PicTV, NASCAR e o novo teste do streaming esportivo no Brasil

Com acordo até 2027, PicPay cria plataforma própria para transmitir corridas da NASCAR e expõe dilemas sobre distribuição, audiência e o futuro da modalidade no país

Eduardo Mendes

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Lançada há cerca de um mês, a PicTV reúne seis canais e 92 vídeos publicados até a metade da semana passada, em um formato que lembra o YouTube. Na barra lateral, as categorias NASCAR Cup, NASCAR Xfinity e NASCAR Truck ganham destaque.

Grande Prêmio, Motorsport Brasil e Mundo da Velocidade são os principais parceiros, integrados ao acordo entre PicPay e NASCAR para a transmissão online das corridas até o fim de 2027.

O contrato marca o retorno das etapas americanas às telas brasileiras desde 2024. A PicTV exibirá as 35 corridas restantes das três divisões. O Grande Prêmio, por exemplo, garantiu as 14 provas finais da Cup Series, começando pelo oval curto de Iowa, disputado no último dia 3.

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A entrada do banco digital foi divulgada como ação de marketing no automobilismo, mas pouco se falou sobre a criação da plataforma em si. Uma marca brasileira do setor financeiro decidiu erguer um serviço próprio de streaming para transmitir uma das propriedades esportivas mais valiosas do mundo, e, de quebra, agregar mídia de nicho para ampliar o alcance.

Enquanto o PicPay tenta reviver o modelo de esporte gratuito, oferecendo as corridas via PicTV sem custo direto ao público, a NASCAR global já se encontra em um ecossistema fragmentado, em linha com as principais ligas e eventos de elite.

O novo contrato, vigente a partir deste ano, rende US$ 1,1 bilhão anuais em direitos distribuídos entre transmissão aberta (Fox, NBC), TV a cabo (TNT Sports) e streaming (Amazon). É a fórmula padrão da indústria: múltiplas fontes de receita, porém um produto disperso em diversas plataformas.

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Como lembrou o Puck News no fim de maio, ainda paira a dúvida se o público aceitará migrar entre telas, se a multiplicidade de formatos e canais não prejudica a fidelização, ou se isso sequer importa diante da decadência da TV linear.

Primeiro teste no Prime Video

A estreia da NASCAR no Amazon Prime Video, em maio, serviu como termômetro para medir o apetite do público. Segundo o Puck News, a Coke 600 registrou média de 2,72 milhões de espectadores por minuto, abaixo dos 3,1 milhões da Fox em 2024 e distante dos 3,9 milhões de 2022.

A Amazon destacou que sua audiência foi seis anos mais jovem (56 anos contra 62 na TV aberta), mas, como ironizou Mike Mulvihill, da Fox Sports, “é fácil parecer mais jovem quando você perde cinco espectadores mais velhos para cada um mais novo que ganha”.

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John Herbst, da NASCAR, classificou os números como “encorajadores” por representarem um pedido explícito de mudança de hábito ao fã. A base jovem do Prime foi outro ponto positivo: as faixas de 18 a 54 anos tiveram os maiores índices fora da TV aberta desde 2022.

O jornalista Brian Thornsburg viu sinais mais otimistas: o pico de 2,92 milhões e a média de 2,62 milhões superaram provas recentes transmitidas pela Fox Sports na TV a cabo. Para ele, corridas intermediárias poderiam migrar para o streaming, reduzindo dependência da TV paga.

A exigência seria centralizar todo o conteúdo em um só lugar, hoje espalhado entre Fox, NBC, USA Network, Prime e TNT, o que encarece a vida do fã americano.

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O caso ecoa o que aconteceu na NFL: os jogos de Natal transmitidos pela Netflix em 2024 atraíram 24,3 milhões de espectadores para Ravens × Texans, mas ainda assim houve queda de mais de 20% em relação ao ano anterior.

Entre executivos de TV, a estimativa é que grandes eventos percam cerca de 20% da audiência ao migrar para o streaming. A questão é o que acontece com eventos menos icônicos, como uma corrida da NASCAR em pleno maio.

O dilema da fragmentação

Thornsburg defende que os números apontam para um caminho inevitável: a NASCAR deve abraçar o streaming como canal principal. Sua proposta: concentrar a temporada regular em plataformas digitais, deixando as etapas de abertura e encerramento com Fox e NBC.

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Na visão do jornalista, o fluxo seria mais lógico: fãs casuais acompanhariam só o início e o fim; os dedicados, toda a temporada via streaming, incluindo circuitos menos populares como Pocono e Richmond. A flexibilidade permitiria assinar apenas durante os meses de corrida e cancelar fora deles, resolvendo parte do atual problema:

“Exigir que fãs assinem TV a cabo (US$ 230/mês) + Sling (US$ 45) + Prime Video só para acompanhar uma temporada é absurdo”, diz.

O modelo ideal seria um hub único, como fez a WWE ao vender o Monday Night Raw para a Netflix por US$ 5,5 bilhões em 10 anos.

A Amazon, com direitos do Thursday Night Football (US$ 1 bilhão/ano por 11 anos), poderia ser essa casa para a Cup Series. Para Thornsburg, a transição exigiria:

Disputa por narrativa e raízes

No fim de julho, a NASCAR abriu concorrência para nova agência criativa, segundo a Ad Age. Tim Clark, diretor de marca, admitiu que esforços para atrair fãs jovens podem ter afastado parte da base histórica.

Agora, o objetivo é “abraçar mais plenamente o público-alvo” e, ao mesmo tempo, engajar novos fãs com autenticidade. O reposicionamento coincide com a alta do sentimento nacionalista nos EUA, embora Clark negue relação direta com política.

Há 11 agências “na corrida” pelo contrato, e o primeiro trabalho deve estrear nas 500 Milhas de Daytona em fevereiro de 2026. Clark resume: é hora de “plantar uma bandeira e realmente significar quem somos como marca”.

Olho no Brasil

O interesse em internacionalizar não é discurso vazio. O comissário Steve Phelps esteve na etapa da NASCAR Brasil em Interlagos e disse ao Motorsport.com que gostaria de trazer a Cup Series ao país.

“Gostaria que isso acontecesse [no Brasil]… ficaria muito animado”, disse Phelps.

A PicTV, nesse cenário, funciona como ponte improvisada:

Tudo em um só lugar

Como observou o Entertainment Strategy Guy no início deste ano, a tensão que move o streaming esportivo é a mesma de toda a TV: fãs querem a experiência em uma só plataforma, e as empresas almejam ser donas desse lugar. A lógica do pacote de TV a cabo se repete.

A estreia da NASCAR no Prime mostra que o streaming começa a se aproximar do alcance da TV linear em eventos de primeira linha. Jo Redfern, analisando os movimentos recentes da ITV e BBC rumo ao YouTube, lembra: jovens não assistem à TV aberta, mas buscam experiências na tela grande.

O YouTube atua como ponte, e estratégias transmídia se tornam obrigatórias. No Brasil, a PicTV incorpora essa lógica ao centralizar NASCAR e parceiros de nicho em um só ambiente, criando, pela primeira vez, uma plataforma exclusiva para o público local.

O caso revela algo que vai além do automobilismo: a transição para o streaming não garante a mesma receita do passado, porém pode abrir novas portas para públicos antes inalcançáveis, desde que se saiba exatamente para quem se está correndo.

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Eduardo Mendes

Eduardo Mendes é estrategista em conteúdo e novos modelos de negócio para esportes, mídia e economia criativa. Com quase uma década no jornalismo esportivo, hoje atua com inteligência estratégica e inovação. É cocriador das newsletters The Block Point e Creative Moves, e esteve à frente de projetos como o ecossistema digital do Atlético-MG e os primeiros colecionáveis digitais da T4F.