Com Haddad ministro da Fazenda visto como “precificado”, o que o mercado está olhando agora?

Mesmo com Bolsa em alta após o anúncio, a visão dos analistas não é muito positiva para o nome; PEC da Transição e equipe do ministério serão monitoradas

Lara Rizério Vitor Azevedo

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Como já esperado amplamente esperado pelo mercado, Fernando Haddad foi anunciado como ministro da Fazenda do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta-feira (9).

O nome de Haddad para ministro não é bem visto pelos agentes de mercado. Contudo, como a nomeação do ex-prefeito de São Paulo já era dada como certa nas últimas semanas, o mercado financeiro acabou não reagindo tão fortemente logo após o anúncio.

Às 11h20 (horário de Brasília), pouco depois do anúncio, o Ibovespa subia 0,32%, a 107.592 pontos, em linha com o andamento do índice no início do pregão; meia hora depois, o índice inclusive ganhou força, subindo 0,87%, a 108.179 pontos. Vale ressaltar que o anúncio foi feito às vésperas do jogo das quartas de final entre Brasil e Croácia na Copa (em que o Brasil acabou eliminado), impactando o volume negociado.

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Porém, também cabe lembrar que  na véspera o Ibovespa fechou no menor patamar em quatro meses, também repercutindo o impacto da PEC da Transição nas contas públicas e para a trajetória da Selic. “O mercado tem reagido negativamente nas últimas semanas, tentando precificar Haddad como o nome que ocupará a pasta. O movimento vem em linha com a ideia de que o mercado tende a preferir para o cargo pessoas mais alinhadas ao liberalismo econômico, menor influência do estado, e pessoas com perfil mais técnico e não perfil político com foco em assistencialismo”, avalia Sidney Lima, analista da Top Gain.

Na mesma linha, Bruno Monsanto, sócio e assessor de investimentos na RJ Investimentos, aponta que “o mercado já dormiu” ontem digerindo Haddad na economia. Assim, sua nomeação, isoladamente, não trouxe um grande choque nos mercados de câmbio e ações. “Já os juros longos, que captam melhor a percepção dos riscos fiscais, embutiu prêmio de risco já na quinta-feira. A ponta curta se ajustou levemente à Selic estável”, avalia.

Como a pasta da Economia deverá ser fatiada em três ministérios, devendo voltar a ser dividida entre Fazenda, Planejamento e Gestão; Indústria e Comércio, o anúncio do “combo” com o nome dos outros ministros pode mexer mais com o humor do mercado, para o bem ou para o mal, avalia o especialista.

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“Como variáveis para dar a tônica do mercado no curto prazo, ainda tivemos hoje um dado positivo sobre a inflação por aqui: O IPCA de novembro apresentou alta de 0,41%, pouco abaixo do esperado, trazendo algum alívio. Já nos EUA, o índice de preços ao produtor (PPI) veio um pouco acima da expectativa: 0,3%, ante a alta esperada de 0,2%, pressionando levemente o Dólar Index.

Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos. também aponta que os investidores devem ficar de olho em qual será a equipe de Haddad (que ocupará as secretarias). Além disse, o mercado se atenta à PEC da Transição, que está agora nas mãos da Câmara: “Se ela não for desidratada, vai ser uma péssima sinalização para o fiscal”, avalia.

Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, também apontou que a indicação de Haddad da Fazenda já está precificada e que foi mal recebida pelo mercado nas últimas semanas. “Ele é do núcleo duro do PT, o que centraliza as tomadas de decisões do Governo. Se fosse alguém fora do núcleo, poderíamos ter uma diluição do poder. Além disso, ele não é um nome técnico. Não será, provavelmente, um ministro técnico, o que também joga contra”, aponta.

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Monsanto avalia que Haddad entra mais como articulador político do que como técnico formulador no campo econômico. “Não por falta de capacidade intelectual. Com um vasto currículo acadêmico, Haddad é mestre em economia pela USP – com dissertação sob o título ‘O Debate sobre o Caráter Sócioeconômico do Sistema Soviético’. Mas o quadrado delimitado para atuação do futuro ministro o coloca como facilitador para implementação de uma pauta macro já desenhada”, avalia.

Também para Beyruti, na Guide, o que pode fazer preço, tanto de um lado quanto para o outro, será a equipe de técnicos que o acompanhará. “Lula disse que a Fazenda seria igual ao seu primeiro governo, quando tínhamos o Palocci com uma equipe de técnicos. Essa equipe ainda será divulgada, e isso sim pode fazer preço. Agradando ou desagradando o mercado. Aguardemos, também, falas do Haddad”, aponta. Cabe destacar que, pouco antes do anúncio oficial, Haddad falou a repórteres que já iniciaria a formação de sua equipe, mas que não anunciaria nomes hoje.

Gustavo Cruz, estrategista da RB investimentos, apontou não ver com bons olhos a nomeação, citando algumas críticas feitas anteriormente de Haddad ao mercado financeiro. “Não consigo traçar um cenário muito positivo, mas, é claro, temos que manter o benefício da dúvida. Pode ser que ele seja uma surpresa positiva. Pode trazer uma reforma tributária boa ou trazer uma regra fiscal crível”, avalia.

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Há quem não esteja tão pessimista com o anúncio. Ontem, antes da confirmação do nome, Christopher Garman, diretor para as Américas da Eurasia Group, afirmou em evento do Itaú crer “que Haddad vá tentar encontrar um equilíbrio e um olhar para a sustentabilidade da dívida”.  Garman também disse acreditar que o ex-prefeito de São Paulo vai trazer para o ministério nomes com aprovação no mercado.

Além disso, o diretor da Eurasia apontou que as despesas previstas pela PEC da Transição para 2023 devem ficar abaixo dos R$ 168 bilhões aprovados no Senado (R$ 145 bilhões mais R$ 23 bilhões de excesso de arrecadação), algo que foi sinalizado em conversas com membros da equipe de transição em Brasília. “O que eu escuto dentro da equipe da transição é que a expectativa é gastar de R$ 120 bilhões a R$ 130 bilhões no ano que vem. Uma coisa é pedir espaço para gastar, outra é o gasto concreto”, apontou.

Ele avalia que esse “não será um governo que vai jogar a responsabilidade fiscal no lixo”, embora o PT adote uma política que leve o Banco Central a não reduzir juros e, com isso, não haja um ambiente para um crescimento econômico mais robusto, dada a incerteza fiscal. Se o crescimento econômico esperado pelo partido não se materializar, aponta Garman, não se pode descartar uma perda de popularidade e de apoio no Legislativo. Isso levaria a uma lua de mel curta para o novo governo, destacou.

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No curto prazo, as incertezas devem seguir nos mercados. “Agora, os agentes aguardarão a composição da equipe técnica de Haddad e quem virá de dobradinha, no Planejamento. A depender dos desdobramentos, considerando ainda a PEC da transição, a ressaca pode ser ruim”, avalia Antonio van Moorsel, estrategista-chefe da Acqua Vero.

Primeiras sinalizações do futuro ministro

O futuro ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, disse hoje que quem teme que ele promova uma agenda fiscal irresponsável precisa olhar para a sua história, e lembrou que foi o primeiro prefeito a conseguir a nota de grau de investimento, quando estava à frente da prefeitura de São Paulo.

“Para quem teme um ministro gastador, olha o investment grade da prefeitura de São Paulo”, disse Haddad a jornalistas após ter seu nome confirmado para o ministério. “Se você não olhar para a trajetória da pessoa, você vai cair em fake news. Para que mais fake news?”

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Haddad garantiu que o novo arcabouço fiscal do país, que substituirá a regra atual do teto de gastos, será definido no ano que vem. Outras prioridades para 2023 serão a reforma tributária e a retomada de acordos internacionais, sobretudo com a União Europeia. O futuro ministro afirmou, ainda, já ter sondado “muita gente” para compor sua equipe, sem ter feito ainda convites formais, e que o objetivo é montar um grupo plural e que trabalhe de forma coesa com o Ministério do Planejamento.

Lula também disse que o ministro do Planejamento do seu governo precisará ser alguém “afinado” com o Ministério da Fazenda.

Em meio à torcida do mercado para que o nome do Planejamento possa ser mais técnico, para contrabalançar escolha por Haddad na Fazenda, visto com mais desconfiança pelos investidores, Lula foi evasivo ao ser questionado sobre o assunto em breve entrevista à imprensa após anunciar os primeiros cinco nomes de seu gabinete. “O perfil do Ministério do Planejamento será um perfil de um cara que esteja apto para cuidar do ministério do Planejamento, do Orçamento e que seja um ministro bastante afinado com o Ministério da Fazenda”, ressaltou.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.