Um outro 7 a 1 (agora no jogo das bets)

O impacto das bets não é irrelevante. Elas são a bola da vez e estão balançando estruturas que vão muito além das arquibancadas

Daniel Motta

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No fim de semana, meu time jogou – e eu, que já não acompanho mais futebol, acabei parando por um instante para assistir a cobrança de um escanteio. Close no jogador que ia bater, vejo o patrocínio de uma bet na camisa. Corta para o empurra-empurra na área e na camisa do outro time, outra bet. Corta de novo, plano bem aberta com visão ampla do campo, contei mais cinco bets diferentes, ao mesmo tempo, nas publicidades ao redor do gramado. Procurei alguma marca que não fosse do segmento e encontrei apenas uma. Sete a um no jogo das bets contra a rapa.

Quais times estavam em campo? Irrelevante. O impacto das bets, no entanto, não. Elas são a bola da vez e estão balançando estruturas que vão muito além das arquibancadas.

Ainda que não existam evidências de que pessoas que apostam estejam se endividando mais, dados do DataSenado apontam que 42% dos apostadores estão inadimplentes, e mostram que 52% do número total de apostadores é composto por pessoas com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos.

Quem tem menos é justamente quem mais está jogando e perdendo – e isso é cruel.

Apesar da regulamentação recente, o impacto é gigante e tende a crescer. Segunda a Kantar Ibope Mídia, o segmento é o que mais aumentou seus investimentos em publicidade, crescendo impressionantes 47%. Em um mercado estabelecido como o Reino Unido, 20% da receita é investida em publicidade, enquanto por aqui, estamos perto ou acima dos 50%.

Como o jogo regulamentado é recente, a estratégia faz sentido para os negócios, que buscam se estabelecer. Porém, talvez estejamos normalizando um comportamento com impacto negativo crescente, que a OMS chama de Transtorno do Comportamento de Impulso e já afeta 2 milhões de pessoas no Brasil. Faz sentido?

Quanto mais habituadas a jogar, mais endividadas as pessoas podem ficar. E não vejo a educação financeira ganhando a mesma relevância que as apostas. Assim como que é preciso beber com moderação, diz-se que é preciso jogar com responsabilidade. Mas dizer essa frase basta, ou ela é um mecanismo de isenção de culpa? “Eu avisei”. Sei…

O impacto é grande e amplo. Beneficiários do Bolsa Família gastaram 3 Bi em casas de apostas online em agosto de 2024. O governo precisou discutir a restrição de acesso para que essas pessoas não pudessem comprometer seu pequeno orçamento ainda mais com jogos. O varejo deixou de faturar mais de 100 Bilhões no ano passado por conta das bets, segundo a CNC, ou seja, as pessoas estão consumindo menos o que precisam para gastar e perder onde não deveriam.

Na minha opinião, quando a coisa não está certa, ela tende a ficar cada vez mais errada. Quando você tem ao redor do campo um negócio bilionário como anunciante, e dentro do campo o objeto do jogo em si, a coisa fica complicada. Não demorou para vermos os novos casos de venda de resultados envolvendo profissionais do futebol. Ainda que o investimento hoje esteja praticamente bancando os times e campeonatos, no médio prazo tem um potencial efeito ruim de imagem para um esporte – que já não está no seu melhor momento.

Em meio à regularização das bets, em outubro de 2024 uma casa de jogo do bicho chegou a ser autorizada em meio a outras centenas de empresas. Fica difícil acreditar que estamos estabelecendo os critérios mais íntegros e corretos para que as apostas possam ser autorizadas sem riscos para a sociedade.

Enquanto isso, a publicidade cresce e fatura, mas tem dificuldade em fazer seu trabalho direito, porque a diferenciação entre uma e outra bet é praticamente zero. Uma tem uma celebridade, outra tem outras, mas no fim e no começo é tudo meio igual.

Ao se justificar por aquilo que pode ganhar, todo mundo está fazendo vista grossa para o que temos a perder. Talvez não esteja tão óbvio quanto naquele dia do 7 a 1, mas eu acho que estamos perdendo, e muito.

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Daniel Motta

É executivo de comunicação e marketing com mais de 20 anos de mercado, atuando como Estrategista e Diretor Criativo em algumas das principais agências do país junto a grandes anunciantes globais. Atualmente, é CEO da Magenta, agência de publicidade que atende a XP, onde também foi sócio e liderou diversas frentes por mais de 5 anos.