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A disparada das ações ligadas à inteligência artificial reacendeu, em 2025, o debate sobre uma possível bolha no mercado americano.
Apesar da performance fraca do dólar no ano e das discussões sobre perda de hegemonia da moeda, os investidores não abandonaram a Bolsa dos EUA — muito pelo contrário. O apetite global pelo setor de tecnologia manteve os fluxos elevados e sustentou a valorização concentrada em poucos nomes.
Essa concentração, somada a revisões agressivas de lucro e múltiplos historicamente elevados, reacendeu as comparações com a bolha da internet nos anos 2000.
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Mas especialistas ponderam: há semelhanças na narrativa, porém diferenças profundas na estrutura das empresas que puxam o movimento atual. Base lucrativa, caixa robusto e modelos de monetização consolidados afastam — ao menos por enquanto — a leitura de que o mercado caminha para um estouro iminente.
Ainda assim, a volatilidade ganhou força desde outubro, pressionada pelo desconforto crescente entre expectativa e realidade. O ciclo de investimentos trilionários em IA começou a exigir resultados mais claros, e parte dos ativos passou por correções fortes no fim do ano.
O investidor global agora, neste contexto, tenta entender onde termina a euforia e onde começa o fundamento.
É nesse cenário que o Expresso Outliers, apresentado por Clara Sodré, analista de fundos da XP, reuniu três especialistas para avaliar se há ou não uma bolha em formação no mercado de IA e como o investidor deve navegar esse ambiente.
- Veja mais: Wall Street deixou para trás o medo da bolha da IA. Por enquanto.
- E também: Inteligência Artificial Autônoma: quando algoritmos começam a tomar decisões de negócios sozinhos
Quando uma bolha nasce: o que diz a história
Durante o programa, Clara revisou os elementos clássicos que moldam uma bolha financeira: origem, expansão, sintomas e o eventual estouro.
“Uma bolha acontece quando o preço de um ativo se afasta de forma persistente dos seus fundamentos”, explicou. Narrativas fortes, excesso de liquidez e um catalisador tecnológico costumam moldar o ambiente perfeito.
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O caso mais emblemático segue sendo a bolha.com, impulsionada pela euforia com a chegada da internet.
Entre 1994 e 2000, empresas como Microsoft, Intel e Cisco multiplicaram seus valores de mercado em escalas que transformaram uma geração de investidores. Mas o movimento terminou com uma queda superior a 75% no índice Nasdaq entre 2000 e 2002.
“Euforia toma conta”, descreveu Sodré. “Valuation desconectado, fluxo ignorando fundamentos e qualquer ativo ligado ao tema subindo, independentemente da solidez estrutural.” Foi apenas em 2015 que o Nasdaq recuperou o nível pré-estouro.
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No caso atual, embora exista ruído semelhante — especialmente no setor de tecnologia —, os fundamentos diferem. As empresas líderes em IA possuem margens elevadas, crescimento de receita claro e posição dominante em seus segmentos.
IA impulsiona Bolsa dos EUA, mas sem repetir 1999, diz XP
Para Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, é justamente essa base robusta que evita a caracterização de uma bolha clássica.
“Em 2025, vimos investidores questionarem a hegemonia do dólar, mas isso não significou que a Bolsa americana foi preterida”, afirmou.
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“A resposta está na onda de AI e tecnologia, onde os investidores claramente optaram por não ficar de fora desse movimento que vemos como estrutural.”
Ferreira destacou que os múltiplos elevados do S&P 500 — perto de 22 vezes lucro — estão acima da média histórica, mas muito distantes do exagero observado em 1999.
Segundo ele, o crescimento esperado de 14% nos lucros das empresas de tecnologia para 2026 reforça a sustentação do ciclo atual.
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“Quando olhamos para o S&P, para o Nasdaq e para as big techs, não vemos sinais de bolha no mercado atual”, disse o estrategista.
O estudo mais recente da XP motivou a casa a elevar a recomendação para ações americanas para neutra, no relatório Onde Investir 2026.
A visão, no entanto, não ignora excessos. Ferreira reconhece sinais de distorção em empresas sem receita ou em nichos como computação quântica, mas ressalta que essas distorções não representam o mercado como um todo.

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Como separar ruído de fundamento, segundo a BlackRock
Cristiano Castro, diretor de desenvolvimento de negócios da BlackRock Brasil, reforça que a leitura sobre bolha exige disciplina analítica.
“Ruído vem de notícias sensacionalistas, rumores ou mudanças rápidas de algoritmos do mercado”, afirmou.
Para ele, a chave é manter foco em dados concretos: crescimento de resultados, geração de caixa, dividendos e mudanças estruturais — sejam elas tecnológicas ou demográficas.
Na maior gestora do mundo, o processo parte de uma análise bottom-up e da ancoragem em expectativas de longo prazo. “A gente lidera com evidência”, disse Castro. “A gente só troca alguma coisa estrutural se tiver evidência.”
No atual cenário, o time da BlackRock avalia individualmente cada ação que está puxando a alta da Bolsa americana para entender se o valuation é condizente. É uma forma de evitar que a narrativa sobre IA se transforme em um gatilho de decisões precipitadas.
Castro destaca que, apesar da concentração extrema, várias das empresas líderes apresentam fundamentos sólidos — o que reduz o risco de uma ruptura abrupta como a da bolha.com.
Diversificação segue sendo o antídoto, afirma ACT
Do ponto de vista de alocação, Ian Sena, sócio da ACT Investimentos, destaca que o momento atual não se compara ao ano 2000. “As empresas hoje são muito mais robustas, lucrativas, com muito mais caixa”, afirmou.
Ele lembra ainda que muitas das empresas de IA mais arriscadas sequer estão listadas em Bolsa — um contraste importante em relação ao ciclo de 25 anos atrás.
Por isso, Sena reforça a necessidade de equilíbrio. “É prudente uma diversificação, uma proteção via diversificação”, disse.
Ele cita setores tradicionais, imóveis, commodities, criptoativos e ações de outros países como caminhos para reduzir concentração e suavizar volatilidade.
REITs — equivalentes americanos aos fundos imobiliários — também entram no radar, já que ficaram para trás em termos de valorização e tendem a se beneficiar de cortes de juros esperados para o curto prazo.
Sena recomenda ainda que investidores mantenham parcela de caixa disponível, especialmente após a série de máximas históricas atingidas pelos mercados globais.
“É plausível crer que em algum momento uma notícia possa provocar correções”, disse.