BC deverá equiparar vendedor individual de criptos a exchange – e pessoa física corre para se adequar

Conhecidos como vendedores P2P, esses usuários negociam ativos digitais diretamente com as pessoas, sem intermediários

Lucas Gabriel Marins

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O mercado de criptoativos brasileiro aguarda com ansiedade a divulgação das regras que serão impostas a quem trabalha no ramo. O Banco Central afirmou que a primeira minuta da regulação só será divulgada no primeiro semestre de 2024, mas já adiantou uma informação importante: de grandes exchanges ao indivíduo que trabalha com compra e venda de ativos digitais, todos deverão solicitar licença para operar.

A mudança é vista com preocupação pelos brasileiros que fazem a vida do comércio individual de criptomoedas, e temem perder espaço se não se adequarem às regulações do BC para o setor.

Alguns estão dispostos a “andar na linha”, como o comerciante de criptomoedas Diego Paes, da Bahia. Ele disse para a reportagem que, apesar de o marco legal das criptomoedas (Lei nº 14.478) ter suas falhas, é preciso atuar dentro das regras do jogo para ainda permanecer relevante no cenário cripto.

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“Se não for dessa forma, apenas os grandes players no Brasil terão condições de realizar essa adaptação e perderemos mais nosso espaço no mercado”, falou o profissional, salientando que essa é apenas a sua visão, e não de todo o mercado de vendedores P2P, ou peer-to-peer, como são chamados.

Por outro lado, diz Paes, essa pode não ser a realidade de muitos: assim como no mercado tradicional, afirma que alguns podem continuar a atuar por conta própria, ou seja, à margem da lei. “Esses consideram o Estado como inimigo número um das criptomoedas, sendo uma entidade que vai contra os fundamentos da indústria, baseados na liberdade financeira”.

Cerco se fecha

O marco legal das criptomoedas foi sancionado no final de 2022 e entrou em vigor em junho deste ano, mas ainda carece de regulação. O Banco Central já divulgou que deve abrir consulta pública neste ano e publicar as regras para a indústria até o final do primeiro semestre de 2024. A legislação, no entanto, em nenhum momento menciona os usuários que vivem da compra e venda de ativos, chamados de P2P.

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Por “natureza”, esses usuários são pessoas físicas que transacionam criptomoedas diretamente com terceiros, sem depender de intermediários, como exchanges ou outras instituições. Portanto, estariam fora do marco legal, que em seu artigo 5º diz que são considerados prestadores de serviços de cripto apenas as pessoas jurídicas que executam, em nome de terceiros, serviços de ativos digitais.

“Nesse sentido, a princípio, os P2P (pessoa física) que operam no mercado de criptoativos não estariam sujeitos ao âmbito de regulamentação, até mesmo porque a Lei não afirma que tais atividades são privativas de prestadoras de serviços de ativos virtuais”, disse o advogado Artêmio Picanço, especialista em blockchain e compliance voltado a ativos digitais.

O tema, no entanto, entrará na regulação infralegal. Em evento promovido pelo BC nesta semana, o consultor no Departamento de Regulação do Sistema Financeiro da autarquia, Marcos Guimarães, afirmou que as regras serão aplicadas segundo a linha de corte de oferta a terceiros: pessoas físicas que compram e vendem seus próprios ativos e usam uma carteira física privada não precisarão de aval regulatório, mas quem intermedia transação para outras pessoas, terá tratamento equivalente ao de exchange.

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Para se adiantar à exigência, muitos vendedores de criptos, como Paes, abriram seus próprios CNPs para seguir o fluxo regulatório. Nikolas Paolo, outro brasileiro que compra e vende criptos, conta que só foi “P2P raiz” (pessoa física) entre 2016 e 2017. Desde 2018, ele opera como pessoa jurídica. E há três meses abriu sua própria corretora cripto.

“Sempre procuro me adequar, e agora não será diferente. Vejo isso como uma evolução no mercado, mas hoje muitos P2Ps operam propositalmente à margem das boas práticas e recomendações do mercado, aumentando excessivamente a exposição ao risco. Quando algum problema acontece, todo mundo será culpabilizado”, disse.

O Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional), uma força-tarefa intergovernamental criada para combater a lavagem de dinheiro, classifica as negociações P2P como de alto risco, pois não são supervisionadas por órgãos de fiscalização. Apesar da preocupação, apenas 0,6% das transações peer-to-peer com cripto registradas em 2020 estavam relacionadas a alguma entidade ilícita, segundo pesquisa publicada em 2021 pela empresa de segurança Elliptic.

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Obrigações adicionais

O advogado Jorge Barros, especializado em blockchain e ativos digitais, disse que apesar de o margo legal não citar os P2P (comerciantes pessoa física), pode ser que o decreto regulamentar do Banco Central traga obrigações adicionais para quem realiza as atividades, sobretudo pelo fato de essas transações poderem servir para lavar dinheiro ou sonegar tributos.

“Não se deve também afastar a hipótese de o decreto trazer certas limitações à realização de operações de troca entre ativos digitais ou entre ativos digitais e moedas fiduciárias, quando estas forem realizadas via P2P (pessoas físicas)”, falou.

De acordo com Barros, esse entendimento segue o racional utilizado em operações de câmbio que, a princípio, “somente podem ser realizadas por entidades autorizadas pelo Bacen para funcionar no mercado de câmbio, podendo, no entanto, ser efetuadas por pessoas físicas, seguindo alguns limites legais”.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney