A Faria Lima não é só um CNPJ

Generalizar a partir de um endereço é uma simplificação que ignora a diversidade de negócios que está na essência dos mercados financeiro e de capitais

Zeca Doherty

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Conhecida por abrigar o coração financeiro do país, a avenida Faria Lima ganhou as manchetes ao ser associada ao crime organizado. A percepção é, no mínimo, equivocada (para não dizer injusta), considerando que lá estão centenas de instituições financeiras que exercem as mais diversas atividades e movimentam parcela significativa do PIB (Produto Interno Bruto). Compartilhando os mesmos edifícios estão bancos de varejo e de investimentos, gestoras de recursos, grupos nacionais e estrangeiros, empresas de meio de pagamento, escritórios de consultoria e, mais recentemente, chegaram as fintechs.

São empresas de diferentes portes, de uma dezena de funcionários a milhares deles. Sim, estamos falando de edifícios inteiros ocupados por uma única companhia, enquanto outros abrigam dezenas de CNPJs. Generalizar a partir de um endereço é uma simplificação que ignora a diversidade de negócios que está na essência dos mercados financeiro e de capitais.

Por vezes, a Faria Lima é entendida como uma força invisível, sem associação direta com a economia real. Nada mais enganoso. Naquelas salas são fechados negócios reais, que geram empregos para milhões de brasileiros e movimentam setores mais diversos, do agronegócio à indústria imobiliária, do varejo a projetos de infraestrutura por todo o país.

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A construção de um porto passa pela Faria Lima, assim como projetos rodoviários, de energia, saneamento básico, transporte, logística e tantos outros. Esses projetos não saem do papel sem financiamento – e é aí que entra o mercado de capitais. As empresas do setor privado emitem títulos de dívida para financiar essas atividades. São debêntures, notas comerciais e promissórias, certificados de recebíveis e outros instrumentos que levantam recursos para viabilizar projetos em prol do desenvolvimento do Brasil.

Para dar uma ideia de grandeza, apenas os títulos corporativos de renda fixa, como debêntures, notas promissórias e comerciais, levantaram mais de R$ 1,5 trilhão de recursos entre 2018 e 2024, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Esse montante foi responsável por financiar cerca de 27 setores da economia no período.

O reflexo mais expressivo da importância do mercado de capitais na economia brasileira é a parcela dos ativos de renda fixa como fonte de financiamento das empresas. Mais de 30% da dívida de companhias não financeiras está em títulos privados. Era só 16% em 2017, segundo dados do Banco Central. Com esse crescimento, o mercado ocupou o espaço deixado pelo financiamento dos bancos de fomento e bancos públicos.  

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Olhando setorialmente, é evidente a consolidação do mercado de capitais como fonte de financiamento para o agronegócio, por exemplo. O volume de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e de Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) em mercado equivale a 31% do saldo do crédito rural. Há quatro anos, não alcançava 20%. 

Outro segmento com muitos CNPJs na Faria Lima é o de fundos de investimento. Estamos falando de uma indústria que responde por R$ 10 trilhões de patrimônio líquido, o que equivale a 85% do PIB. São mais de 32 mil fundos e 41 milhões de contas que acreditam e investem nestes produtos.

Os fundos de investimento são grandes compradores dos títulos do mercado de capitais e também dos títulos públicos, desempenhando um papel fundamental no financiamento de 46% da dívida pública.

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Esse volume expressivo de recursos não se origina por acaso. Tangibilizar esse ecossistema é determinante para entender a conexão da Faria Lima com a economia real. São as empresas distribuídas pela avenida (e também pela Paulista, Berrini, São Bento ou o bairro do Leblon, no Rio) que conectam a poupança dos investidores aos projetos que impulsionam o país.

Na outra ponta estão os investidores, que compram esses ativos para construção de poupança e patrimônio. E estamos falando de todo tipo de investidor, do pequeno ao cliente de mais alta renda, além dos investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras. O apetite deles cresce ano a ano, tanto via fundos de investimento como aquisição direta dos papéis, especialmente no varejo, o que contribui para o movimento de democratização do mercado de capitais.

Prova disso é que o segmento de varejo ultrapassou o de private na aquisição de títulos de renda fixa nos últimos dois anos.

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Esse círculo virtuoso tem efeitos diretos sobre toda a economia, da geração de empregos ao crescimento da poupança dos brasileiros.

Casos isolados não podem ser generalizados para toda uma indústria, especialmente a de fundos de investimento, que opera sob regras rígidas e transparentes, regulada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e autorregulada pela Anbima. Um endereço não pode ser usado para manchar a reputação de toda uma indústria, especialmente quando o desvio de conduta é associado a um CNPJ. A Faria Lima abriga centenas deles.

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Zeca Doherty

Diretor-executivo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) desde 2012.