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No ranking do Sportico das franquias esportivas mais valiosas da Major League Baseball, divulgado em 25 de março, o Atlanta Brave ocupa a sexta posição com um valuation de US$ 3,71 bilhões. Se comparado ao top 50 do futebol global publicado pela mesma fonte na semana passada, o time de beisebol seria superado por apenas oito clubes.
Em 2023, ações dos Braves foram adquiridas pela Berkshire Hathaway, de Warren Buffett. Elas representam apenas US$ 9 milhões dos US$ 277 bilhões que compõem o portfólio atual da empresa. Trata-se da segunda menor participação da holding.
O dado ganhou nova relevância após o anúncio da aposentadoria daquele que é considerado o guru dos investimentos de todos os tempos. Em tom quase premonitório, uma declaração de Buffett feita durante a assembleia da Berkshire em 2014 reafirmava sua posição:
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“Se você ler que algum de nós está comprando um time esportivo, talvez seja hora de falar sobre sucessores.”
Historicamente cético em relação ao esporte como negócio, Buffett manteve sua distância. Além da posição nos Braves e de participações em Liberty Media e Fórmula 1, seu único investimento direto em uma equipe foi nos anos 90: uma fatia de 25% no Omaha Storm Chasers — afiliado Triple-A do Kansas City Royals — adquirida por US$ 1,25 milhão em 1991 e vendida em 2012.
Em 2008, ele recusou a compra do Chicago Cubs por US$ 700 milhões. A família Ricketts fecharia o negócio no ano seguinte, levando também o estádio Wrigley Field e uma participação em um canal regional, por US$ 845 milhões. Em março deste ano, os Cubs foram avaliados em US$ 5,69 bilhões, a quarta franquia mais valiosa da MLB.
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Os dados reforçam o que já se sabe há algum tempo: nas últimas décadas, poucos ativos se valorizaram tanto quanto os times esportivos. A média anual de crescimento de franquias da NBA e NFL está em 13%. Na MLB e NHL, o índice gira em torno de 11,5%. Para efeito de comparação, o S&P 500, referência clássica de Buffett, entregou cerca de 8,8% ao ano — ou 10,8% com dividendos reinvestidos.
Por que, então, ele ficou à margem por tanto tempo?
Como explica Kurt Badenhausen na Sportico, Buffett é um purista dos fundamentos: lucros consistentes, vantagem competitiva durável e fluxo de caixa robusto. Por muito tempo, essas não foram características associadas ao esporte. Clubes frequentemente operavam com prejuízo e dependiam de narrativas intangíveis para justificar valuation.
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Isso ajuda a entender sua famosa frase sobre “retorno psíquico” — a ideia de que bilionários investem em clubes não pela racionalidade financeira, mas pela visibilidade e influência que tais ativos proporcionam.
Nos últimos anos, no entanto, o cenário mudou. A profissionalização das ligas, os acordos coletivos mais favoráveis aos donos, a monetização digital e a expansão de licenciamentos criaram condições para margens mais saudáveis. E talvez por isso Buffett tenha feito, ainda que timidamente, sua entrada.
Mas essa inflexão não ocorre isoladamente. Dois dias antes da reunião que selou sua saída, o Financial Times revelou como grandes investidores estão tomando empréstimos lastreados em participações de private equity para atravessar a crise de liquidez provocada pela guerra comercial de Donald Trump e a paralisia dos mercados de capitais.
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Nesse cenário, o esporte surge como ativo híbrido — um porto (quase) seguro de estabilidade simbólica, emocional e econômica.
O crescimento está nos donos de IP, não nos clubes
Em 2024, os detentores de propriedade intelectual esportiva (IP) movimentaram US$ 170 bilhões em receita global, segundo o estudo Sports Revenue League, recém publicado pela consultoria Two Circles. O número representa 7% de crescimento ano a ano e consolida o esporte como a terceira maior indústria de entretenimento do mundo, atrás apenas de videogames e televisão tradicional — e mais do que o dobro do mercado fonográfico.
O volume é impulsionado por mais de um trilhão de horas de consumo esportivo ao vivo no mundo, segundo a consultoria. Ainda assim, o crescimento é altamente concentrado: 44% dessa receita está nas mãos dos 20 maiores detentores de IP.
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Esses grupos — que incluem ligas, federações, comitês e promotores de eventos — conseguem capturar valor diretamente do consumidor e operar canais próprios de mídia, dados e distribuição.
A ausência de clubes entre esses 20 principais não é por acaso: times raramente detêm os direitos sobre mídia, patrocínio ou imagem em escala global. Mesmo em ligas com maior autonomia para franquias, como a NFL, a receita central ainda é negociada e distribuída pela liga. O clube, nesse modelo, é peça do ecossistema — não seu centro de gravidade.
A ilusão da liquidez automática
Como já alertava o consultor Roger Mitchell em 2024, há uma crença ilusória no esporte de que liquidez viria por gravidade. Com IPOs suspensos, VCs atolados em ativos com valuation inflado e fundos de private equity recorrendo a continuation funds (vendendo ativos entre veículos controlados pelo mesmo gestor), o esporte se diferencia por manter atenção, recorrência e valor cultural. Mas isso não o isenta da necessidade de clareza estratégica.
Hoje, apenas entre 10% e 25% da receita total gerada no ecossistema chega aos atletas, segundo a Two Circles. E cerca de 24% de todo o consumo global de esportes ao vivo em 2024 foi feito via pirataria. É um “vazamento” estimado em US$ 20 bilhões anuais.
Nesse contexto, a rentabilidade passa a depender menos da posse do ativo (o clube) e mais da capacidade de ativar superfícies de monetização: dados de fãs, licenciamento, conteúdo proprietário, experiências físicas e digitais.
O clube do futuro é uma empresa de mídia?
O podcast Unofficial Partner repercutiu o estudo da Two Circles, e levantou uma provocação essencial: o que, afinal, é um clube esportivo? Uma empresa de mídia? De eventos ao vivo? De lifestyle? Um canal direto com comunidades de nicho?
Cada vez mais, os modelos de negócios vencedores misturam todos esses elementos. A US Polo Association, por exemplo, não participa de ligas internacionais de elite, mas faturou US$ 2,4 bilhões em 2023 apenas com licenciamentos e varejo. Ao mesmo tempo, iniciativas como o Wrexham AFC mostram que é possível transformar um clube em estúdio de conteúdo, marca de consumo e plataforma social.
Para Andrea Paolo Mainardi, consultor sênior de esportes, estamos entrando em uma nova era:
“As organizações esportivas estão evoluindo para plataformas de tecnologia de mídia totalmente integradas, combinando construção de comunidade, monetização digital e expansão global.”
O private equity, nesse cenário, seguirá sendo o principal acelerador, mas precisará de liquidez real, não apenas marcações em papel.
A lógica mudou. E talvez Buffett tenha reconhecido isso
Buffett nunca foi um entusiasta de narrativas intangíveis, e nem da euforia que costuma cercar o esporte. A entrada, ainda que marginal, nos Braves, por sua vez, sugere que o investidor mais racional do século XXI entendeu que o setor passou a funcionar sob uma outra lógica.
Hoje, times e ligas são veículos de audiência, dados e propriedade intelectual. Operam em múltiplas superfícies de receita e buscam estabilidade via contratos de mídia, ativos digitais e expansão internacional.
A avaliação média dos clubes gira em torno de 10x EV/EBITDA — contra 6x no varejo tradicional, segundo dados compartilhados por Mainardi.
Não se trata mais do tal retorno psíquico, mas do modelo de negócio.
Buffett sempre disse que seu verdadeiro legado seria “uma estrutura de pensamento”. Talvez seu último movimento público como investidor tenha sido justamente isso: um sinal de que, às vezes, o jogo muda — e vale a pena entrar em campo.