Como o impacto das mudanças climáticas já afeta nosso futuro comum – e o que tem sido feito a esse respeito 

No Brasil e no exterior, os chamados eventos extremos, como enchentes e alagamentos, parecem ser o novo normal
Por  Fabio Cardoso
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O tema mudanças climáticas já não é mais preocupação exclusiva dos ambientalistas. No Brasil e no exterior, os chamados eventos extremos, como enchentes e alagamentos, parecem ser o novo normal, causando pânico na população mais fragilizada e temor junto aos governos e empresários, como no episódio do furacão Ian, que nesta última semana de setembro deixou um rastro de destruição na América do Norte.

Pensando nisso, quarto episódio da série “Brasil, 2023” aborda este tema a partir da expertise de nossas convidadas, são elas: Suzana Kahn Ribeiro, vice-diretora da Coppe/UFRJ e Tatiana Assali, diretora de programas da Natural Intelligence, Nint.

Na sua primeira intervenção, Suzana Kahn rechaça a ideia, ora corrente em determinados círculos, de que o tema “mudanças climáticas” pertence à próxima geração. De acordo com a vice-presidente da Coppe/UFRJ, trata-se de um assunto urgente já para a nossa época.

A motivação para a declaração contundente de Suzana Kahn envolve uma reflexão que tem a ver com o chamado ponto de não retorno, que, no jargão do meio ambiente, significa que um bioma deixa de ter seu funcionamento adequado.

Para a vice-diretora da Coppe/UFRJ, esse panorama já é visível, por exemplo, no maior volume de água e nível do mar por conta do derretimento das geleiras e nos padrões de chuvas que foram modificados. Mas as consequências não param por aí. De acordo com a pesquisadora, existem fenômenos não tão diretamente associados às mudanças climáticas, muito embora estejam relacionados, como o caso dos refugiados climáticos. 

“O impacto do clima se dá de maneira totalmente desigual. Não só os eventos são distribuídos de forma desigual, como também a capacidade de enfrentamento – algumas áreas são mais afetadas do que outras – como também a capacidade de enfrentamento é desigual”, avalia Suzana Kahn. 

Mais do que reforçar que o fenômeno das mudanças climáticas é uma agenda necessária e urgente para toda a sociedade (e não somente para grupos específicos), Tatiana Assali chama a atenção para o fato de empresas e investidores estarem mais atento à causa. Aqui, a diretora da Natural Intelligence destaca a agenda ESG como marco desse compromisso.

Sem dúvida alguma é possível questionar os bons sentimentos do mundo empresarial e do mercado financeiro, sobretudo quando se observa que muito do palavrório da agenda ESG assume, por vezes, um teor messiânico e marqueteiro. Diante disso, por que é que deveríamos acreditar neste compromisso agora?

Geralmente realista em relação aos fenômenos à sua volta, Tatiana Assali ressalta que, desta vez, as razões para acreditar estão marcadas no tipo de reação dos players citados acima (mercado financeiro e empresas): “Fosse há dez anos, a resposta seria muito diferente”. Ou, como podem imaginar os leitores, indiferente.

No Brasil, é da natureza de certos segmentos da academia duvidar das ações do mercado e das empresas. Será que os pesquisadores, portanto, estão desconfiados dos compromissos relativos à agenda ESG? Suzana Kahn responde que não e cita, ainda, o aporte dado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, nos idos de agosto. O pacote climático é do montante de 430 bilhões de dólares.

No entendimento de Suzana Kahn, a mensagem é evidente: “O mercado trabalha com expectativa. E se há uma expectativa relacionada à energia limpa, vão todos se movendo naquela direção”, observa.

Em outro momento do videocast, Tatiana Assali reforça a importância de retomar o sentido de algumas palavras, que, talvez pelo seu uso fora de propósito, perderam força. No caso, a diretora da Natural Intelligence fala do termo “sustentável”. Assali explica: “Nós precisamos olhar a palavra sustentabilidade com mais carinho. As empresas também querem estar aqui no futuro, também querem gerar receita, de forma sustentável. Então, nós temos de unir as duas sustentabilidades”, referindo-se, neste ponto em específico, à dinâmica financeira das empresas.

É exatamente por esse motivo que Suzana Kahn não entende por que o Brasil desperdiça as chances de aproveitar essa conjuntura que lhe é favorável. Nas palavras da vice-diretora da Coppe/UFRJ: “Nosso país seria extremamente competitivo, seja por conta da floresta, seja porque tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, podendo, inclusive, vender energia”. Na avaliação da pesquisadora, existe potencial para produzir energia baixo carbono, renovável, e com isso abre-se a janela de oportunidade de que empresas no Brasil possam produzir e empregar alinhadas a esse novo momento e à conjuntura mais atenta às questões do clima.

Como complemento, Tatiana Assali faz menção a um jogo de palavras que parece se encaixar como uma luva a esse contexto: “o custo da oportunidade perdida”. A diretora do Natural Intelligence analisa, assim, que, independentemente da motivação, o Brasil poderia usufruir desse momento e acaba deixando essa chance para trás. Neste ponto, no entanto, ela ressalta: “Nós ainda estamos em tempo de fazer a coisa dar certo. Nós estamos indo na direção correta sem os grandes apoios que precisássemos ter, mas eu gosto de ver que a sociedade como um todo vê essa agenda com bons olhos”. 

Ao final do videocast, falando a respeito das expectativas relacionadas à próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27, cujo país-sede é o Egito), Tatiana Assali observa que a primeira vez que viu a COP fazer barulho junto ao mercado de capitais foi na última edição, que aconteceu em 2021, na Escócia. “No mercado de capitais e para as empresas, é uma novidade a COP ter se tornado tão presente e, ao mesmo tempo, ter sua importância tão valorizada”. 

Tatiana Assali destaca, ainda, que, embora a expectativa para o grande evento esteja na véspera, é importante frisar que existe um trabalho árduo na construção das medidas, algo que acontece antes desse encontro. 

Suzana Kahn faz coro à impressão de Tatiana Assali, sublinhando que a COP é o último andar de uma construção que começa bem antes. A metáfora adotada vem bem a calhar em ano de Copa do Mundo. “Seria, assim, o último jogo. Você coloca os melhores, o time titular, porque é o jogo decisivo. Há toda uma pressão política, porque a imprensa está lá, mas a preparação vem ao longo do ano todo. E a decisão é tomada pelos principais encarregados de todos os países”. 

E a decisão que se espera é aquela que busque alinhavar os interesses da sociedade, com a preservação dos recursos naturais, em conformidade com as oportunidades das empresas e do mercado financeiro, que, com as melhores práticas, podem performar sem desprezar o ecossistema do qual nós dependemos. 

Mais do que em qualquer outro momento, no que se refere ao meio ambiente, o presente esteve tão em jogo como agora. 

A íntegra do quarto episódio do videocast da Rio Bravo pode ser acessado ao clicar no link a seguir

Fabio Cardoso é jornalista, escritor e produtor do Podcast Rio Bravo e curador do Videocast Rio Bravo. Mestre em comunicação contemporânea pela Anhembi Morumbi e doutor em Comunicação e América Latina pela USP. É autor do livro “Capanema” (Ed. Record, 2019).

Fabio Cardoso é jornalista, produtor do Podcast Rio Bravo e curador do Videocast Rio Bravo. Mestre em comunicação contemporânea pela Anhembi Morumbi e doutor em Comunicação e América Latina pela USP.

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