O impacto tectônico da vitória de Trump

Trump entrará em um segundo mandato mais experiente, com menos constrangimentos institucionais, com maior legitimidade doméstica sobre sua agenda e em um cenário internacional muito mais complexo

Leonardo Paz Neves

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O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, faz um sinal de positivo durante a Cúpula da Agenda America First do America First Policy Institute em Washington, D.C., EUA, na terça-feira, 26 de julho de 2022 (Al Drago/Bloomberg)
O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, faz um sinal de positivo durante a Cúpula da Agenda America First do America First Policy Institute em Washington, D.C., EUA, na terça-feira, 26 de julho de 2022 (Al Drago/Bloomberg)

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A maiúscula vitória de Donald Trump nas eleições americanas deverá ter um impacto tectônico no país e no mundo. Um impacto que muito provavelmente será mais significativo do que o do seu primeiro mandato. Isso se dá por um amplo conjunto de fatores.

Primeiramente, destacamos a sua atual vitória. O triunfo de Trump é mais significativo, não tanto pelo número de delegados conquistados, mas pelo fato de ter ganho no voto popular; conquista importante para os republicanos, que só conseguiram esse feito uma vez nos últimos 35 anos.

Outro dado marcante deve-se ao fato de o Partido Republicano ter atingido maioria no Senado e na Câmara, o que dará muito mais latitude para as ações de Trump, que não se verá tão constrangido por negociações com o parlamento. Soma-se a isso ao fato de a eleição americana ter “terminado” com relativa brevidade. O resultado final das eleições americanas tende a durar dias em função de seus números apertados. No caso dessa terça, dia 5, a folga em termos de delegados selou rapidamente a vitória de Trump dando força para a sua conquista.

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O que esperar de um segundo governo Trump?

Para esse exercício de previsão, pode ser útil comparar o contexto das duas vitórias de Trump.

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Em seu primeiro mandato, Trump era efetivamente um outsider. Não muito bem-quisto no Partido Republicano, o presidente eleito dependeu da tradicional máquina do partido para compor seu governo, tarefa nada simples, que chegou a levar meses para preencher vagas de segundo e terceiro escalão do governo federal.

Ainda neófito na política, Trump não conhecia muito bem as alavancas e engrenagens da máquina pública, o que fez com que muitas de suas propostas, especialmente as mais controversas (como o banimento da entrada nos EUA de mulçumanos proveniente de um conjunto de países), fossem bloqueadas pela inconstitucionalidade das medidas, pelas instituições responsáveis pela implementação ou até por funcionários federais de carreira que identificavam ilegalidade nas ações.

Trump ainda teve contra si a pandemia. Esse fenômeno global basicamente congelou a política em todo o mundo por ao menos 18 meses, impedindo governos de avançarem em suas agendas prioritárias, ao focar na resolução da emergência de saúde e na mitigação dos seus efeitos.

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No entanto, a primeira eleição de Trump se deu em um contexto internacional muito mais estável. A grande ameaça da época era uma guerra civil na Síria, já em declínio, e um Estado Islâmico já enfraquecido.

De fato, a eleição de Trump (bem como o Brexit) foi por muitos considerada a principal fonte de desestabilização do sistema a época. Isso porque o então candidato Trump havia sido eleito sob uma plataforma que desmontava prioridades e descartava valores cujos quais a política externa americana (e dos países ocidentais) havia se estruturado e promovido desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A guerra comercial contra a China, iniciada pelo governo Trump também causou disrupção nas cadeias globais de valor, adicionando tensão no sistema.

Contra esse pano de fundo o que podemos esperar?

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Partimos de uma máxima da ciência política: presidentes de segundo mandato, tendem a radicalizar. Isso se dá especialmente com indivíduos de tendência autoritária. A impossibilidade da reeleição o desestimula a se engajar em negociações e fazer concessões.

No caso do segundo mandato de Donald Trump, podemos esperar de fato uma presidência mais agressiva e radicalizada. Isso se dá por um conjunto de fatores.

Primeiro, Trump é mais experiente. Ele viu o que não funcionou no primeiro mandato. Espera-se que ele tenha aprendido sobre as engrenagens da máquina pública.

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Segundo, Trump tem agora um conjunto de apoiadores mais amplo e mais leal. A composição de seu governo deverá levar a questão da lealdade incontestável em alta conta – a escolha do seu vice, JD Vance, parece indicar essa tendência.

Terceiro, Trump terá menos obstáculos, pois contará com maioria no Senado, na Câmara e no Supremo Tribunal.

Quarto, e talvez o mais dramático dos fatores, é a recente decisão da Suprema Corte Americana de julho de 2024 que presume imunidade criminal para o Presidente dos EUA em ações oficiais de governo – decisão essa que oferece uma enorme latitude para eventuais ações de Trump, mesmo ilegais como perseguição de rivais políticos.

Descrito o contexto, outra maneira de tentar prever como será um segundo governo Trump reside nas promessas de campanha. Em seu primeiro mandato, o então presidente Trump buscou implementar quase todas as suas promessas, mesmo as mais controvertidas. Nesse sentido, destacam-se as seguintes promessas de sua presente campanha:

Economia

No campo da economia, Trump prometeu reduzir de 21% para 15% o imposto corporativo, bem como um expressivo corte de gastos federais (ainda que não tenha especificado os programas mais atingidos).

Prometeu ainda aumentar significantemente tarifas em relação a produtos importados – o aumento seria de uma tarifa global de 10% a 20%, além de uma tarifa de 60% para produtos vindos da China.

Imigração e meio ambiente

Outro tema de sua campanha foi o compromisso de reforçar as fronteiras para evitar imigração ilegal e de promover uma deportação em massa de tais imigrantes.

No campo ambiental indicou que irá estimular a produção de combustíveis fósseis, bem como reverter as medidas ambientais promovidas pelo governo Biden.

Saúde e minorias

Para a área da saúde deu a entender que irá deixar o setor sob o cuidado de Robert F. Kennedy, um entusiasta do movimento antivacina e de abordagens alternativas a medicina tradicional.

Prometeu ainda combater a agenda progressista, em temas como direito ao aborto, direitos LGBTQI+ e o que chamou de ‘doutrinação woke’ nas escolas.

No campo doméstico, Trump ameaçou perseguir e punir rivais políticos e disse que usaria militares contra ‘inimigos internos’ que seriam, em especial, ‘lunáticos radicais de esquerda’.

Política externa

No que tange política externa, podemos esperar uma postura mais agressiva em relação a China e Irã, um apoio sem grandes restrições a Israel no conflito em Gaza e Líbano, uma reavaliação do papel dos EUA na OTAN e na garantia da segurança dos seus aliados, tanto na Europa como na Ásia e um desengajamento na guerra da Ucrânia.

Conforme posto, as expectativas para um segundo mandato Trump indicam impactos significativos, nos EUA e no mundo. Para o bem ou para o mal (dependendo de quem lê), Trump entrará em um segundo mandato mais experiente, com menos constrangimentos institucionais, com maior legitimidade doméstica sobre sua agenda e em um cenário internacional muito mais complexo. Então, o que parece certo é que veremos um futuro mais turbulento.

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Leonardo Paz Neves

Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV