NFL transforma São Paulo em vitrine global com expansão digital e ofensiva de marca

Do cultivo de fãs no digital ao protagonismo do YouTube, estratégia mistura presença física, parcerias locais e, agora, transmissões gratuitas para construir um ecossistema de superfãs, e disputar atenção com big techs

Eduardo Mendes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Com a legenda “Bolting up in São Paulo”, o Los Angeles Chargers anunciou há cinco dias sua watch party nesta quinta e sexta em dois bares da Vila Madalena, bairro boêmio e hipster de São Paulo.

A expressão usada no post em collab com o perfil da NFL Brasil no Instagram remete a expansão agressiva, algo que a liga norte-americana tem feito no país. O segundo São Paulo Game, entre Chargers e Kansas City Chiefs, na Arena Corinthians, marca o ápice de um trabalho iniciado no digital há uma década.

Em 2015, quando a Effect Sport tornou-se agência oficial da NFL no país, 400 mil brasileiros seguiam a página global da liga no Facebook. Ainda assim, o engajamento orgânico passava de um milhão, colocando o Brasil no top 5 global considerando essa métrica.

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No ano seguinte, surgiram os primeiros perfis em português no Instagram e X (ex-Twitter). Depois vieram TikTok e YouTube, elevando a base digital a 5 milhões de fãs e 10 mil posts anuais. Nesse período, o Instagram brasileiro foi o primeiro fora dos EUA a bater 1 milhão de seguidores.

Esse impulso via redes sociais e a formação de comunidades digitais criou efeito multiplicador. Em entrevista à coluna, Pedro Rego Monteiro, CEO da Effect, disse que a base deve saltar de 38 milhões em 2024 para 45 milhões em 2025. Há dez anos, eram apenas 3 milhões.

O estudo Yard by Yard realizado pelo IBOPE Repucom no ano passado já mostrava que 35% da população brasileira se declarava fã de futebol americano (considerando tanto interessados quanto os muito interessados), o que equivalia a 41 milhões de pessoas. Esse número reflete um crescimento expressivo de 310% em relação a 2014, indicando que o esporte conquistou 31 milhões de novos fãs na última década.

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Parceria local como motor de expansão

Em 2024, o The Athletic publicou uma reportagem abrangente e detalhada explicando como a estratégia da NFL no Brasil dependia do cultivo intencional de um cenário até então marginal, capitalizando uma paixão de nicho que poucos enxergavam como oportunidade.

O artigo fez um recorte para analisar a decisão da liga de contratar a Effect Sport justamente para desenvolver e expandir metodicamente a base de fãs no país.

A estratégia de nacionalização do esporte apoiada por um parceiro local no terceiro maior mercado global da NFL consolida de vez o plano de globalização da liga.

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Um episódio recente ajuda a ilustrar essa lógica. Trecho vazado do livro de Ken Belson, repórter do New York Times, cita uma fala do comissário Roger Goodell após o Super Bowl LVIII.

“Não estamos competindo com a NBA ou a MLB. Nossos concorrentes são Apple e Google.”

A frase sintetiza a guerra não declarada entre ligas tradicionais e gigantes de tecnologia, que enxergam os esportes como a última fronteira de conexão emocional em um cenário de atenção fragmentada. Proteger esses territórios tornou-se questão existencial.

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A partir deste ano, a NFL estabeleceu oficialmente um escritório no Brasil, com uma equipe inicial de quatro profissionais.

Paralelamente, a liga expandiu seu Programa de Mercados Globais (Global Markets Program – GMP). No cenário brasileiro, Detroit Lions e Philadelphia Eagles – este último protagonista do primeiro jogo da liga em território nacional – juntaram-se a Miami Dolphins e New England Patriots como franquias com direitos comerciais para desenvolver operações de marca e engajamento direto com os fãs locais.

Ativações e experiência de fã

Com a presença local fortalecida e uma base de fãs em crescimento, a semana do jogo em São Paulo exige atenção especial à experiência real do fã.

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Além da watch party do Chargers, a Effect Sport está promovendo o jogo com ativações e eventos satélites. O adversário, por exemplo, terá a Chiefs House, um espaço de dois andares com 500m² em Alto Pinheiros que receberá eventos na quinta e sexta. O local oferece uma experiência imersiva pela história do time.

A agência também conduz campanhas de mídia OOH e todo o criativo das redes sociais para a NFL Shop, que instalou uma loja no Shopping Morumbi. Além disso, a Effect conectou o artista Kobra à liga para produzir uma empena na capital paulista.

No Rio de Janeiro, os Patriots instalaram um field goal aberto ao público entre terça e quarta-feira na praia da Barra da Tijuca.

Essas ativações materializam o que Marcelo Paiva, diretor de conteúdo e mídia da Effect, define como “trazer os times como ponta de lança da expansão”. Em entrevista à coluna, ele destacou:

“É um movimento que coloca as franquias na linha de frente. O fato de estarem mais presentes fortalece o elo com o fã e ajuda a empurrá-lo para dentro do funil.”

Patrocinadores locais em ascensão

Hoje, a marca da NFL no Brasil conversa com um público de alto poder aquisitivo: classes A/B representam quase 50% dos fãs, enquanto o ABC chega a 90%. É exatamente esse perfil que atrai os sete patrocinadores regionais fechados pela Effect nos últimos dois anos.

Dados inéditos da pesquisa Sponsorlink do IBOPE Repucom, lançados na semana passada, mostram que os fãs de futebol americano no país são os que mais confiam nas marcas patrocinadoras entre todas as modalidades esportivas: 79% declaram confiança, 27 pontos acima da média nacional.

Em 2023, a XP abriu o caminho ao fechar o primeiro acordo regional da NFL no país. Para Monteiro, foi um movimento crucial por sinalizar a outros players que o Brasil, embora menos maduro que mercados como México ou Reino Unido, tinha potencial real.

Na sequência, vieram BRF, Refit, Mars, KFC/Pizza Hut e Ram do Brasil.

“Quando começamos em 2015, era quase impossível marcar uma reunião com marcas”, lembra Monteiro.

No início deste mês, a Jack Daniel’s entrou para o grupo, e agora soma-se a um ecossistema que inclui até a Globo como parceira de mídia.

A maioria dos contratos tem duração de três anos e inclui direitos sobre propriedades intelectuais da NFL: uso de imagens de jogadores, times, Super Bowl, ações em pontos de venda, ativações internas e preferência em parcerias de mídia.

Globo entra no jogo

Na última terça, a homepage do Globo Esporte estampava o noivado de Travis Kelce e Taylor Swift. O anúncio tomou conta das redes algumas horas após a Globo confirmar seu novo contrato com a NFL, que inclui o duelo desta sexta-feira em Itaquera.

Pelo novo acordo, o Sunday Night Football será exibido no SporTV e na GE TV. A emissora também garantiu os dois jogos da tarde de domingo, o Thursday Night Football e as sete partidas internacionais da temporada e os playoffs da Conferência Nacional. O Super Bowl será alternado com a ESPN, que perdeu três dos cinco jogos de domingo.

As negociações ocorreram diretamente entre a Globo e a cúpula da NFL em Nova York. A Effect atuou como facilitadora, fornecendo insights estratégicos sobre o mercado brasileiro nos últimos meses.

Até então, a agência havia intermediado o primeiro acordo entre a liga e o GloboEsporte em 2022: um contrato focado em conteúdo, não em transmissão.

Como mostrei aqui no início do mês, a Globo retoma uma estratégia fragmentária que remonta a 2006, quando BandSports e ESPN dividiram os direitos da NFL no país. A diferença agora é o timing: a liga chega junto ao lançamento da GE TV, acelerando um modelo híbrido que usa o YouTube como vitrine gratuita e o ecossistema Globo como hub de distribuição e monetização.

O objetivo é saturar todos os canais.

YouTube e a lógica global

Se no Brasil a Globo roubará os holofotes, no mundo esse papel caberá ao YouTube.

Adam Kelly, presidente da IMG, disse ao Deadline em agosto que vivemos uma “era de ouro do esporte”, impulsionada por Apple, Amazon, Netflix e Google.

“Esses são os lugares onde você quer que o esporte esteja nos próximos cinco a dez anos”, afirmou.

Segundo Kelly, o São Paulo Game será o jogo da NFL com maior audiência da história “porque atrairá um público global nunca visto antes.”

Para sua primeira transmissão exclusiva da NFL, o YouTube escalou o criador Deestroying, ex-jogador universitário com 6,3 milhões de seguidores, como repórter lateral. Ele estará ao lado de Rich Eisen e Kurt Warner, enquanto Kay Adams, Cam Newton e outros nomes compõem o estúdio.

Segundo o The Athletic, a ideia do YouTube é ter um pré-jogo em um “formato dinâmico no estilo podcast”.

Próxima fronteira: audiência global

Conforme aponta o estudo da Two Circles, a NFL movimenta sozinha US$ 23 bilhões anuais, liderando um grupo seleto de propriedades esportivas que concentra 96% dos US$ 170 bilhões gerados pelo setor em 2024. O dado reforça o que já apontei aqui em maio: o poder da propriedade intelectual (IP) como motor econômico dos esportes.

A Two Circles ainda revela que, em direitos agregados (centralizados na liga, não nos clubes), a NFL domina isoladamente. O modelo americano de centralização e monetização coletiva atinge seu ápice na liga de futebol americano, que extrai valor não apenas do mercado doméstico mais maduro do mundo, mas de uma estratégia que mira o que Dan Naylor chamou de “próxima fronteira comercial“: um ecossistema global de fãs digitalmente nativos.

Transmitir o jogo no Brasil pelo YouTube é uma peça dessa lógica. A plataforma tem mais de 2,5 bilhões de usuários ativos mensais e reduz fricções geográficas, econômicas e culturais que outros formatos ainda impõem.

O futuro do esporte como negócio — e como mídia — não se dará apenas na venda de ingressos ou na comercialização de camisas. O jogo agora é sobre construir audiência proprietária e global, transformando espectadores passivos em superfãs engajados.

Nesse cenário, o Brasil pode ser tanto vitrine quanto ponto de inflexão.

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Eduardo Mendes

Eduardo Mendes é estrategista em conteúdo e novos modelos de negócio para esportes, mídia e economia criativa. Com quase uma década no jornalismo esportivo, hoje atua com inteligência estratégica e inovação. É cocriador das newsletters The Block Point e Creative Moves, e esteve à frente de projetos como o ecossistema digital do Atlético-MG e os primeiros colecionáveis digitais da T4F.