Wimbledon, IBM e o negócio da atenção: o que os dados ainda não contam sobre o futuro do esporte

Em meio ao hype da IA, o Grand Slam inglês virou vitrine global da IBM e símbolo de como tradição e inovação podem gerar relevância

Eduardo Mendes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

Depois da vitória de João Fonseca sobre Jenson Brooksby, usei o aplicativo de Wimbledon para projetar as chances de o brasileiro de 18 anos ter algum favoritismo na terceira rodada. Ele tornou-se o mais jovem a chegar a esta fase na grama sagrada inglesa e no saibro de Roland Garros desde Andy Roddick, em 2001.

Para que o Match Chat fosse mais assertivo, inseri o contexto de que 13 dos 32 cabeças de chave haviam caído logo na estreia, o que bagunçou os confrontos inicialmente projetados. Eis a resposta:

“João Fonseca, com uma probabilidade de vitória pré-jogo de 63%, provou ser o jogador dominante nesta partida, vencendo com uma pontuação de momentum de 100% e é, de fato, o favorito para vencer nas oitavas de final.”

Continua depois da publicidade

O prognóstico vem de uma ferramenta de inteligência artificial (IA) integrada aos duelos e acessada com um clique. O bate-papo apresentado como a novidade de 2025 é alimentado pelo IBM watsonx™, portfólio corporativo da empresa para soluções de IA.

A colaboração entre a IBM e o All England Lawn Tennis Club (AELTC) perdura há mais de três décadas. Desde 1990, a IBM já capturou mais de 62 milhões de pontos de dados. A cada edição, coleta, em média, cerca de 2,7 milhões de informações, fornecendo estatísticas em tempo real e insights dos jogadores.

Na edição do ano passado, Wimbledon alcançou 670 milhões de fãs globais em plataformas de TV, digitais e mídias sociais. Isso inclui 50,2 milhões de transmissões no BBC iPlayer e no BBC Sport online, de acordo com o torneio.

Continua depois da publicidade

Apesar de a AELTC ter menos de 500 membros, as duas semanas a cada verão permitem gerar milhões: a receita de patrocínio atingiu US$ 124,7 milhões em 2024, em 17 negócios, contribuindo para um lucro de US$ 75 milhões. Neste ano, o prêmio total em dinheiro baterá US$ 73 milhões, aumento de 7%.

Os ingleses não costumam detalhar em suas demonstrações financeiras as receitas, mas uma análise de 2023 da Forbes descobriu como Wimbledon arrecadou US$ 499 milhões e obteve lucros de US$ 71 milhões:

O Championships — como a consultora de etiqueta Laura Windsor recomendou [bbc.com] chamá-lo para reforçar que o torneio funciona como um museu enraizado em tradições britânicas — é uma máquina de fazer dinheiro.

Continua depois da publicidade

Mas a pitoresca festa no jardim dos gramados bem cuidados e de pompa real, conforme sugeriu o insider Joe Pompliano, também transformou-se em uma data party para melhorar o envolvimento dos fãs de uma marca que atinge uma audiência global de mais de 1 bilhão de pessoas em 200 territórios.

O dado como interface de engajamento

“Como Wimbledon pode trazer o próximo nível de dados para o seu fandom e usar o aprendizado de máquina para revelar o que o público ainda não vê?” A pergunta de Bill Jinks, diretor de tecnologia do AELTC, sintetiza o desafio central dos Grand Slams: vencer a batalha da atenção.

Segundo estudo da Hyperset, Wimbledon e US Open têm as maiores curvas de consciência pública entre os Grand Slams. O pico de interesse, porém, se restringe a três meses por ano.

Continua depois da publicidade

No cenário global, os ingleses dominam na Europa, mas dividem espaço com Roland Garros e US Open nas Américas e na Ásia, conforme mostram as análises da PEAK Sport Media.

A IBM, que há anos tenta posicionar-se como referência em IA para o consumidor final, ampliou seus produtos no torneio: de previsões de placar a comentários em linguagem natural gerados por IA, passando por reconhecimento de emoções dos jogadores. O “Catch Me Up”, o recurso badalado de 2024, gerava resumos personalizados das partidas com base no que o usuário perdeu.

Além do valor simbólico e operacional, as ferramentas estão tornando a experiência do fã mais fluida e personalizada, e posicionam Wimbledon como uma vitrine para a IBM.

Continua depois da publicidade

A dissonância entre essa retórica de inovação e o estágio real da indústria, por sua vez, é difícil de ignorar.

Entre a promessa e a realidade do uso de dados

Há três anos, quando a quadra central de Wimbledon completou cem anos, o The Guardian já mostrava como torneio estava recorrendo ao big data para ajudar a melhorar o conhecimento dos fãs sobre tênis. Descobriu-se que até mesmo detentores de ingressos não conheciam a maioria dos jogadores.

Naquela temporada, estatísticas baseadas em IA explicavam melhor os pontos fortes e fracos dos atletas, além de apontar surpresas e estrelas em ascensão, com dados compilados a partir da leitura de manchetes de jornais.

Alexandra Willis, diretora de marketing do All England Club, reforçava a aposta: “a tecnologia manterá Wimbledon relevante”.

Entretanto, fora do complexo situado no distrito de Merton, na região de Londres, o mercado de tecnologia esportiva do Reino Unido oferece um retrato menos otimista.

Pesquisa do PTI Digital realizada no segundo semestre de 2024 com executivos de alto escalão revelou [medium.com] que o otimismo para que o Direct-to-Consumer (D2C) e os produtos digitais tornem-se uma linha potencial de crescimento de receita nos esportes pode ser uma mera ilusão.

O esporte tem falado exaustivamente sobre dados na maior parte dos últimos 15 anos, porém, na prática, a adoção é apenas mais um canal de vendas. Ben Wells, um dos autores do estudo, resume bem: as receitas seguem dependentes de direitos de transmissão, que já deram sinais de estagnação. Então, de onde virá o crescimento comercial futuro?

A proposta de mídia peculiar na disputa global por atenção

O modelo midiático de Wimbledon é um estudo de caso. Mesmo com status de “evento protegido” no Reino Unido, a BBC enfrenta pressão crescente.

Durante os primeiros dias de torneio, o portal CityAM mostrou que a emissora deverá ter de aumentar significativamente sua taxa de direitos para o All England Club para estender sua cobertura exclusiva de Wimbledon além de 2027, em meio à crescente competição pelo tênis entre as emissoras. 

A TNT Sports dividirá com a BBC a transmissão das finais masculina e feminina desta edição, mas prepara uma oferta mais ampla para os direitos de 2028-2030, que serão licitados no final do ano.

A BBC, que transmite Wimbledon há nove décadas e tradicionalmente destaca o torneio em sua programação de verão, deverá desembolsar mais que os atuais US$ 82 milhões anuais para manter os direitos.

Nos Estados Unidos, a ESPN registrou a melhor audiência da história para o primeiro dia da competição: alta de 37% na comparação anual.

Jake Serlin resume bem a lógica de Wimbledon: “eles criaram um modelo que maximiza monetização sem diluir tradição”.

A chave está no equilíbrio. A transmissão gratuita doméstica preserva o engajamento local, enquanto os acordos globais garantem escala e relevância. Desta maneira, conforme apontou Serlin, o valor é compreendido de outra forma:

IBM, IA e o custo da sofisticação

O hype é generoso com a IBM. Seu negócio de IA generativa já gera US$ 6 bilhões ao ano. Em 2024, foram quase US$ 2 bilhões só no último trimestre. Mas os números exigem cautela. A empresa ainda cresce a um ritmo tímido — cerca de 5,5% ao ano — enquanto rivais como a Nvidia surfam com mais fôlego (53%).

Há décadas, os investidores se referem à companhia como “Big Blue”. No passado, era conhecida como um peso-pesado da tecnologia. Com o tempo, porém, muitos de seus segmentos de negócios estagnaram, sendo superados por concorrentes mais aguerridos. Porém, nunca parou de investir em setores críticos como a IA.

A IBM aposta em software, e não em hardware. E, ao contrário da Nvidia, enfrenta concorrência pesada em praticamente todos os seus segmentos. Analistas como os da Zack’s Research reconhecem a relevância da IBM, porém não a tratam como líder incontestável do setor.

Ainda assim, o simbolismo de Wimbledon como palco para essa aposta é poderoso. É ali que a IBM transforma IA em storytelling e usa os dados para impulsionar narrativas mirando novos fãs.

No fim, essa disputa não é apenas comercial.

A tese dos dados como ativo

A tese abrangente de investimento em relação ao capital institucional e a necessidade subsequente de infraestrutura de software B2B no esporte deverá ser a próxima validação do capital privado em meio à corrida pelas propriedades esportivas.

Enquanto as avaliações de franquias disparam impulsionadas pela bolha dos direitos de mídia, a indústria tem sido pouco sofisticada sob uma perspectiva de dados, e tem contado com abordagens tradicionais de vendas baseadas em relacionamento para gerar receitas.

Gerry Cardinale, da RedBird Capital, tem alertado: não é saudável que os esportes sigam inflando suas avaliações com base exclusiva nos direitos de mídia. É preciso explorar superfícies de monetização sustentáveis.

Como já escrevi aqui no InfoMoney: há uma crença ilusória de que liquidez viria por gravidade. Nesse cenário, rentabilidade passa a depender menos da posse do ativo e mais da capacidade de ativar superfícies escaláveis como dados, licenciamento, conteúdo proprietário, experiências físicas e digitais.

O principal ponto é: apesar do cenário de mídia fragmentada e da perda das pegadas digitais para as plataformas de terceiros, é possível assumir o controle por meio de soluções proprietárias que entreguem uma conexão direta com o fandom.

O que Wimbledon ensina é que inovação não precisa romper com tradição. A próxima onda de valor no esporte não virá de discursos bem produzidos sobre IA, e sim da capacidade de transformar dados em ativos acionáveis, com lastro na atenção de uma base de fãs cada vez mais dispersa e cortejada.

Autor avatar
Eduardo Mendes

Eduardo Mendes é estrategista em conteúdo e novos modelos de negócio para esportes, mídia e economia criativa. Com quase uma década no jornalismo esportivo, hoje atua com inteligência estratégica e inovação. É cocriador das newsletters The Block Point e Creative Moves, e esteve à frente de projetos como o ecossistema digital do Atlético-MG e os primeiros colecionáveis digitais da T4F.