Palavras que confundem e desinformam

O termo "especulação imobiliária" aparece com enorme frequência nos jornais e no noticiário de rádio e TV, sem que signifique, na maior parte das vezes, a divulgação noticiosa de alguma ação especulativa ligada à atividade imobiliária. Quase sempre, essa expressão está se referindo, apenas, à própria atividade de construção civil ou ao desenvolvimento de novas áreas urbanas.
Por  Rubens Menin
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O termo “especulação imobiliária” aparece com enorme frequência nos jornais e no noticiário de rádio e TV, sem que signifique, na maior parte das vezes, a divulgação noticiosa de alguma ação especulativa ligada à atividade imobiliária. Quase sempre, essa expressão está se referindo, apenas, à própria atividade de construção civil ou ao desenvolvimento de novas áreas urbanas. Em outras vezes, o equívoco de linguagem costuma ser mais grave ainda, quando o termo é utilizado para designar algum processo localizado de adensamento das construções ou de simples aumento de altura no padrão dos prédios de um determinado bairro ou região. Esse uso inconveniente da expressão não é apenas um hábito da mídia, pois, nisso, a imprensa simplesmente reproduz e reflete uma opção de linguagem dos brasileiros.

A origem do termo, marcadamente brasileiro, está perdida no tempo. Mas, certamente, a expressão deve ter sido utilizada, pela primeira vez, para referir-se ao antigo hábito que levava alguns aposentados, famílias abastadas, viúvas, herdeiros e outras pessoas interessadas na preservação ou aumento do respectivo patrimônio, a deixar lotes de terreno urbano sem utilização, na simples espera de sua valorização futura. O fato é que esse termo acabou por cair no gosto dos brasileiros, que passaram a aplicá-lo fora da acepção original, muitas vezes como sinônimo indevido para a própria atividade de desenvolvimento de novas áreas ou de construção de prédios, de casas e dos equipamentos de infraestrutura urbana. São comuns as notícias que incluem, por exemplo, textos dessa espécie: “a região foi alcançada pela especulação imobiliária há mais de três anos e, desde então, vem sendo intensamente ocupada”.

O fenômeno da rápida urbanização verificada no Brasil, no último século, praticamente eliminou o velho hábito de reservar terrenos para uma eventual valorização futura, único procedimento que poderia ser apropriadamente descrito como “especulação” ou “aposta”. Mas, apesar disso, a expressão continua a ser amplamente utilizada, com o seu significado fortemente pejorativo, ainda que não corresponda a uma tipificação legal específica que se pretendesse abolir ou desestimular. Tanto assim, que o Estatuto das Cidades, estabelecido pela Lei n° 10.257, de 10.07.2001, como o principal diploma legal destinado a organizar a Política de Estado relativa ao setor, não utiliza a expressão “especulação imobiliária” uma única vez.  Curiosamente, vale observar que, em oposição ao sentido pejorativo utilizado pela expressão brasileira, os EUA e outros países de língua inglesa tratam as atividades de urbanização de novas áreas para a construção ou de sua melhoria e ocupação com o termo “desenvolvimento” (real estate development), que embute uma conotação muito mais positiva, receptiva, qualificativa e pró-ativa.

Nós, brasileiros, apreciamos a invenção de significados novos para as palavras, fugindo da observância das acepções tradicionais da língua. Mas, quase sempre, a cada nova acepção adotada, acabamos confundindo e desinformando mais do que agregando alguma interpretação elucidativa. “Especulação imobiliária” não é a primeira situação desse tipo. Além dela, tivemos muitos outros equívocos semelhantes, que acabaram por confundir as pessoas. Algo parecido com o que aconteceu com a palavra “volatilidade” (que teve sua origem na crise econômica mexicana do Natal de 1994, quando o mundo globalizado se deu conta, perplexo e pela primeira vez, da existência de mecanismos capazes de fazer com que se evaporassem do México cerca de 40 bilhões de dólares em duas semanas e passou a designar o fenômeno com a expressão “capitais voláteis”). Pela sonoridade da palavra ou talvez pela novidade do termo, “volatilidade” passou a significar qualquer coisa em economia e não há mais quem se lhe entenda o sentido na maior parte dos textos publicados atualmente no Brasil.

A Engenharia utiliza a expressão “a céu aberto” para designar um método construtivo de galerias, canalizações e outras obras assemelhadas que são executadas com a remoção do terreno superficial, distinguindo-as daquelas escavadas subterraneamente como se fossem túneis. Uma galeria de esgoto pode ser escavada dessa forma durante a construção, como uma vala posteriormente aterrada. Outras obras, por concepção, podem continuar a céu aberto depois de prontas. O que não faz sentido é o hábito nacional que adotou a expressão “esgoto a céu aberto” até para designar as situações em que não existem os coletores ou interceptores de esgoto! São palavras que mais confundem do que informam.

Os exemplos são muitos. Mesmo os que passam desapercebidamente, como a mania recente de chamar os estádios de arenas, quando se sabe que os primeiros incluem, além do campo, também as arquibancadas e os equipamentos circundantes e as últimas, referem-se, apenas, ao palco ou picadeiro (tradicionalmente cobertos de areia) onde se realizam os esportes, lutas e apresentações. Todos esses hábitos confundem, mas, a conotação pejorativa decorrente do uso indiscriminado da expressão “especulação imobiliária” precisa ser combatida em favor da exata compreensão dos benefícios produzidos pela atividade da construção civil.

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