Após tempestade, aterramento da fiação elétrica em SP volta ao debate: por que projeto nunca vingou?

Projeto já foi discutido em diferentes gestões; concessionárias alegam que iniciativa custa caro e valores seriam repassados aos consumidores

Anna França

Poste com emaranhado de fios

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A forte tempestade, com rajadas de ventos de mais de 100 quilômetros por hora, que atingiu a Grande São Paulo em 3 de novembro e deixou milhares de consumidores sem luz por até 1 semana trouxe novamente à tona uma antiga discussão: aterramento da fiação elétrica da maior cidade do país.

Isso porque o temporal atípico derrubou árvores sobre a fiação aérea em diferentes pontos e gerou dificuldades na reparação dos estragos para restabelecer o fornecimento da energia à população.

O projeto de aterrar a fiação elétrica em São Paulo já foi discutido em diferentes gestões e nunca avançou por causa da complexidade e do alto custo da iniciativa.

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Segundo fontes ouvidas pelo InfoMoney, o uso do solo hoje é compartilhado entre empresas de água, esgoto, gás, energia e telecomunicação. De acordo com especialistas, o aterramento custa muito mais caro que uma rede aérea em cerca de oito ou até dez vezes, o que acabaria impactando toda a base de cálculo para a tarifa de energia cobrada dos consumidores. Muitos alegam que ao invés do aterramento maciço, o manejo mais atento das árvores na cidade poderia ser uma solução mais efetiva, por enquanto, além de ser mais barata, para se enfrentar eventos climáticos mais extremos e recorrentes.

A distribuidora de energia de São Paulo Enel, que teve de mobilizar toda sua estrutura para dar conta dos problemas causados pela chuva na região metropolitana, explica que o padrão da rede elétrica adotado por todas as distribuidoras do país é o aéreo.

O aterramento de cabos, segundo a empresa, ocorre em casos específicos e seguindo critérios técnicos e econômicos, ou seja, quando o investimento é considerado viável. “De acordo com a regulação do setor elétrico brasileiro, os investimentos realizados nas redes de distribuição no país devem prever a razoabilidade dos custos, pois são repassados às tarifas de energia de todos os consumidores nos processos de revisão tarifária das distribuidoras”, explica, por nota, a Enel.

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Sobre a queda de árvores na cidade, a Enel ressalta que a manutenção da arborização no espaço público, incluindo a saúde das árvores e as podas preventivas e periódicas para evitar o contato das árvores com a rede elétrica, é atribuição das prefeituras. A Enel, por sua vez, realiza podas de forma preventiva e emergencial apenas quando os galhos de árvores já estão muito próximos ou tocando os condutores da companhia, podendo causar quedas de energia e acidentes envolvendo a população.

Para a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), que reúne mais de 70 operadoras de telecomunicações, o evento climático extremo que ocorreu em São Paulo serviu para trazer de volta também a necessidade de se discutir a questão do ordenamento dos postes nos espaços urbanos. A entidade considera que a questão precisa ser debatida com transparência para que haja uma regulação que acabe com a insegurança jurídica e beneficie a sociedade, as cidades e todos os setores envolvidos.

De acordo com o presidente executivo da TelComp, Luiz Henrique Barbosa da Silva, o debate deve seguir para além de uma discussão que envolva somente os setores de energia e as empresas de telecomunicações. “Os postes representam uma infraestrutura essencial. Eles estão em todas as cidades como um serviço que suporta as telecomunicações, a energia elétrica, o sistema de iluminação pública e a sinalização viária, que fazem parte da rotina urbana. E tudo têm de conviver de maneira harmoniosa com as demais infraestruturas urbanas”, afirma.

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Silva explica que já houve trabalhos conjuntos de sucesso, como na Avenida Paulista e Faria Lima. “Mas fazer obras numa cidade como São Paulo é muito complexo. Precisa interditar as vias para quebrar e isso, muitas vezes, só pode ser feito à noite. Mas quebrar uma rua de noite interfere na Lei do Psiu [programa que combate a poluição sonora]”, afirma ele, acrescentando que ainda há outro complicador: a gestão do uso do solo por causa da imensidão de coisas que já circulam por debaixo da terra, como rede de água, esgoto e gás.

Mesmo assim já está sendo feito o aterramento de fios em 80 quilômetros de vias de 14 regiões, o que custará R$ 310 milhões às operadoras. “Se somar todas as vias importantes da cidade de São Paulo estamos falando de 19 mil quilômetros, que custariam cerca de R$ 80 bilhões. Uma quantia gigantesca de um dinheiro que não existe. Isso sem falar no impacto gigantesco na cidade”, disse Barbosa da Silva.

Para o presidente da TelComp, é preciso estruturar uma política pública que defina o prazo para que essa intervenção seja feita, sem provocar caos na cidade. “Se for estipulado um prazo de 10 anos, já seria difícil, porque São Paulo cresceu de forma desordenada. Por isso, não podemos demonizar a rede aérea porque foi ela que permitiu levar serviços até as regiões mais distantes”, acrescenta. “Se proibir rede aérea, as periferias não terão mais acesso às redes”.

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Mas será preciso rever as posições, pois, só neste ano, o Brasil já registrou eventos extremos em São Sebastião, no litoral paulista; no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. E onde houve alagamentos, a infraestrutura aterrada também passou por problemas.

Resistência

Segundo Marcelo Tapai, advogado especialista em Direito Imobiliário e do Consumidor, as operadoras e as distribuidoras levam em conta apenas a questão matemática que envolve os altos custos desse tipo de projeto. Mas é preciso levar em conta, sugere Tapai, a questão de segurança e manutenção.

“As concessionária prestam um serviço público e deveriam investir nisso. Além disso, todas as empresas já pegaram a rede pronta das antigas estatais. Nenhuma concessionária construiu a rede do zero e há pouca ampliação disso”, explica. Para o advogado, o risco de um choque elétrico ou de um acidente é muito menor com a rede subterrânea, mas não existe nenhuma lei que obrigue as empresas a fazer esse tipo de trabalho.

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Ventilou-se, após o evento climático extremo deste mês, que o prefeito Ricardo Nunes teria proposto a criação de uma nova taxa para fomentar o aterramento da fiação elétrica em São Paulo. O presidente da Enel SP, Max Xavier Lins, confirmou em entrevista à GloboNews que a criação da nova taxa a ser cobrada dos paulistanos estaria em discussão junto com a prefeitura há um ano. Mas a repercussão foi tão ruim que o prefeito teve de voltar a atrás logo em seguida.

Questão é antiga

A primeira lei que tentou criar regras para passagem subterrânea de fios em São Paulo foi sancionada pelo então prefeito José Serra (PSDB), em 2005. A norma previa que as empresas que usam os postes teriam de aterrar 250 quilômetros de fiação por ano, o que livraria a capital dos fios em 24 anos.

A AES Eletropaulo, distribuidora de energia na época, barrou o plano na Justiça, alegando que não cabia à prefeitura, mas sim aos órgãos federais formular diretrizes sobre o tema. A empresa ameaçava triplicar a conta de luz para pagar pelo eventual projeto.

Gestões posteriores, como as de Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB) criaram projetos para impulsionar o aterramento da fiação elétrica, mas esbarraram nas mesmas resistências e as obras andaram devagar. Hoje 94% da malha ainda utiliza os postes. O programa atual, batizado de SP sem Fios, é mais modesto e tem como objetivo eliminar 65,2 quilômetros de fiação até o fim de 2024, de um total de 43 mil da cidade.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro.