Fluxo estrangeiro para o Brasil já aconteceu e agora deve migrar para a China, diz estrategista do JP Morgan Asset

Para Gabriela Santos, preços descontados atraem atenções ao país asiático, desde que investidores enxerguem futuro da Covid e silêncio sobre regulações

Bruna Furlani

Gabriela Santos, estrategista para mercados globais do J.P. Morgan Asset Management.

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Nas constantes conversas que trava com investidores estrangeiros, Gabriela Santos, estrategista de mercados globais para o J.P. Morgan Asset Management, baseada em Nova York, notou uma mudança recente.

Apesar de a piora nos dados chineses divulgados nesta segunda-feira (9), que derrubaram o mercado, Gabriela acredita que depois de ver um fluxo de capital estrangeiro expressivo para o Brasil no começo do ano, o próximo destino deve ser, mais uma vez, a China.

“Isso exatamente porque os mercados já foram muito mal e agora os valuations [preços] da China estão muito descontados e muito do risco já está no preço. O investidor está agora pensando exatamente em quando voltar para a China e aumentar a alocação”, disse Gabriela, em entrevista ao InfoMoney.

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Ela observa, no entanto, que será que preciso que haja três elementos para que essa retomada ocorra com maior força: pico sustentável de casos da Covid-19; maior estímulo em termos de crédito e infraestrutura; e silêncio sobre novas regulações.

Ao falar sobre esse fluxo, a estrategista diz que estará de olho no que ela chama de “nova nova China”, o que envolve empresas ligadas à tecnologia de negócios, como software, semicondutores, inteligência artificial, além de consumo e temas mais ligados à descarbonização.

Confira a entrevista a seguir:

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Em meio aos bloqueios que vemos no país, a China continua sendo a principal aposta da asset do JP? Ou isso mudou? 

A nossa visão da China e dos mercados chineses sempre foi uma visão de longo prazo. E eu acho que é super importante pensarmos na China desta maneira, e não como um investimento de curto prazo. Nesse horizonte de tempo, não mudou a nossa convicção de que os mercados chineses oferecem oportunidades de retorno e de diversificação no médio e longo prazos. O mercado acionário chinês, por exemplo, tem o dobro da volatilidade do mercado de ações americano.

Estamos passando por uma grande volatilidade nos últimos 15 meses, uma correção particularmente forte na China, de cerca de 50%. Na China, mais do que ciclo econômico, essas correções são relacionadas a ciclos de reforma, regulações. Quando os investidores ganham confiança, os mercados acabam se recuperando, de forma rápida e forte.

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O que está interessante na China em termos de setores? 

Essa é uma pergunta-chave para a China. Pra nós, o que aprendemos no ano passado com o ciclo de reformas é que existe uma “nova nova” China. A China de que falávamos nos últimos cinco anos já é a “nova velha” China. Então, as oportunidades mudaram em termos de áreas de retorno.

O que era a velha China? Eram as companhias de internet e de aplicativos. Eram empresas gigantescas e que eram listadas nos Estados Unidos e em Hong Kong. O que é a “nova nova” China? É a tecnologia de negócios, que está relacionada a softwares, semicondutores e inteligência artificial. Tudo o que a China vê como futuro e como fonte de produtividade daqui pra frente.

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Consumo ainda é um grande tema. A gente está só no meio do caminho do consumo da classe média chinesa. Só que é um consumo mais doméstico, mais voltado para companhias domésticas. Por fim, temos o tema da descarbonização da economia chinesa, que envolve áreas como energia renovável, carros elétricos etc. Muitas dessas companhias são listadas localmente, são as chamadas A-Shares.

Por que a tese sobre a China não mudou?

Não é que a nossa convicção na tese China mudou, mas claramente a área de oportunidades está muito mais voltada para essa “nova nova” China. Ainda vemos renda fixa com muito carinho, só que a renda fixa mudou muito. Não é mais a dívida externa emitida em dólares, é a dívida em moeda local. Cerca de 90% é dívida do governo chinês. O benefício é o diferencial de juros interessante para o rating [classificação de risco de crédito] que a China oferece e o fato de que a renda fixa tem uma volatilidade baixa e oferece boa diversificação.

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De que maneira essas revisões do PIB chinês podem impactar setores como o de consumo? 

A tese é que o PIB per capita da China vai continuar a aumentar. Com isso, a China vai conseguir trazer quase meio bilhão de chineses adicionais para a classe média na próxima década. Pensa em tudo o que essas pessoas vão poder gastar, desde academia até celular. Essa é a tese de médio e longo prazo. No curto prazo, claro que teremos flutuações no ritmo de gastos das famílias que está sendo muito afetado pela pandemia e pela tolerância zero a casos de Covid-19. Isso afeta o lucro das empresas e especialmente, o sentimento ou a volatilidade diária do mercado. Mas não há razão para repensar tese.

O cenário que se desenha no mundo hoje é de estagflação global? Como veem esse cenário? Como se posicionar? 

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A China, no ano passado, desacelerou na segunda metade do ano. E já no começo do ano, esperávamos uma aceleração com o governo definindo a meta de PIB [Produto Interno Bruto] em 5,5%. Claramente, isso ficou mais difícil de cumprir com o aumento de casos de Covid e com as restrições de mobilidade.

A China vai tocar o piso do seu crescimento só no segundo trimestre, com as restrições continuando em abril e maio. Veremos uma desaceleração no PIB possivelmente para 3,5%. A tese é de reaceleração na segunda metade do ano e a volta do seu crescimento potencial de 5,5%. Agora, exatamente, quando toca no piso ou quando vai reacelerar, isso tudo vai depender da evolução da pandemia e da habilidade chinesa em adquirir melhores vacinas e melhores tratamentos. E com isso, conviver melhor com o vírus.

E com relação ao resto do mundo?

Onde existe um risco de estagflação maior no curto prazo é claramente na Europa. Não é na China, que tem uma inflação muito baixa. E nem nos Estados Unidos, que está com uma inflação alta, mas tem uma economia muito sólida. Então, esse coquetel de inflação alta e economia abaixo do potencial está particularmente mais latente na Europa.

Isso está muito relacionado à guerra na Ucrânia e ao aumento de preços das matérias-primas que está pressionando os custos de eletricidade na Europa. Por isso, desde o começo da guerra, as ações mais cíclicas europeias, como bancos estão com um desempenho inferior a outros mercados. Porém, mesmo na Europa, a gente mantém um certo otimismo sobre a habilidade do continente de não entrar em recessão e de reacelerar na segunda metade do ano.

Qual seria a razão para manter esse otimismo?

Os governos nacionais europeus estão dando estímulos a famílias e empresas com esse aumento de custo de energia. No médio e longo prazo, nós estamos mais otimistas com o crescimento europeu daqui para frente em comparação à última década. Isso porque tanto a guerra quanto a pandemia já tinham forçado a Europa a ficar mais unida, virar uma união fiscal mais próxima e diminuir o risco de ruptura do projeto. O risco de estagflação está mais latente na Europa no curto prazo, mas existe razão de otimismo para região daqui pra frente.

Em termos de alocação, o que isso significa? 

Não ter tanta convicção para estar sobrealocado em ações europeias, mas manter uma certa alocação em Europa, pensando mais no potencial daqui pra frente. Existem várias companhias listadas na Europa que não têm nada a ver com a economia europeia. São empresas internacionais, de luxo, que vendem pra emergentes, para a Ásia. São companhias líderes ou que são muito ligadas ao tema da descarbonização e da energia renovável. Então, tem vários temas que não são ligados à economia europeia e que são “mega” temas para os próximos anos.

Houve alguma mudança em termos de alocação? 

Claramente, estamos vendo muito mais volatilidade neste ano do que no ano passado. Os riscos aumentaram na margem comparando maio com janeiro, em especial sobre temas como inflação alta e o aumento de juros. Há também essa guerra na Ucrânia e o aumento dos preços das matérias-primas, especialmente na Europa. Por fim, há a pandemia afetando a economia chinesa no curto prazo.

Isso quer dizer que temos que tomar mais cuidado com a maneira com que tomamos risco. Diminuir um pouco na margem a exposição a risco e focar mais abaixo da superfície. Olhar companhia por companhia para ver quais conseguem navegar melhor nesse cenário. Companhias que são competitivas porque têm baixa dívida e conseguem crescer o lucro, mesmo em período mais complicado. A decisão é muito mais na margem. É importante ter mais gestão ativa agora.

Tivemos um fluxo grande de capital estrangeiro para a Bolsa no início do ano e agora esse fluxo terminou negativo em abril. Vamos ver uma reversão?

A perspectiva do investidor estrangeiro sobre o Brasil não era nada específico do Brasil. Foram fluxos impulsionados por dois temas externos. Primeiro, o aumento de juros e a reprecificação dos mercados. O foco estava em buscar mercados mais descontados, mais baratos. E o mercado brasileiro estava extremamente barato.

Depois, houve o aumento nos preços das matérias-primas (commodities) e os investidores buscaram países com exposição a esses setores pra fazer um hedge [proteção] na carteira. Mas não houve nenhuma mudança de percepção sobre o Brasil e sua economia daqui pra frente.

Como o estrangeiro está vendo o Brasil?

Se olharmos as alocações dos investidores, muitos estão sobreponderados em Brasil. Então, acho que já vimos esse fluxo entrar e, daqui pra frente, vai depender mais do que acontece domesticamente, de como o investidor estrangeiro analisa essa percepção local e externa. Mas parece para nós que já vimos muito desse movimento estrangeiro.

Muitas das conversas que a gente tem sobre próximas mudanças, ou próximos fluxos, estão muito mais para algo de volta para a China. Exatamente porque os mercados já foram muito mal e agora os valuations [preços] da China estão muito descontados e muito do risco já está no preço. Com isso, o investidor está agora pensando exatamente em quando voltar para a China e aumentar a alocação.

Nesse sentido, o Brasil perderia um pouco essa alocação mais tática? 

Sim, perderia. Ir para a China seria o próximo movimento. A gente está bem no começo. Não vimos ainda uma grande volta para os mercados chineses. Eu acho que o investidor está buscando três coisas para voltar para a China. Primeiro, o pico sustentável de casos de Covid-19. Depois, mais estímulo de crédito e em termos de infraestrutura. Por último, silêncio sobre novas regulações. Quando tivermos um pouco mais de visibilidade sobre isso nas próximas semanas, achamos que a convicção do investidor sobre a China deve melhorar não só estruturalmente, mas taticamente.

Como estão as perspectivas para o mercado acionário americano?

Muito da volatilidade do mercado acionário está relacionada ao Fed [banco central americano] e ao aumento dos juros. Muito do foco agora vai ser quanto mais os juros vão ter que subir no ano que vem. Ou seja, quanto acima do neutro vai ter que subir. Isso vai depender de quando virmos ou não o pico da inflação americana.

Em termos de crescimento de lucro das empresas americanas, tivemos notícias muito sólidas. É uma economia com ritmo muito positivo. Famílias e companhias com balanços patrimoniais super sólidos. O crescimento de lucro das companhias americanas esperado para este ano é 10%. A preocupação é sobre risco de recessão no ano que vem e isso vai depender do aumento adicional de juros.

Veem risco risco de recessão por lá? 

Nós achamos que o risco de recessão ainda é baixo, não é o cenário-base. O sentimento já está negativo demais e quando virmos o pico na inflação, a gente deveria ter uma bela recuperação no mercado americano.

Os valuations caíram e o trabalho está sendo empresa por empresa. Ações de tecnologia voltam a chamar a atenção? 

Acho que estamos ainda num processo de corrigir extremos dentro do mercado. Desde 2018, os valuations não importavam mais. Tudo que era caro, ficou mais caro. Agora, com os juros aumentando, dinheiro não sendo mais de graça, as pessoas estão pensando com mais carinho no preço que estão pagando pelo lucro das empresas.

Só que os valuations estavam bem extremos. Ainda há um processo de correção nesses extremos. Mesmo dentro de tecnologia, há coisas que estão caras demais, como companhias de software, por exemplo. Estamos vivendo um mercado de alpha, e não de beta.

Os bloqueios estão impactando as cadeias produtivas. Quanto tempo levaria pra vermos isso nos balanços? 

A gente já ouviu comentários de algumas companhias no primeiro trimestre sobre a limitação na produção durante março e um pouco em abril. Porém, acho que vale a pena lembrar que a China prioriza muito abrir os portos e as fábricas o mais rápido possível. As companhias que reportaram problemas na produção reportaram por uma semana. Não é bom, mas também aquele desastre como parece na superfície. Isso por causa da estratégia da China de priorizar a produção.

Em termos de quando a gente espera que isso normalize, não dá pra dizer. Vai depender de quando virmos uma abertura mais generalizada das cidades economicamente importantes da China e uma normalização um pouco atrasada em termos de produção e transporte. Então, possivelmente deve levar uma bela parte do ano para isso normalizar. Mas até agora, as companhias têm se mostrado capazes de absorver esses problemas na cadeia de produção e de repassar esses custos mais altos para o consumidor final. O resultado de lucro não tem sido afetado de uma maneira significativamente negativa.

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