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Há um limite para a Selic?

Haveria espaço para novos cortes da Selic, mas o BC parece temeroso a este respeito
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Se a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, de um corte de 0,75% da taxa Selic, foi surpreendente, sua comunicação foi provavelmente mais.

Havia, de fato, certa discussão acerca do tamanho do corte, entre 0,50% e 0,75% (desta vez estava do lado certo!), mas não se esperava que, além do movimento em si, o BC fosse se comprometer com mais uma redução no mês que vem, o que gerou ruído adicional entre os analistas.

A origem do debate se encontra, acredito, na comunicação que se seguiu à decisão anterior (corte de 0,50% em março; eu esperava 0,75%!). Muito embora a redução estivesse dentro dos resultados possíveis, a linguagem do BC havia sido bastante conservadora.

Em primeiro lugar, o comitê deixou claro que via “como adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar”.

Adicionalmente, enfatizou que, dados os riscos que corria o processo reformista, “relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras”.

Em português, isso quer dizer que a redução da taxa de juros de curto prazo, a Selic, poderia implicar elevação das taxas de juros mais longas, com efeitos negativos sobre a demanda e, portanto, a recuperação da economia (ok, ainda não chegamos exatamente ao português, mas espero ter deixado o argumento um pouco mais claro).

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De qualquer forma, a imagem que emergiu em março era de um BC que não parecia suficientemente assustado com o impacto da pandemia sobre a economia, optando não apenas por corte mais modesto da taxa básica, mas também se mostrando conservador quanto aos passos futuros.

Não é por outro motivo que muita gente se surpreendeu com o movimento mais agressivo na reunião da semana passada.

Note-se, inclusive, que dois dos membros do Copom preferiam que o BC usasse sua munição agora, posição que – se não convenceu a maioria do comitê – parece ter desempenhado papel importante na sinalização sobre novos cortes em junho.

A verdade é que as expectativas quanto à inflação vêm em queda. Não só as de analistas que contribuem para a pesquisa semanal do BC (o Focus), mas, crucialmente, as próprias projeções do Copom.

A mediana dos consultados aponta para inflação abaixo de 2% em 2020 (1,76% segundo o Focus mais recente, 1,97% quando o Copom tomou a decisão), contra meta de 4%, enquanto para 2021 aponta 3,25%, também inferior à meta (3,75%).

As projeções do BC são um pouco mais altas (2,3-2,4% em 2020; 3,2-3,4% em 2021), mas, em ambos os casos, abaixo da meta, inclusive em cenários que já contemplavam redução da Selic para 2,75% ao ano em junho e sua manutenção neste patamar até o início do ano que vem.

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Ressalte-se, aliás, que as projeções para 2021 embutem elevação de 40% no preço do petróleo, que pode, ou não, se materializar.

A primeira constatação, pois, é que, face a esses números, caberia mesmo ao BC promover redução mais intensa da taxa Selic.

Há, também é importante reconhecer, preocupação por parte dos analistas com a trajetória do dólar.

Em março, para balizar suas projeções, o BC partiu de R$ 4,75/US$ (a cotação média da semana anterior à reunião); em maio, pelo mesmo critério, trabalhou com o dólar a R$ 5,55, 17% mais caro.

Mesmo assim, reforço, houve queda das projeções de inflação, apesar do possível repasse para preços domésticos do impacto do dólar em produtos importáveis e exportáveis, seja porque o repasse esperado seria menor que o habitual, seja porque os demais preços, notadamente serviços, se desaceleraram ainda mais.

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Os números de curto prazo da inflação, não necessariamente os mais adequados para entender esses fenômenos (embora os únicos disponíveis), sugerem que ambos os processos podem estar em curso.

Tanto a inflação de bens comercializáveis externamente quanto a inflação de serviços se reduziram nos últimos meses, em linha com a inflação “cheia”, bem como seus “núcleos” (medidas menos sujeitas a influências pontuais e temporárias), o que certamente colabora em algum grau para a postura mais agressiva do BC.

Isso dito, há o receio que a redução da taxa de juros possa levar à valorização adicional do dólar. De fato, segundo a Ata do Copom, o próprio BC parece temer este efeito.

Aqui divirjo: apesar de indicações que, de fato, uma redução da diferença entre o juro local e o juro americano aja neste sentido, os movimentos da moeda parecem depender bem mais de outras forças.

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Como sugerido pelo gráfico acima, construído com base em um modelo simples, o principal determinante do comportamento recente da moeda parece ser o risco-país, medido pelo CDS de 5 anos (o custo do seguro contra um calote nacional), que saltou de cerca de 1% ao ano no começo de 2020 para mais de 3% ao ano em março e abril.

Além disso, houve também valorização global do dólar, conforme captada pelo índice que mede a força da moeda americana relativamente a seus congêneres (euro, iene, libra, etc.), da ordem de 6-7% desde o início do ano, com repercussões sobre o preço do dólar face ao real.

Por fim, os preços de commodities (medidos pelo índice CRB) caíram quase 13% de janeiro para abril, na esteira da recessão global. Já a diferença de juros (para o horizonte de um ano) aumentou, dado que o juro americano despencou no período.

Assim, de acordo com nosso modelo (e com todas suas imperfeições), o comportamento da moeda reagiu mais às forças não controladas pelo BC do que ao diferencial de juros.

Obviamente, a redução do diferencial pode ter algum impacto, mas, ao que tudo indica, ele seria modesto perto do resultante dos demais fatores.

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Assim, se o repasse do dólar aos preços domésticos aparenta ser menor do que no passado e se o efeito do juro interno sobre o dólar também parece ser relativamente pequeno, seu peso sobre a decisão de taxa de juros tende a ser bem menor que no passado.

Todavia, o BC não parece disposto a reduzir a Selic abaixo de 2,25%, o nível a ser atingido caso se repita em junho o mesmo corte agora verificado, aparentemente por receio que a redução além desse nível gere instabilidade financeira e cambial.

Tal postura pode gerar um problema, caso a projeção de inflação para 2021 siga em queda, visto que o norte para a política monetária sob o atual regime é a inflação, não a taxa de câmbio. Caso tente servir a dois senhores, acabará não servindo a nenhum.

A incerteza acerca do comportamento da inflação deveria ser suficiente para impedir o BC de fazer promessas que não pode cumprir.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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