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Como o petróleo da Venezuela voltou ao radar dos EUA depois da guerra na Ucrânia

Embora seja verdade que a produção esteja reduzida e sua indústria petrolífera viva seus dias mais sombrios, o país latino-americano reúne uma série de condições que o torna importante no contexto petrolífero continental
Por  Carlos H. Brandt S
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Como é de conhecimento público, foi realizada uma primeira reunião no último sábado entre representantes do governo de Joe Biden e do presidente Nicolás Maduro. Esta foi a reaproximação de mais alto nível que ocorreu desde que os países cortaram relações, em 2019.

Vários assuntos foram discutidos na reunião do fim de semana, como o mercado de petróleo, sanções e até a libertação de executivos da Citgo, detidos em Caracas em 2017.

Segundo a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, a segurança energética foi discutida na reunião, tendo em vista que, alguns dias depois, os EUA e o Reino Unido anunciaram a decisão de proibir a importação de petróleo bruto e produtos refinados da Rússia.

Deve-se notar que, desde a entrada em vigor das sanções ao setor de petróleo para a Venezuela, impostas por Donald Trump em junho de 2019, as importações americanas de petróleo venezuelano chegaram a zero e permanecem assim até agora.

Antes da situação atual, a Venezuela era um fornecedor confiável e seguro de hidrocarbonetos para o mercado americano, exportando 1,9 milhão de barris por dia (mmb/d) em 1998, representando 6% das importações do país do norte.

Mesmo em maio de 2003, as importações de petróleo e produtos refinados venezuelanos chegaram a 1,7 mmb/d, e então começaram a declinar.

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Como esperado, no mercado de petróleo, os espaços vazios são preenchidos quase que imediatamente por outros concorrentes.

Nesse caso, os russos viram a oportunidade de substituir o petróleo venezuelano nos EUA, exportando cerca de 405 mil barris por dia de petróleo e derivados para aquele país em dezembro de 2021, atingindo seu maior volume em maio de 2021 com 804 mil barris por dia.

É claro que os russos se beneficiaram das sanções contra a Venezuela. Mas, apesar desse conflito de interesses, Caracas e Moscou mantêm uma relação próxima em diferentes áreas. Recentemente, o presidente venezuelano Nicolás Maduro recebeu a visita do vice-primeiro-ministro russo, Yuri Borisov, em uma evidente aproximação para ratificar e reforçar o apoio de Caracas à potência da Eurásia que, alguns dias depois, invadiria a Ucrânia.

Agora, o encontro entre os governos dos EUA e da Venezuela confirma o fracasso da política de Trump de aplicar sanções ao país sul-americano e ao governo Maduro para forçar sua derrubada, como previsto que aconteceria em maio de 2019 com a libertação de Leopoldo López. Pelo contrário, essa política repetida e sistemática consolidou Maduro no poder.

Em segundo lugar, é claro que, apesar de os EUA reconhecerem Juan Guaidó como o suposto presidente legítimo, é Nicolás Maduro quem exerce o controle verdadeiro e funcional do aparelho de Estado, sendo ele quem tem a última palavra sobre os assuntos que foram discutidos na primeira reunião e que interessam aos americanos.

Com a decisão da Casa Branca de não importar mais petróleo, gás e carvão russos, os americanos, além de afetar seu abastecimento interno, estão tentando endurecer sua posição contra a Rússia cortando outra fonte de renda.

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Por sua vez, eles enviam uma mensagem aos seus aliados e países consumidores sobre o quão inconveniente será, no futuro, adquirir hidrocarbonetos daquele país.

É nesta variável geopolítica que a figura da Venezuela se torna, em certa medida, relevante. Embora seja verdade que a produção esteja reduzida e sua indústria petrolífera viva seus dias mais sombrios, o país reúne uma série de condições que o torna importante no contexto petrolífero continental.

Vejamos alguns deles:

1. Um extenso e comprovado histórico e conhecimento da área de hidrocarbonetos;

2. A relação histórica política, diplomática, comercial e petrolífera que mantém com os EUA;

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3. O profundo conhecimento e notável interesse que as corporações americanas têm em solo venezuelano. Prova disso é a insistência da Chevron em não abandonar o país e manter sua posição em caso, como o de agora, de haver uma nova oportunidade de recompor sua participação na indústria petrolífera venezuelana;

4. A proximidade geográfica entre os dois países, localizada a apenas quatro dias de barco;

5. As vastas reservas de petróleo e gás que a Venezuela possui. Inclusive a possibilidade de produzir – investimento prévio – no médio prazo, pelo menos um milhão de novos barris no estado de Zulia, especificamente no campo de Boscán;

6. As diferentes análises disponíveis que concluem que, no curto prazo, sob condições técnicas e econômicas favoráveis, o país poderá aumentar sua produção em aproximadamente 350 a 400 mil barris por dia.

7. O processo de abertura econômica que vem sendo implementado progressivamente pelo governo venezuelano;

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8. A ausência de conflitos internos que possam gerar estabilidade, ingovernabilidade e, portanto, insegurança.

Apesar de a reunião de sábado ter sido uma primeira abordagem sem acordos específicos, Caracas começou a moderar seu discurso de apoio irrestrito à Rússia, especialmente agora, quando está ciente de que as circunstâncias internacionais abrem uma oportunidade inesperada até algumas semanas atrás. Por isso, deve ser proativa e tolerante, atuando pragmaticamente, com objetivos claros à vista.

Após a reunião, um dos gerentes da Citgo detidos em Caracas foi libertado. Além disso, o presidente Maduro anunciou o restabelecimento do diálogo com os setores da oposição sendo que, nesta ocasião, com aparente maior amplitude.

Na situação atual, o governo venezuelano percebe uma possibilidade de estabilização política e econômica. Ele vê uma brecha que lhe permite negociar o alívio das sanções diante das eleições presidenciais de 2024, uma vez descartado o referendo revogatório e com uma oposição em franca fraqueza. Ainda há muitos pontos a serem levados em conta nesta relação.

Carlos H. Brandt S Carlos H. Brandt S. é contribuidor da Ohmresearch. Escreve sobre geopolítica, conjuntura internacional, petróleo, gás, políticas públicas e estrutura legal para hidrocarbonetos na Venezuela. Atuou como pequisador e consultor da Comissão de Energia e Petróleo e da Comissão de Política Externa, na Assembleia Nacional da Venezuela, por 18 anos.

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