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Voto plural em companhias brasileiras: inovação no âmbito da MP de Melhoria de Ambiente de Negócios

A Câmara aprovou o texto da MP com diversas alterações: a principal delas foi a inclusão da classe de ações com atribuição de voto plural
Por  Marcos Sader -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em meu último artigo neste espaço, falei sobre as alterações que a Medida Provisória de “Melhoria de Ambiente de Negócios” (a MP nº 1.040/2021) trazia para Lei das Sociedades Anônimas e de como o instrumento utilizado, uma MP, poderia não ser o melhor caminho para alteração de uma lei societária.

Naquela oportunidade, fiz votos de que o Congresso Nacional não deixasse passar a oportunidade de apreciação da MP para, de fato, melhorar o ambiente de negócios no Brasil.

Pois bem, no dia 23 de junho, a Câmara dos Depurados aprovou, com diversas alterações, o texto da MP 1.040/2021, que agora segue sua tramitação no Senado Federal.

No que diz respeito às mudanças das disposições da MP sobre a Lei das Sociedades Anônimas, que foi o foco do artigo anterior, a principal inovação proposta pela Câmara foi a inclusão de previsão sobre a possibilidade de criação de classe de ações com atribuição de voto plural.

O tema tem potencial para ser polêmico, mas o regramento dado pelo legislador buscou aplacar parte das possíveis críticas.

Antes de detalhar a figura do voto plural, vale mencionar que outras alterações foram realizadas ao capítulo que trata da proteção aos acionistas minoritários.

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Entre elas, a previsão de que a CVM, além do Ministério Público ou do próprio prejudicado, como já consta da Lei nº 7.913/1989, passará a ter competência para adotar medidas judiciais para evitar ou ressarcir prejuízos causados a investidores em decorrência de irregularidades cometidas no mercado de capitais.

E, ainda, a inclusão da possibilidade de eleição de diretor residente no exterior, cuja posse ficaria condicionada à constituição de representante no país para recebimento de citação.

Sobre essa mudança, poderia se dizer que não diz respeito à proteção de minoritários, mas seria possível argumentar que propicia melhoria no ambiente de negócios ao fomentar a entrada de companhias estrangeiras no Brasil.

Voltando ao regramento do voto plural, o texto aprovado na Câmara prevê que uma companhia poderá emitir uma ou mais classes de ações que teria como atributo mais de um voto por ação, até o limite de dez votos cada.

Tanto companhias fechadas quanto companhias abertas poderão emitir esse tipo de ação, desde que a criação da classe ocorra antes do início da negociação de ações em mercados organizados – ou seja, as companhias abertas hoje existentes não poderiam fazer uso da inovação.

A criação da classe de ações com voto plural dependerá de voto favorável de acionistas que representem metade dos votos das ações com direito a voto e sem direito a voto, com direito de retirada dos acionistas discordantes, mediante reembolso de suas ações nos termos atualmente previstos na Lei das Sociedades Anônimas.

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Para as companhias abertas, após a listagem de suas ações para negociação, somente será permitido alterar as regras das classes com direito de voto plural para reduzir os direitos e vantagens dessas classes.

O voto plural terá, ainda, um prazo de validade (mecanismo conhecido como sunset clause) de sete anos, prorrogável por uma única vez, por meio de deliberação dos acionistas não titulares de ações com voto plural, observado o mesmo quórum de criação da classe de ações e a regra de reembolso para os dissidentes.

A transferência de ações com voto plural para terceiros, em regra, fará com que elas sejam automaticamente convertidas em ações ordinárias sem voto plural.

O tema do voto plural é polêmico. Há vasta literatura societária e de governança corporativa que defende o princípio do one share, one vote (uma ação, um voto), que foi adotado, ainda que em parte, pelo das Lei das Sociedades Anônimas.

Em parte, porque a lei sempre previu a possibilidade de emissão de ações preferenciais, sem direito a voto, mas com outras vantagens em relação às ações ordinárias.

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O descasamento entre os aspectos econômicos (percentual de participação de um acionista na companhia) e os aspectos políticos (o número de votos que um acionista possui) tem o potencial de exacerbar o conflito inerente que existe entre os controladores e minoritários, permitindo a manutenção do controle com menor exposição patrimonial.

Parte da literatura sobre o assunto contou com embasamento empírico que demonstrava que companhias que seguiam um padrão mais elevado de governança, com o princípio de um voto por ação sendo pedra basilar desse padrão, desfrutavam de benefícios econômicos ao captar recursos em condições mais favoráveis.

A tese é que os acionistas minoritários demandariam um prêmio menor ao investir numa companhia com melhores padrões de governança.

Esse pensamento inspirou, inclusive, o surgimento do Novo Mercado no Brasil e dos demais segmentos de governança diferenciados que existem na B3, com excelentes resultados.

Ocorre que, nos últimos anos, a existência de ações com voto plural em mercados mais desenvolvidos do que o brasileiro passou a ser vista como um mecanismo relevante para permitir que a captação de recursos por empresas novas, de crescimento acelerado e que dependem, em grande parte, da dedicação e permanência de seus fundadores.

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Nesse cenário, o voto plural se tornou um instituto visto como benéfico para as companhias e seus fundadores, ao permitir a captação de recursos do mercado sem abrir mão do controle, e para os investidores em geral, que passaram a ter a possibilidade de investir nessas companhias.

A vedação do voto plural no Brasil, inclusive, é uma das justificativas (mas não a única) de empresas jovens e relevantes do país terem optado por abrir o capital na Nasdaq, nos Estados Unidos, e não na B3.

As preocupações com a governança corporativa são legítimas, mas não parece que a mera vedação legal é o melhor caminho para proteção dos acionistas minoritários, que hoje, em grande parte, podem se ver privados de investir em companhias promissoras.

Já existem segmentos diferenciados de governança corporativa para as companhias abertas brasileiras, que poderiam continuar existindo sem a participação de novas companhias que adotassem classes de ações com voto múltiplo.

Adicionalmente, os deveres e responsabilidades dos acionistas controladores continuarão vigentes na Lei das Sociedades por Ações, seja o controle exercido com ações com direito de voto múltiplo ou singular.

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Por fim, o texto proposto pela Câmara para regrar o instituto das ações com voto múltiplo possui algumas proteções relevantes para não expor os minoritários ao arbítrio de controladores.

Como exposto acima, companhias com ações com voto múltiplo somente acessariam o mercado de capital se essa classe de ação for criada antes do IPO, a criação dessa classe de ação dependeria de decisão assemblear, com direito de retirada para dissidentes, e o voto múltiplo teria prazo de validade e seria intransferível para terceiros.

O Senado Federal tem agora, até o dia 9 de agosto, a oportunidade de apreciar a MP nº 1.040/2021, com as alterações feitas pela Câmara dos Deputados, para conversão da medida em lei.

Até o momento, a tramitação da medida se mostrou proveitosa, contando com contribuições relevantes dos membros do Legislativo.

Espera-se que o Senado aprecie a medida tendo em mente o objetivo expresso na origem da norma, de melhorar o ambiente de negócios e aumentar a segurança jurídica no Brasil.

Marcos Sader Marcos Sader é sócio das áreas de M&A e Regulatório dos Mercados Financeiro e de Capitais do i2a Advogados. Marcos é graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP, Mestre em Direito (LL.M.) em Direito dos Mercados Financeiros e de Capitais pelo Insper, e LL.M. pela Columbia Law School (Harlan Fiske Stone Scholar)

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