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Existem obstáculos políticos e técnicos para uma negociação, mas um acordo de livre comércio beneficiaria ambos os países.
Essa é a possibilidade oferecida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, após a eleição de Jair Bolsonaro, alguém com um perfil semelhante ao seu. Bolsonaro provavelmente será um dos aliados mais próximos de Washington no continente Americano e um acordo de livre comércio daria o impulso necessário para a economia brasileira que está saindo de uma das suas maiores crises. O acordo também ajudaria os Estados Unidos a lidar com frustrações de altas barreiras tarifárias que o Brasil impõe ao comércio internacional. Mas, para os Estados Unidos chegar a esse acordo com o gigante sul-americano não será tarefa nada fácil.
O primeiro obstáculo é a participação do Brasil no Mercosul, um mercado comum composto, atualmente, por Argentina, Paraguai e Uruguai. Desde 2000, o bloco está amarrado a um acordo que impede seus membros de negociar acordos bilaterais com outras nações. Bolsonaro poderia, claro, tentar negociar por conta própria, mas essa medida seria um golpe mortal ao Mercosul e com um alto custo político.
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Uma opção seria Bolsonaro pressionar o início das negociações de acordo comercial com os Estados Unidos através do próprio Mercosul. Embora a Argentina não esteja em seu melhor momento para isso – dadas as atuais lutas políticas do Presidente Mauricio Macri -, o terreno poderia ser preparado para um acordo a ser alcançado caso Macri fosse reeleito no ano que vem.
A verdade é que o Mercosul começou a renascer de um longo período dominado por governos de esquerda que o politizaram e tornaram o bloco mais protecionista. Esse é um dos motivos pelo qual o Mercosul continua sofrendo para alcançar acordos comerciais com outros grandes países ou blocos regionais (as negociações iniciadas com a União Europeia em 1999 permanecem num impasse). Mas não se deve presumir que as conversas com os Estados Unidos seriam condenadas ao mesmo destino.
Outro obstáculo a ser superado é a história recente entre o Brasil e os EUA. O Brasil foi o principal culpado pelo colapso das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) apoiada pelos EUA na última década. E, enquanto a equipe econômica de Bolsonaro conta com economistas que apoiam o livre comércio publicamente, os principais receios do Brasil para um acordo com os Estados Unidos não vão desaparecer de uma hora para outra. Para o Brasil, os principais problemas da política comercial americana são: os subsídios agrícolas dos EUA, a tarifa americana sobre produtos industriais e a demanda dos EUA de proteção aos direitos de propriedade intelectual.
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Os subsídios agrícolas são particularmente uma das maiores preocupações. Em 2014, os Estados Unidos concordaram em pagar US$ 300 milhões para produtores de algodão brasileiros para resolver uma disputa da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre os subsídios norte-americanos. O programa de açúcar dos EUA é outra fonte de descontentamento brasileiro. O acesso ao mercado dos EUA pelo Brasil, maior produtor mundial de açúcar, é bastante limitado. O governo americano impõe níveis de tarifas punitivas após ultrapassar uma certa cota de importação proveniente do Brasil.
Por último, os exportadores brasileiros de aço e alumínio acreditam ser prejudicados pelas tarifas e cotas impostas pela administração Trump no início deste ano.
Claro que os Estados Unidos também têm seus próprios motivos para estarem frustrados com o Brasil. Grande parte desse descontentamento se deve a barreiras não-tarifárias, como os famosos requisitos de conteúdo local. O presidente Trump também disse publicamente que o Brasil tem tratado os Estados Unidos de maneira “muito dura” citando suas “tarifas muito grandes”. Dessa forma, para que as negociações de livre comércio ocorram, há uma sensação de que o Brasil deve primeiro alinhar seu marco regulatório com os Estados Unidos antes que o trabalho de base pode realmente ser feito.
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Ainda assim, os países se beneficiariam muito de um acordo de livre comércio. O Brasil é o 12º maior parceiro comercial dos Estados Unidos, e um acordo entre os dois países poderia impulsionar o PIB dos EUA em US$ 24 bilhões e o do Brasil em US$ 38 bilhões, segundo dois estudos de 2016. Conta a favor de Trump, o fato que os Estados Unidos tiveram um superávit comercial com o Brasil de quase US$ 27 bilhões em 2016.
Existem inúmeros incentivos para o Brasil também buscar esse tipo de acordo. Jair Bolsonaro demonstrou diversas vezes sua preocupação com o maior parceiro comercial do Brasil, a China. Um acordo de livre comércio com os Estados Unidos – o segundo maior parceiro do país – poderia ser um meio de reorientar a economia para longe de Pequim e assim depender menos dos chineses. Mais importante ainda, o acordo de livre comércio enviaria um sinal necessário de que a retórica pró-mercado, adotada por seu principal assessor econômico [Paulo Guedes], é mais do que simples palavras.
A recente conclusão das negociações do Brasil sobre um acordo de livre comércio com o Chile, um membro associado do Mercosul, poderia servir como modelo. Entre um dos acordos mais abrangentes que o já Brasil negociou, pode ser uma indicação de que Brasília está se posicionando para buscar o tipo de acordo amplo que os Estados Unidos provavelmente exigiriam. Um incentivo adicional é o fato que o Brasil também abriu negociações comerciais com o Canadá este ano através do Mercosul.
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O Brasil ainda está se recuperando dos efeitos de sua pior crise econômica da história e precisa de reformas estruturais para evitar outra recessão. A abertura comercial – incluindo um Acordo de Livre Comércio com os Estados Unidos – proporcionaria um impulso de confiança necessário e contribuiria para combater o alto custo de vida do país, o custo Brasil.
Porém, o que o Brasil precisa e o que pode conseguir são duas coisas diferentes. As restrições impostas pela participação no Mercosul são um sério obstáculo para a conclusão de um acordo de livre comércio. Enquanto muitos brasileiros reconhecem a necessidade de uma maior abertura econômica, contrariar grupos de interesse e políticas desordenadas tem se mostrado não ser nada simples. O compromisso de Bolsonaro com uma economia mais liberal continua a ser visto. Além disso, ele também desfruta de um dos maiores apoios populares conquistado nas urnas na história democrática brasileira. Vamos esperar que ele o use para o bem!
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Grabow é analista de políticas no Centro Herbert A. Stiefel de Estudos de Políticas Comerciais e Hidalgo é analista de políticas da América Latina no Centro para Liberdade e Prosperidade Globais, ambos no Instituto Cato.
Bibliografia:
GRABOW, Colin; HIDALGO, Juan Carlos. Why Bolsonaro Should Pursue Free Trade with the U.S. in Americas Quarterly. Disponível em: <https://www.americasquarterly.org/content/why-bolsonaro-should-pursue-free-trade-us>. 19 Dez. 2018.