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O crescimento do sobrepeso e da obesidade no Brasil e no mundo não pode mais ser explicado apenas por escolhas individuais. A ciência já consolidou um conceito-chave: vivemos em ambientes obesogênicos, que estimulam comportamentos sedentários e alimentares prejudiciais à saúde, mesmo quando as pessoas tentam fazer “o certo”.
O termo ambiente obesogênico foi cunhado na década de 1990 para descrever espaços físicos, sociais e organizacionais que facilitam o ganho de peso e dificultam escolhas saudáveis. Esses ambientes estão presentes nas cidades, escolas e empresas, impactando diretamente a saúde populacional e o desempenho econômico.
De acordo com o Vigitel 2023, mais de 61,4% dos adultos brasileiros estão com excesso de peso, sendo que 24,3% vivem com obesidade. Apenas 40% praticam atividade física regular no tempo livre, índice muito abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere ao menos 150 minutos semanais de atividade moderada.
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O impacto vai além da saúde individual: a obesidade e o sedentarismo geram custos bilionários para sistemas de saúde e para as empresas, por meio de absenteísmo, presenteísmo (quando o colaborador está presente, mas com baixo desempenho) e aposentadorias precoces.
Um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que o excesso de peso reduz o PIB nacional em até 3,3%, considerando custos com saúde e perdas econômicas por menor desempenho e aumento de afastamentos.
Como nossas cidades estimulam o sedentarismo
A falta de infraestrutura urbana adequada para a prática de atividade física é um dos principais componentes do ambiente obesogênico. Em muitas cidades brasileiras, bairros inteiros carecem de calçadas seguras, ciclovias e praças apropriadas para atividades esportivas. Essa carência leva mais pessoas a utilizarem veículos para percursos curtos, reduzindo as oportunidades de movimento espontâneo e aumentando o risco de obesidade e doenças crônicas.
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Estudos indicam que ambientes urbanos mais caminháveis estão associados a menores taxas de obesidade. Por exemplo, uma revisão sistemática publicada no International Journal of Environmental Research and Public Health analisou diversos estudos e encontrou uma associação inversa significativa entre a caminhabilidade e a prevalência de sobrepeso e obesidade em adultos. Os bairros com maior caminhabilidade apresentaram odds ratios (OR) variando de 0,75 a 0,84 para obesidade, indicando uma redução no risco.
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Embora os percentuais exatos possam variar conforme a metodologia e o contexto geográfico de cada pesquisa, a tendência geral aponta que melhorias na infraestrutura urbana para pedestres podem contribuir significativamente para a redução da obesidade na população.
Escolas que ensinam, mas não movem
Nas escolas, o problema é semelhante. A educação física escolar enfrenta desafios como baixa carga horária, infraestrutura precária e, em alguns casos, ausência de professores qualificados. Estudos indicam que a carga horária destinada à educação física nas escolas brasileiras está aquém do recomendado, o que pode comprometer a saúde e o bem-estar dos estudantes.
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Além disso, o ambiente escolar frequentemente estimula o consumo de alimentos ultraprocessados, seja por meio das cantinas escolares ou pela ausência de políticas alimentares saudáveis. Pesquisas demonstram que a presença de cantinas está associada a uma maior frequência de consumo de alimentos ultraprocessados entre os estudantes, como embutidos, salgadinhos de pacote, guloseimas e bebidas açucaradas.
Essa inatividade precoce e a exposição a hábitos alimentares inadequados contribuem para a formação de padrões de comportamento que se perpetuam na vida adulta, aumentando o risco de obesidade e doenças crônicas.
Escritórios: ambientes que impactam silenciosamente a saúde
O ambiente corporativo é um espaço fundamental na promoção (ou bloqueio) de hábitos saudáveis. A rotina de trabalho em muitas empresas ainda estimula longos períodos sentados, pausas inexistentes e exposição elevada ao estresse crônico.
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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sedentarismo é um dos principais fatores de risco para doenças não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer, contribuindo para mais de 5 milhões de mortes evitáveis anualmente em todo o mundo.
O estresse ocupacional, por sua vez, está relacionado a condições como síndrome de burnout, depressão e doenças cardiovasculares, conforme reconhecido pela International Labour Organization (ILO), que estima que mais de 2 milhões de mortes por ano sejam atribuídas a condições de trabalho inadequadas, incluindo estresse e exposição a longos períodos de inatividade.
Para as empresas, o impacto é direto: colaboradores afetados por doenças crônicas relacionadas ao sedentarismo e ao estresse apresentam maior absenteísmo, além de custos indiretos associados à redução de desempenho e gastos com saúde ocupacional.
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Embora algumas estimativas anteriores apontassem reduções específicas no absenteísmo com programas de bem-estar, relatórios recentes destacam que empresas que implementam estratégias integradas de bem-estar — incluindo atividades físicas, suporte psicológico e políticas de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho — observam melhorias no engajamento, redução de afastamentos e maior satisfação entre os colaboradores. Por exemplo, segundo o Global Wellness Institute, empresas que investem em programas de bem-estar conseguem reduzir o absenteísmo em até 28%.
Assim, criar ambientes corporativos que promovam pausas ativas, ofereçam espaços adequados para movimento e estimulem a cultura do autocuidado não é apenas uma responsabilidade social, mas também uma estratégia inteligente para fortalecer a saúde organizacional.
Como transformar ambientes obesogênicos em ambientes saudáveis?
Embora o cenário seja preocupante, há soluções comprovadas que podem transformar ambientes obesogênicos em espaços que estimulam a saúde:
- Urbanismo ativo. Cidades que priorizam calçadas largas, ciclovias, praças e parques públicos promovem mais oportunidades para o movimento espontâneo. Políticas públicas de urbanismo ativo podem reduzir significativamente o sedentarismo.
- Educação física como prioridade escolar. Ampliar a carga horária da educação física, qualificar profissionais e criar programas integrados de saúde alimentar e movimento são medidas que impactam positivamente a formação de hábitos saudáveis desde a infância.
- Ambientes corporativos saudáveis. Empresas podem promover pausas ativas, investir em programas de bem-estar, flexibilizar a jornada para incluir práticas físicas e oferecer benefícios relacionados à saúde. Estudos indicam que programas de bem-estar no ambiente de trabalho podem levar a melhorias significativas na saúde dos funcionários e na produtividade. Por exemplo, uma pesquisa publicada no Journal of Occupational and Environmental Medicine analisou as preferências de exercícios dos funcionários para programas de bem-estar no local de trabalho e destacou a importância de adaptar esses programas às preferências dos colaboradores para melhorar a adesão e os resultados.
- Políticas integradas de prevenção. Governos, empresas e instituições educacionais precisam atuar de forma intersetorial para criar ambientes que estimulem escolhas saudáveis, reduzam barreiras e promovam o bem-estar.
O excesso de peso e o sedentarismo não são apenas resultado de decisões pessoais. São frutos de ambientes que, muitas vezes, bloqueiam escolhas saudáveis e facilitam comportamentos prejudiciais.
Transformar cidades, escolas e empresas em ambientes que promovem a saúde não é apenas uma questão ética, mas uma estratégia econômica inteligente, que reduz custos com saúde, melhora o desempenho e amplia a qualidade de vida de toda a população. Precisamos repensar nossos ambientes — para que eles ajudem, e não atrapalhem, quem quer viver com mais saúde.