em curso em território americano e agora uma única reestruturação será desenvolvida para todas as unidades na tentativa de preservar as operações.

Para Guilherme Coelho, sócio do Stocche Forbes Advogados e especialista em recuperação judicial, é natural que o grupo tenha recorrido ao instrumento neste momento. “A crise gerada pela pandemia impactou severamente o setor e, diante da incerteza duradoura, a ferramenta é uma alternativa para a empresa”, disse.

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Mas para os consumidores que já compraram passagens ou estão avaliando a possibilidade, a notícia pode ser preocupante e algumas dúvidas surgem: como ficam as passagens? É possível fazer reembolso? Existe o risco de perder as milhas acumuladas no Latam Pass?

O InfoMoney contatou a Latam, advogados e especialistas em programas de milhagem para entender como fica a situação a partir de agora. Confira.

Passagens garantidas?

Em nota, a Latam Brasil garantiu que segue operando normalmente e nada muda para o consumidor. A empresa diz estar “comprometida em preservar a continuidade dos negócios à medida que se reorganiza – especialmente em relação a funcionários, clientes, fornecedores, parceiros comerciais e comunidades locais”.

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Segundo a companhia, os voos seguem operando normalmente, assim como estão fazendo as afiliadas do Grupo Latam, que já ingressaram no Capítulo 11 (nome dado ao processo de recuperação judicial na legislação americana) em 26 de maio de 2020.

“Serão respeitadas todas as passagens aéreas atuais e futuras, vouchers de viagem e reembolsos, bem como as políticas de flexibilidade e as demais normas vigentes”, disse a empresa.

A Latam Brasil explicou ainda que os funcionários continuarão recebendo os salários e benefícios previstos em contrato e os fornecedores não terão impacto no pagamento de materiais e serviços.

A empresa diz ainda que quando a pandemia começou, entrou na crise como um grupo de companhias aéreas saudáveis ​​e rentáveis, mas as circunstâncias excepcionais causaram um colapso na demanda, interromperam a aviação global e, consequentemente, suas receitas.

Leonardo Watermann, advogado especialista em crimes contra o consumidor, sócio da Watermann Sociedade de Advogados, acredita que o pedido de proteção é uma das provas de que a empresa fez uma manobra coerente para sobreviver.

“Essa recuperação em território americano, inclusive, pode viabilizar as negociações por novas linhas de crédito aqui no Brasil. Já que, com o processo ocorrendo lá, onde há mais flexibilidade e estrutura para negociação, a empresa pode ganhar mais credibilidade”, diz.

Ele acredita que a empresa deve honrar os compromissos com o consumidor e que o momento não é para pânico.

“A pandemia está se estendendo e a incerteza é o principal fator nessa conta. Na prática, a empresa se comprometeu a cumprir os negócios fechados e devolver o dinheiro em caso de desistência. Além disso, ela precisa seguir as orientações da Medida Provisória n° 925, que prevê devolução de valores em até 12 vezes, além de assistência completa ao consumidor, que é o lado mais frágil”, diz.

Avalie os riscos

Apesar do posicionamento da Latam Brasil, há riscos que devem ser considerados, segundo Watermann. “Quem comprou passagem para o ano que vem, por exemplo, deve ponderar que não sabemos a extensão da crise ou quanto fôlego a empresa ainda tem. Não precisa se desesperar para pedir a devolução, mas vale ficar atento ao desenrolar do processo de recuperação judicial”.

Douglas Duek, especialista em recuperação judicial e fundador da Quist, complementa que, como parte do processo, a Latam Brasil deverá informar as decisões do plano de reestruturação em cerca de três meses. “Nesse momento, será possível entender melhor os efeitos práticos do processo para o consumidor. Se a empresa vai ou não incluir os clientes na negociação”, diz.

O que pode acontecer nesse caso é, por exemplo, a Latam Brasil não devolver o dinheiro integral de voos já pagos, que ainda não aconteceram. “É um risco baixo, já que muito provavelmente a empresa vai negociar com investidores e empresas de leasing. Mas a recomendação é evitar comprar passagens da companhia, até que haja um desfecho da situação”, diz.

Watermann também avalia que o risco, embora exista, é baixo. “O objetivo dessa recuperação é se proteger dos grandes credores, ou seja, das dívidas significativas. O consumidor é fonte de renda. A empresa tem total interesse em manter a credibilidade, além de não poder perder mais receita do que a crise já provocou”, diz.

No entanto, se eventualmente algum consumidor enfrentar problemas em reaver o dinheiro gasto, Watermann orienta buscar o Procon e relatar o ocorrido.

“É possível também entrar no juizado especial de pequenas causas para adotar medidas legais. Se o valor for de até 20 salários mínimos (R$ 20.900) a pessoa não precisa de advogado. Entre 20 e 40 salários mínimos (até R$ 41.800) é necessário um representante legal, e se passar desse valor é preciso entrar com uma ação na justiça comum”, diz.

Milhas

Em relação ao programa de fidelidade Latam Pass, a empresa afirmou em nota que “serão respeitados todos os pontos e benefícios do programa Latam Pass, bem como as políticas de flexibilidade e demais normas vigentes”.

Watermann afirma que as milhas concedidas não serão perdidas, mas os consumidores podem esperar uma desvalorização. “Se antes da pandemia passagens de ida e volta a Miami custavam 140 mil milhas, no pós-crise o custo pode subir para 500 mil milhas, por exemplo. É uma forma de a companhia aérea captar mais rápido as milhas que estão no mercado, embarcando menos pessoas”, afirma.

Alexandre Zylberstajn, especialista em programas de milhagens e sócio do site Passageiro de Primeira, explica que o programa de fidelidade da empresa já vinha sofrendo mudanças antes da pandemia e, por isso, não dá para afirmar que todas as decisões foram tomadas apenas por causa da crise e da reestruturação.

“Parcerias foram interrompidas, preços para resgate de pontos foram reajustados, promoções se intensificaram e uma nova taxa de resgate foi criada na pandemia, embora tenha sido anunciada antes da crise”, diz Zylberstajn.

De qualquer maneira, o cliente que tem milhas acumuladas fica preocupado neste momento sobre o que fazer com elas, mas Zylberstajn diz que, por enquanto, não há motivo para desespero, já que o programa de fidelidade não deixa de ser uma fonte de renda para a empresa.

“Se o cliente entende, que, no limite, o risco seria a falência da companhia e prefere resgatar os pontos, há maneiras de fazer isso. Mas a melhor forma de usar as milhas, em termos de custo-benefício, é com a emissão de passagens. E quem optar por esperar pode conseguir bons negócios quando viajar voltar a ser uma opção mais viável”, diz.

Entre as alternativas para quem prefere resgatar os pontos e evitar riscos, estão:

a) Resgate de passagens com parceiras: a Latam Brasil tem parcerias com companhias como a Delta, Lufthansa e Iberia, segundo Zylberstajn. “Se o consumidor preferir, pode emitir passagens online para até daqui um ano”, diz.

b) Trocar por produtos e serviços: os pontos acumulados podem ser convertidos, por exemplo, em itens como eletrodomésticos ou crédito para combustível. “Ainda que não represente o melhor custo-benefício, é uma opção imediata de garantir a conversão de pontos”, diz.

Por fim, ainda há a opção de vender as milhas, mas Zylberstajn acredita que não é a alternativa mais segura para os consumidores. “É preciso tomar cuidado. Neste momento, muitas empresas de intermediação também não estão honrando os compromissos devido à crise. E como as milhas já se desvalorizaram, a venda fica menos vantajosa”.

A venda não é autorizada pelo programa de fidelidade, apesar de não ter uma regulamentação legal que proíba a prática.

Por que nos EUA?

Duek explica que realizar o processo de recuperação nos Estados Unidos foi uma decisão estratégica.

“O time que está administrando a situação avaliou onde a empresa teria mais sucesso, já que ela tem essa possibilidade por ser multinacional. O processo exige apoio dos credores na negociação de débitos e muitos deles são americanos. Mas o dia a dia da empresa não muda”, explica.

Watermann acredita que o pedido de proteção é uma das provas de que a empresa fez uma manobra coerente para sobreviver. “Aéreas como American Airlines e Delta já enfrentaram o processo de reestruturação nos EUA e saíram fortalecidas. Ainda há espaço para otimismo”, avalia.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.