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Você já deve ter ouvido dezenas de vezes: “coma comida de verdade”, “mastigue devagar”, “fracione as refeições”, “exercite-se com frequência” e “durma bem”. De fato, essas são recomendações simples, repetidas e respaldadas por evidências científicas. Mas, se a fórmula é conhecida, por que tanta gente ainda engorda, adoece e desiste no meio do caminho?
Essa pergunta me acompanha há anos na prática clínica. Pacientes altamente informados, com acesso a bons profissionais, planos alimentares bem estruturados e treinos personalizados ainda assim fracassam. E não por fraqueza ou desleixo. Há algo mais profundo por trás da dificuldade de aderir a um estilo de vida saudável.
O primeiro ponto, muitas vezes negligenciado, é a ausência de uma rotina mínima. Pode parecer básico, mas a falta de estrutura no dia a dia compromete toda tentativa de aderência. A maioria das pessoas acorda apressada, pula refeições, negligencia o sono e, ao final do dia, entrega-se à fome acumulada. Sem um plano prático, o comportamento alimentar vira uma reação automática ao cansaço e ao estresse. E, nesse ciclo, é mais fácil apertar o botão do delivery do que preparar uma refeição equilibrada.
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Estudos apontam que a falta de planejamento diário está associada à maior ingestão calórica, menor gasto energético e queda significativa na adesão a dietas e exercícios. Isso acontece porque o cérebro, sobrecarregado com decisões ao longo do dia, tende a buscar gratificação rápida — principalmente por meio de alimentos altamente palatáveis. O nome técnico disso é “fadiga da decisão”. No final do dia, a força de vontade já foi usada em outras prioridades, e o autocontrole despenca.
E não para por aí. A ausência de uma rotina também afeta o sono — e dormir mal é um dos fatores mais potentes para o ganho de peso. A ciência já demonstrou que apenas duas noites de sono ruim aumentam a liberação de grelina (hormônio da fome) e reduzem a leptina (hormônio da saciedade), além de prejudicar o controle da insulina e elevar o desejo por alimentos calóricos, principalmente doces e gorduras.
Um estudo com 495 mulheres publicado no Journal of the American Heart Association (2020) analisou a relação entre sono — especialmente parâmetros como qualidade, latência para dormir e insônia — e dieta. Ele encontrou que pontuações mais altas de sono ruim se associaram a maior ingestão calórica diária, aumento no consumo de comida por peso corporal e maior consumo de açúcares adicionados; sintomas graves de insônia também foram ligados a ingestão inferior de gorduras saudáveis e maior quantidade energética consumida.
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O terceiro fator é o desequilíbrio calórico diário causado por um comportamento muito comum: inverter o ciclo das refeições. Pessoas com rotina intensa costumam pular o café da manhã, almoçar mal e só conseguem comer de forma “livre” à noite. Isso cria um desequilíbrio metabólico, uma espécie de “recompensa noturna” que promove o armazenamento excessivo de gordura. Nosso corpo não entende o jejum como estratégia — ele entende como escassez. Então, quando finalmente há acesso a comida em excesso, o corpo armazena com medo de uma nova privação.
É importante compreender que o corpo humano opera em ciclos diários. A taxa metabólica basal, por exemplo, é calculada em calorias por dia, e não por semana. Isso significa que não existe “saldo” a ser compensado em outro momento. Se você exagera hoje e tenta se controlar amanhã, o impacto metabólico já ocorreu. Por isso, repartir as calorias ao longo do dia e evitar longos períodos de jejum involuntário (não planejado) ajuda a manter o apetite sob controle e melhora a sensibilidade à insulina — o que facilita tanto o emagrecimento quanto a manutenção do peso.
Essas três variáveis — rotina, sono e padrão alimentar diário — parecem simples, mas exigem uma estratégia prática. É aqui que entra o conceito de previsibilidade comportamental. Ter horários estabelecidos, refeições previamente organizadas (mesmo que simples) e sono regular é o que permite ao cérebro não depender exclusivamente de motivação. Quando você padroniza seu ambiente e sua agenda, os comportamentos corretos passam a ser automáticos — e, por consequência, sustentáveis.
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Agora, repare em um dado preocupante: mesmo em programas de emagrecimento estruturados, com acompanhamento profissional, cerca de 1 em cada 5 pessoas desiste nos primeiros dois meses. Ao final de um ano, quase 70% já abandonaram a estratégia. Esses dados mostram que informação e motivação não bastam. O que falta é método — e, principalmente, uma vida minimamente estruturada para sustentar o processo. Quando o dia a dia gira no piloto automático, sem hora certa para comer, dormir, treinar ou descansar, qualquer tentativa de mudança se torna frágil. Não há constância possível sem uma base real. E sem constância, nenhum hábito sobrevive.
O Brasil hoje tem mais de 96 milhões de adultos com excesso de peso, e quase 41 milhões com obesidade, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde. E a tendência é crescer: estimativas da Fiocruz apontam que, até 2044, metade da população adulta poderá estar obesa se nada mudar. Isso não é um problema apenas estético, mas de saúde pública, produtividade e economia.
Portanto, não se trata apenas de comer melhor ou de se exercitar mais. Trata-se de desenhar um sistema comportamental que permita que esses comportamentos aconteçam com menor atrito. O sucesso de uma estratégia de saúde, especialmente em pessoas adultas com múltiplas funções, está mais na engenharia da rotina do que na escolha perfeita do alimento ou do treino ideal.
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Experimente escrever, hoje à noite, a sua agenda de amanhã. Defina um horário de acordar, um café da manhã simples, um almoço realista, dois lanches rápidos e um horário fixo para dormir. Organize-se como você organizaria uma reunião. Faça disso parte do seu planejamento estratégico pessoal. Afinal, saúde também é ativo — e sem ela, nenhum plano de longo prazo se sustenta.