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O triunfo dos incapazes

A valorização mais recente do dólar reflete a incapacidade do governo para superar as crises sanitária e econômica em função de sua manifesta preferência pelo conflito aberto e inútil com as demais forças políticas. A piora do risco-país nas últimas semanas reflete primordialmente a deterioração doméstica
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Hoje, quero voltar a um assunto que explorei de raspão há pouco, a saber, os determinantes do comportamento recente da moeda, em particular os responsáveis pela forte depreciação observada desde o final do ano passado.

Para quem não se lembra, apresentei o seguinte gráfico, decompondo a variação da paridade real-dólar em quatro determinantes: (a) o risco-país, medido pelo CDS de 5 anos (o prêmio para se proteger de um calote brasileiro nesse horizonte temporal); (b) a força global do dólar, aferida pelo índice DXY; (c) preços de commodities, capturados pelo índice CRB; e (d) a diferença entre a taxa de juros no Brasil e nos EUA (no caso, a taxa para um ano).

O gráfico sugere que a principal força impulsionando o dólar contra o real até agora no ano é a elevação do risco-país, que, de fato, subiu de algo como 1% ao ano na média de fevereiro para perto de 2,5% ao ano em março e 3,1% ao ano em abril.

Este valor é consistente com uma probabilidade de calote ao redor de 5%, supondo que seja possível receber 40 centavos para cada dólar de dívida soberana brasileira.

Boa parte deste movimento, é bem verdade, reflete a fuga global de ativos mais arriscados, cuja manifestação mais óbvia foi a elevação generalizada de prêmios de risco.

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O termômetro usado no caso dos países emergentes em geral é o EMBI (Emerging Markets Bond Index), calculado pelo JP Morgan, que subiu de 3,1% em fevereiro para 5,5% em abril (médias mensais), captando precisamente a relutância dos investidores internacionais em manter papéis de mercados emergentes em carteira, a menos que compensados por rendimento mais elevado.

Até cerca de um mês atrás, era possível atribuir praticamente toda a elevação de risco-Brasil (logo, a valorização do dólar) ao movimento global.

A diferença entre o EMBI brasileiro e o do conjunto de países emergentes (exceto o próprio Brasil, bem como a Argentina) pouco se moveu do final de fevereiro ao final de abril, conforme ilustrado pelo gráfico abaixo, oscilando ao redor de -0,9% ao ano (ou seja, o Brasil percebido como um pouco melhor do que a média).

É visível, todavia, a piora relativa do país no período mais recente: hoje, o EMBI Brasil é virtualmente idêntico à média dos emergentes, exceto Brasil e Argentina.

Dito de outra forma, de um mês para cá, a elevação do risco-país se deve principalmente a fatores nossos, não mais à redução do apetite global por ativos arriscados.

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Aqui, se inserem nossas incapacidades.

Em primeiro lugar, a questão sanitária, já que o Brasil é agora percebido como o principal foco da pandemia, devidamente condecorado com a proibição de desembarque nos EUA.

Com tempo para se preparar e conhecendo exemplos de programas relativamente bem-sucedidos para lidar com a infecção, o país conseguiu perder todas as chances que teve para atacar o problema, talvez ainda à espera dos 40 milhões de testes prometidos pelo ministro Paulo Guedes, que devem se materializar apenas após a venda de R$ 1 trilhão de imóveis do governo.

Da mesma forma, não ajudam os sinais da deterioração constante das contas públicas, nem tanto pelo forte aumento dos gastos que deve ocorrer em 2020 em resposta aos desafios da pandemia, mas sim por indicações de que não será possível retomar sequer a trajetória de contenção gradual do déficit que vigorou de 2017 a 2019.

Pelo contrário, a ação descoordenada do governo no Congresso indica que, no melhor dos casos, precisaremos de três a cinco anos a mais para colocar a casa em ordem do que originalmente esperado, e isso se chegarmos a tanto.

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Por fim, mas certamente não menos importante, o aprofundamento e a perenização da crise política também contribuem para a piora da percepção de risco.

O governo, quando não se autocanibaliza, compra brigas absolutamente gratuitas com os demais poderes, com governadores, com a imprensa e com outros países, sem esgotar, obviamente, a lista de conflitos.

As chances, portanto, de lidar a contento, seja com a crise sanitária, seja com a crise econômica, se reduzem a cada dia, não apenas pelo atrito com as forças políticas, mas principalmente porque o foco da administração não está na solução dos nossos problemas.

Se restava alguma dúvida a este respeito, a transcrição da inacreditável reunião de 22 de abril deve tê-la eliminado.

Em meio à epidemia e à queda sem precedentes da atividade econômica e do emprego, o presidente da República preocupa-se com suas “hemorróidas”, o ministro da Educação clama pela prisão de dos ministros do STF e o da Economia gaba-se de ter lido “A Teoria Geral” três vezes no original em inglês antes de partir para o doutorado.

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Podemos, portanto, botar na conta do governo federal a pernada mais recente do dólar. Sem um adulto sequer na sala, o clima de 5ª série não permitirá a superação da crise.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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