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O que há de melhor – e de pior – no texto final da reforma da Previdência

A proposta do relator da reforma da Previdência foi apresentada na semana passada. Com aspectos positivos e negativos, o projeto avança mais uma etapa
Por  Guilherme Tinoco -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

No fim da semana passada, após alguns meses tramitando na Câmara dos Deputados, foi apresentada a proposta final do relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), na Comissão Especial da reforma. Com aspectos positivos e negativos, a reforma avança mais uma etapa. Como avaliar o texto?

Começamos destacando a melhor e a pior notícia. A melhor delas nos parece a retirada da capitalização. A mudança drástica no regime é complicada, tem um custo de transição elevado e, para piorar, não parece ter sido devidamente estudada pelo governo. Não existe, por exemplo, nenhum cálculo para embasar a mudança.

Por outro lado, a pior notícia é a retirada de estados e municípios da proposta. Voltaremos a falar sobre isso, mas essa alteração impõe uma perda enorme e prolongará uma discussão que já poderia ser resolvida de uma vez.

Como a melhor notícia já era esperada, mas a pior não, sob este aspecto pode-se dizer que o balanço final do texto tende ao negativo.

Contudo, olhando só para a economia da União, de R$ 863 bilhões em dez anos (segundo o relator), também podemos ressaltar que houve uma preservação razoável da economia da proposta original, que era de R$ 1,237 bilhão (redução de 30%). Se considerarmos o aumento da CSLL dos bancos, medida incluída no texto final e que arrecada R$ 50 bilhões em dez anos, chegamos ao valor de R$ 913 bilhões, reduzindo um pouco a mencionada perda de 30%.

De onde veio a maior parte da redução entre as propostas? A retirada das mudanças no BPC e na aposentadoria rural (cerca de R$ 130 bilhões), a mudança nas regras de transição (cerca de R$ 130 bilhões) e a mudança no abono (cerca de R$ 80 a 90 bilhões) somaram em torno de R$ 350 bilhões, valor que parece fazer sentido e explicar quase a totalidade dessa diferença. Aqui vale ressaltar que nem todos os números são oficiais, alguns foram pinçados de reportagens na grande mídia.

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Outra inovação no texto do relator, que não tem muito a ver com a discussão da Previdência, foi a mudança na destinação do PIS-PASEP. Hoje, 40% da arrecadação com esse imposto vai para o BNDES, após dedução da DRU. Pela proposta, não haverá mais essa destinação (os recursos irão para o pagamento de aposentadorias). Atualmente, esse valor gira um pouco abaixo de R$ 20 bilhões por ano e o montante estimado em dez anos equivaleria a R$ 217 bilhões.

Alguns veículos somaram esse valor ao restante (R$ 863 bilhões da reforma e R$ 50 bilhões do CSLL dos bancos) para chegar a uma economia total de R$ 1,1 trilhão. Trata-se, contudo, de erro grave: algo como somar laranjas com bananas.

Muita gente fez confusão sobre esse ponto. Aportes no BNDES não configuram gasto primário, logo, deixar de repassar este valor não representa economia de recursos. Esses aportes, na verdade, funcionam como uma poupança forçada. É como se o pai precisasse ajustar as contas e estivesse em dúvida entre cortar a TV a cabo ou a poupança do filho. Se escolhe cortar a TV a cabo, tudo mais constante, o patrimônio da família melhora. Se escolhe, por outro lado, cortar a poupança, o patrimônio não muda e, portanto, não há economia.

Isso não significa que o mérito dos repasses ao BNDES não possa ser discutido. O que acontece hoje, simplificadamente, é que o governo se endivida em cerca de R$ 20 bilhões para fazer um ativo de R$ 20 bilhões. Depois da introdução da TLP, o custo fiscal dessa operação é próximo de zero.

Portanto, cortando a destinação de R$ 20 bilhões por ano ao BNDES, no final de dez anos, teríamos, grosso modo, uma despesa primária igual, uma dívida bruta maior (em R$ 217 bilhões) e ativos do governo mais elevados (no mesmo montante), implicando em uma dívida líquida igual.

Esclarecido esse ponto, voltemos à discussão inicial. A pior notícia foi a retirada do texto de estados e municípios, cuja economia era de R$ 350 bilhões em dez anos. Quando consideramos esse número, chegamos a uma proposta original que economizava R$ 1,587 bilhão para o setor público em dez anos. Ficamos com R$ 913 bilhões (apenas 58% do total).

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Mas não só isso. Os estados vivem uma situação fiscal extremamente delicada, como já escrevi neste espaço algumas vezes. O governo federal vem, nos últimos anos, criando sucessivos pacotes de alívio. Sem resolver estruturalmente a questão, cujo sucesso passa pela reforma da previdência, estados continuarão demandando socorro à União, que, por sua vez, não tem espaço fiscal para ajudá-los. É uma bomba-relógio!

Fora este ponto, portanto, o saldo do texto é bom, principalmente quando consideramos que ele é resultado de uma grande negociação entre os congressistas, como afirmou o relator, o que leva a crer que tem boas chances de passar.

Guilherme Tinoco Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.

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