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A hora e a vez das políticas públicas

Em que pese o fato de as políticas públicas serem apresentadas pelas lideranças partidárias e pela imprensa como um ativo para a governança, a sociedade civil raramente tem oportunidade de conhecer em detalhes os elementos que determinam a sua formulação
Por  Fabio Cardoso -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

As políticas públicas podem ser definidas como iniciativas e programas elaborados com o intuito de garantir e colocar em prática direitos estabelecidos pela Constituição Federal e em outras leis. Dito de outro modo, são ações que têm como alvo o benefício da sociedade, e isso a partir de um trabalho conjunto dos três poderes que formam o Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em que pese o fato de as políticas públicas serem apresentadas pelas lideranças partidárias e pela imprensa como um ativo para a governança, a sociedade civil raramente tem oportunidade de conhecer em detalhes os elementos que determinam a sua formulação.

No último episódio da temporada “Brasil, 2023” do Videocast Rio Bravo, buscamos entender as características elementares da criação e da implementação das políticas públicas e quais os pontos em disputa na hora e vez que essas agendas são implementadas.

Para tratar deste tema, convidamos especialistas com perfis distintos. Mestra e doutora pela Fundação Getúlio Vargas e professora da graduação e pós-graduação em Administração Pública pela mesma instituição, Cibele Franzese fala não apenas a partir da experiência acadêmica. Antes, discute com a propriedade de quem já “arriscou a própria pele” na linha de frente da gestão pública: ela foi Secretária Adjunta de Gestão Pública e de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Governo do Estado de São Paulo.

Participa, também, Mano Ferreira, cofundador e diretor do movimento Livres! Ferreira é um dos responsáveis pela redação final do “Caderno de Políticas Públicas 2022” do Livres!, documento que contou com a participação do conselho acadêmico, uma verdadeira constelação de intelectuais e formuladores do país, tais como: Samuel Pessoa, Pérsio Arida, Ricardo Paes de Barros, Cecília Machado, entre outros.

A despeito desse name-dropping ou mesmo da posição que ocupam, o que mais chama a atenção no painel que contou com a participação de Franzese e Ferreira é a atenção para com as oportunidades e os impactos das políticas públicas.

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Vocação

 “A ideia da administração pública é gerar impacto social e olhar para o Estado como um agente que pode trabalhar em larga escala”, comenta Cibele Franzese ao destacar os fatores que a levaram a trabalhar no setor público, apontando a vocação como um dos pontos decisivos para a sua escolha profissional.

Ainda nessa primeira intervenção, a professora da FGV comenta o impacto da sua atuação no governo como referência para a sua presença em sala de aula. “Os exemplos que você pode dar em classe são reais, porque a administração pública é uma ciência aplicada. E é isso que é mais legal para os alunos em sala de aula: trabalhar com professores que já estiveram na prática”.

A pesquisadora entende que é o seu papel continuar alimentando o sonho dos jovens do país através da política. “O país merece sempre ter pessoas melhores com a mão na massa”.

Mano Ferreira também fala em sonhos ao citar um dos princípios do Livres! “Nós sonhamos viver em um país onde o lugar de cada pessoa na sociedade seja resultado das próprias escolhas individuais, e não das imposições sociais ou das condições de nascimento”.

Ferreira sabe, no entanto, que essa é uma realidade distante do país e ressalta: “O que queremos como vida comum é ter um espaço compartilhado em que nós possamos realizar as aspirações de cada um, no qual as pessoas possam desenvolver o seu potencial ao máximo e, para isso, precisamos de políticas públicas que funcionem de fato”.

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Prioridades e paradoxos do Brasil

Quando questionada acerca do tema que precisa ser tratado com mais urgência em termos de políticas públicas, Cibele Franzese chama a atenção para a insegurança alimentar. Nas palavras da pesquisadora: “Se nós olharmos para os problemas da população, nós vamos encontrar o caminho para a construção de políticas públicas. Então, resolver o problema da pobreza e da insegurança alimentar é um caminho inequívoco. As políticas públicas têm de olhar para isso”.

Por sua vez, ao comentar o papel necessário do Estado em segmentos e situações de extrema fragilidade, Mano Ferreira recorre às ideias de uma das principais referências do liberalismo brasileiro.  “Segundo José Guilherme Merquior, nós vivemos um paradoxo, porque conseguimos ter Estado demais e Estado de menos. No primeiro caso, quando a presença excessiva do Estado acaba atrapalhando o funcionamento da economia, como os subsídios que nós temos, muitas vezes não testados, com resultado prático socialmente questionável. No segundo caso, temos pouca efetividade na entrega de um serviço público essencial, como saúde e educação”.

Afora isso, e concordando aqui com a tese da professora Cibele Franzese (a propósito do estabelecimento de prioridades), Ferreira atenta para um dos gargalos desse debate, conforme ele revela no trecho a seguir. “Há muitos anos, nós temos uma dificuldade de fazer com que o conjunto de políticas públicas caiba no orçamento, o que coloca na mesa o conflito distributivo existente no Brasil. Todos os grupos sentem que sua demanda é prioritária, desejando ser atendido pelo Estado, mas é preciso um acordo político para arbitrar quais são as prioridades concretas da sociedade.”

O cidadão no centro das políticas públicas

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 Em outro momento do painel, Mano Ferreira critica uma conjuntura marcada pela diferença de tratamento. Nessa dinâmica, grupos de pressão, que têm representatividade no Congresso, têm mais força para ver suas demandas atendidas num movimento que deixa a sociedade em geral à margem.

O diretor do Livres! explica na passagem a seguir: “Os interesses concentrados, daqueles que têm ganho imediato por conta de uma política pública, estão muito representados enquanto os interesses difusos, das pessoas beneficiárias de políticas republicanas, acabam por ficar de fora”.

O cenário só piora, analisa Mano Ferreira, uma vez que determinados segmentos do funcionalismo público rejeitam a avaliação de seu desempenho, “daquilo que entregam para o cidadão”. Torna-se necessário uma mudança de mentalidade, diz o convidado do Videocast Rio Bravo. Dito de outra maneira, o cidadão que é pagador de impostos deve ser o alvo prioritário das políticas públicas, e não somente um grupo de interesse específico ou mesmo os servidores públicos.

Aqui, é possível estabelecer, também, uma conexão com o voto e com o sistema eleitoral, pois, para Cibele Franzese, os interesses corporativos estão claramente representados e as pessoas que optaram por essa agenda sabem muito bem em quem votaram, mas ela entende que aqueles eleitores que não estão representados pelos grupos de interesse ainda têm dificuldade para compreender o sistema político-eleitoral. “Aqueles que não estão representados têm muita dificuldade em entender o sistema proporcional do legislativo”, avalia a professora da FGV.

É preciso sair do mapa da fome

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Ao final do episódio, Cibele Franzese destaca que o principal desafio em termos de políticas públicas para o ano de 2023 é sair do mapa da fome. “Quem anda pelas ruas de São Paulo, por exemplo, vê que a situação é muito calamitosa”. A professora da FGV alerta, também, para o desmatamento. “É necessário que a fiscalização volte ao normal na Amazônia”. A conexão entre esses dois temas, aparentemente distantes, tem a ver com o papel do Estado: “É diretamente federal”.

Em sua última intervenção, Mano Ferreira assinala que existem boas propostas disponíveis nas duas áreas destacadas por Cibele Franzese. Assim, em relação ao desmatamento: “Tem uma agenda de reconstrução dos órgãos ambientais, que o Brasil já sabe o caminho, bem como tem a trilha para o avanço na regulamentação de mercado de carbono e integração do Brasil junto às práticas internacionais, com potencial para atração de investimentos”.

Em relação à insegurança alimentar, o diretor do Livres! defende a unificação dos programas sociais, retomando a experiência do Bolsa Família. “O Bolsa Família foi a consolidação de outros programas pré-existentes. Nós temos a aprender com esse exemplo, atualizando para o tempo de hoje, promovendo, assim, a unificação de outros programas sociais, com o aumento da focalização e da eficiência. Isso tem um potencial emancipatório muito grande”, conclui Ferreira.

O último episódio da série “Brasil, 2023” do Videocast Rio Bravo, que discute o potencial e o impacto das políticas públicas, já está disponível e pode ser acessado a partir do link a seguir:

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Fabio Cardoso é jornalista, produtor do Podcast Rio Bravo e curador do Videocast Rio Bravo. Mestre em comunicação contemporânea pela Anhembi Morumbi e doutor em Comunicação e América Latina pela USP.

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