SECTOR PICKERS – “Gol e Azul podem quebrar?” e outras dúvidas respondidas sobre o setor aéreo

Sector Pickers

Matheus Soares

Ilustração (Getty Images)

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SECTOR PICKERS – “Gol e Azul podem quebrar?” E outras dúvidas respondidas sobre o setor aéreo

Convidados: Bruna Pezzin (XP Investimentos), Sara Delfim (Dahlia Capital) e Fabio Seguchi (Safari Capital)

A live teve mais de 60 minutos de duração e a transcrição está no texto abaixo: Para mais detalhes, a gravação está aqui:

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Quem é Bruna Pezzin e qual sua visão para o setor aéreo?

Sou analista da XP Investimentos, responsável pela cobertura dos setores de transporte, shoppings e bens de capital. Estou no mercado desde 2015. Passando um pouco da visão setorial, temos recomendação de compra para Azul e neutra para Gol. Nossa preferência tem alguns motivos: 1) Azul é uma companhia que tem uma malha mais exclusiva onde cerca de 70% das rotas ela é a operadora única e em 80% a operadora líder, o que da pra ela um certo poder de repasse de custo às tarifas, importante dada a característica de competição do setor. Junto com isso, entra o fato de ter uma competição menor com os outros players de mercado, o que em um cenário de demanda mais fragilizado (tal como o que estamos vivendo) tende a ser positivo. Olhando para o longo prazo, existe a questão da aceleração do plano de substituição de frotas que acabou sendo postergado recentemente, mas que deveria trazer um crescimento adicional em rotas que ela já atua. Tem a questão dos ganhos de eficiência, já que os novos jatos trariam mais eficiência para a empresa. Esse era o nosso cenário de longo prazo, mas no curto prazo o cenário é mais desafiador. Tenho uma visão positiva de longo prazo e cautelosa de curto prazo. Você tem tanto o lado da demanda mais fraca quanto o câmbio mais pressionado, lembrando que o passivo das companhias (boa parte deles) é denominado em dólar. Ou seja, o efeito da alavancagem é duplo. Seja por conta do passivo quanto pelo lado operacional e sem a visibilidade de impacto que isso terá com relação ao consumo futuro.

Quem é Fabio Seguchi e qual sua visão para o setor aéreo?

Sou sócio da Safari Capital, trabalho com analise de ações em diversos setores desde 2013 e um deles é o setor de transporte aéreo. O setor está passando por um momento inédito na história. É um evento que acontece uma vez a cada século. A Gol passou por uma tempestade perfeita no passado e fizeram um trabalho super bom. Mas é uma pena, a perspectiva era muito boa para ambas as empresas do setor e que vinham fazendo um trabalho muito bom. Tenho uma preferência pela Gol, por conta de achar que ela está com uma posição de liquidez um pouco melhor do que a Azul. Isso porque eles já conseguiram renegociar folha de pagamentos, mas também pela fragilidade da Boeing nesse momento, o que é uma vantagem dado que ela deve ter condições de renegociação muito mais favoráveis. Muitos dos players globais vão atrasar pedidos e a renovação da frota vai vir em condições excepcionais. Tudo bem que o petróleo está em níveis baixos o que torna menos relevante ter aviões mais eficientes, mas quando você coloca um preço de entrada baixo e carrega isso para os próximos 8 a 10 anos, acaba se pagando bastante. Adicionaria a isso, o fato da Gol ter crescido menos por conta dos problemas com renovação de frotas, que já deve ser um empecilho olhando para frente. Gosto de ambas, mas prefiro Gol.

Qual o tamanho da posição da Safari no setor?

O primeiro aspecto dessa crise e que ainda não está resolvido é que não sabemos por quanto tempo ainda ficaremos nessa condição. A assimetria é interessante, mas nossa posição é pequena. Tínhamos as duas ações antes da crise, zeramos os papeis (que chegaram a cair mais 50%), mas depois voltamos a comprar só Gol. A situação ainda é complicada, o enrosco é grande.

Quem é Sara Delfim e qual sua visão para o setor aéreo?

Sou sócia da Dahlia Capital, venho focando minha análise no setor de transportes e no setor aéreo, mas antes de estar na Dahlia fui analista sell side por muitos anos nesse setor. O setor caiu 70% no ano ante queda de 34% do Ibovespa dada a incerteza que ele apresenta. Você tem algumas variáveis e incertezas que o gestor da empresa não consegue controlar. Você tem o preço do petróleo, que ninguém sabe, e o preço do câmbio. Por essa razão o setor é um pouco mais frágil nesse sentido. Quando a gente vê as ações do setor caindo o dobro do Ibovespa e sabendo que a crise vai passar e o mundo não vai acabar, faria sentido fazer uma aposta no setor. Mas existe uma preocupação do ponto de vista da demanda, porque não temos convicção de que quando a economia voltar ou quando o lockdown passar, a demanda vai voltar. Não sabemos como será a reação das pessoas. Talvez as pessoas posterguem a viagem, não achamos que a demanda vai voltar de forma natural, dado o medo das pessoas mesmo podendo viajar. Quando a gente pensa no perfil do viajante brasileiro, 60% é corporativo, diferentemente dos EUA, em que 70% dos viajantes é a lazer. Por exemplo a nossa Live, não sei se as pessoas continuarão viajando com o mesmo propósito. Estamos tentando entender como será o comportamento do passageiro após a crise e não sabemos como será o PIB, dado que o setor anda junto com essa variável. Essa é a nossa primeira dúvida. O segundo ponto é o custo, avião parado tem que continuar pagando o aluguel, manutenção, estacionamento nos aeroportos. E ainda que você voe, o custo de voar com 50 ou 100 passageiros é muito parecido, e todos sabemos o quão pesados são os custos nesse setor. As empresas tem um passivo elevado em dólar e achamos que o dólar tende a continuar elevado, mantendo a pressão de custos. Eles têm os hedges: historicamente todas as empresas do mundo fazem proteção do petróleo, na média, em 50 dólares, sendo que o preço do petróleo está ali em 25 dólares, devendo trazer algum prejuízo nos próximos resultados. Estruturalmente, a tese de longo prazo que a Bruna falou é verídica, é um setor que ainda pode crescer muito. Mas lá na Dahlia somos ‘medrosos’ na hora de criar nossa carteira. Nosso primeiro objetivo é tentar não perder. Depois vem o objetivo de ganhar. Pode caber uma posição pequena, dado toda essa incerteza que temos. Entre Gol e Azul, Azul me parece uma empresa com vantagens competitivas.

O CEO da Azul deu uma entrevista para a Infomoney e disse que está protegendo caixa para ter uma empresa depois da crise. Faz sentido ter ações de aéreas agora? Não há um risco das empresas aéreas falirem?

Sara: Nenhum empresa tentou esconder o jogo. Você tem todas as variáveis jogando contra. Consumidor que não voa, seu ativo gerando custo, folha de pagamento pesando. Estão fazendo tudo o que podem, só que obviamente tem um custo. O credor não é um santo, ele vai rolar essa dívida a um custo mais caro. Se isso perdure por mais tempo, é possível que elas queimem todo o caixa que possuem. O que eu acho: você tem 3 empresas (Gol, Azul e Latam) no Brasil e acho pouco provável elas quebrarem. Vai haver um compromisso forte do governo de tentar ajudar, seja através do BNDES ou via estímulos. Existe também a questão de fusões e aquisições. No final do dia, acho que o cenário de uma dessas três empresas quebrarem é pequena. Os EUA, por exemplo, tem mais de 20 empresas. Acho pouco provável.

Existe alguma chance de haver alguma estatização nessas empresas?

Fabio: Concordo com a Sara, acho muito difícil. O racional do governo tem sido de trazer mais competidor, acho muito difícil eles deixarem elas quebrarem. E em algum momento o fluxo de pessoas vai voltar. Dada a cabeça desse governo, também não acredito em estatização. O risco para o acionista é quanto do capital da empresa que poderá ser diluído. Se elas vão tomar alguma linha do BNDES isso já é público, mas a questão é quanto que essas dívidas vão custar. Ou seja, como o governo está tomando o risco de crédito em um momento que ninguém quer oferecer, faz sentido o governo ter parte do upside caso o preço da ação volte em algum momento.

Bruna: Concordo com o que os dois falaram. Gerir uma cia aérea é bem difícil. O instrumento de debênture conversível que o governo está propondo geraria uma diluição dos acionistas, mas pensar no cenário de estatização não parece ser o caminho que se seguiria.

O que está sendo feito lá fora?

Sara: Não tem muito mais manobra do que a gente tem visto aqui. A maioria das empresas não está fazendo reembolso dos voos cancelados. Algumas companhias estão evitando vender o assento do meio, para não haver proximidade de contato. E todos estão negociando os custos com fornecedores. Quando você pega os aviões grandes (BOEING 737, por exemplo), você tem 22 mil aeronaves voando no mundo e dois grandes fornecedores: Boeing e Airbus. Supondo que cada uma tenha 50%, Boeing teria 11 mil aeronaves voando no mundo. A Boeing já estava enfrentando um cenário difícil devido aos problemas do Boeing 737 Max, dado os dois acidentes que teve ano passado. Ou seja, empresa está consumindo muito caixa para corrigir os problemas. Dado que ela tinha um grande volume de entregas e ela não consegue entregar, muitas aéreas estão renegociando seus contratos. Ao mesmo tempo, eu não pago o cara do Leasing, que por sua vez também não paga a Boeing. Enfim, a Boeing parece absorver todos os impactos do setor. Tenho dúvida do que a Boeing vai absorver após tudo isso. Ou seja, muito embora o setor aéreo esteja cortando salários e atrasando pagamentos, não sei quanto da renegociação com fornecedores será alcançada, visto que só temos dois grandes fornecedores do mundo.

Bruna: A parte de salários acaba sendo a parte que as empresa têm atacado de maneira mais forte.

Fabio: Para as cias internacionais grandes, a questão é até um pouco pior. Porque se na demanda do domestico corporativo a gente tem alguma dúvida (do quão perene será a história das videoconferências). Eu sou um pouco mais otimista com a retomada porque não gosto muito dessas reuniões à distância, tem coisas que você só faz pessoalmente. Acho que o doméstico volta, mas voos internacionais devem voltar bem mais lentamente. E se a epidemia volta? As pessoas correm risco de ficarem travadas no países e etc. Confiança deve demorar pra voltar.

Bruna: Uma vantagens das cias que a gente acompanha é que elas tem uma parte muito mais relevante de oferta vindo do mercado domestico do que estrangeiro. Os jatos que elas operam são menores, mas o ponto é que elas tem essa flexibilidade de adaptar a malha delas de acordo com o cenário.

De acordo com o que vocês falaram, é um setor exposto a tudo quanto é risco. Pra que comprar ações de um setor que está com tantos problemas?

Fabio: Pensando no portfólio como um todo, estou olhando cada caixinha do portfólio que estou fazendo. A primeira parte da história era ver todas as iniciativas que as empresas/governo estão fazendo e isso já está ok, tivemos a resposta e elas não preocupam tanto. A segunda parte da história era entender a retomada. Da pra ter mais convicção com coisa que podem voltar mais rápido, por exemplo: transporte e setor de combustíveis. Não enfrenta a mesma dúvida das cias aéreas. Dito isso, na minha modelagem e trabalhando com cenário bem ruim, vejo upsides de 100% a 200%. Temos downside de 50% e ao mesmo tempo são posições liquidas, dependendo de como for conseguimos vender. Ou seja, eu vejo uma assimetria muito positiva.

Bruna: Da mesma forma que o setor está exposto a esse cenário negativo, ela está exposta para caso a recuperação venha. Se a demanda voltar de uma maneira mais rápida do que a gente espera e se o governo consegue ajudar essas companhias (como parece que vai acontecer), as ações podem voltar rápido.

Sara: Exato, não é um setor fácil para você investir. Se a pessoa tem estomago e um horizonte de investimento um pouco mais longo, acho que vale uma posição pequena. Mas pensando a médio e longo prazo, é um setor que tem potencial para crescer. Temos menos de um brasileiro viajando aqui. Nos EUA esse número passa de dois. Estruturalmente esse setor será mais penetrado conforme as pessoas tenham aumento de renda.

O fortalecimento do e-commerce não pode fortalecer as aéreas?

Sara: Isso é verdade. Quanto mais carga você coloca dentro do avião, mais receita você terá para diluir o custo. Aqui no Brasil, 6% da receita das aéreas vem de cargas contra aproximadamente 20% lá fora. De fato, você pode ter uma aceleração do segmento de e-commerce. Mas o setor de logística é difícil, existe uma serie de cadeias que você precisar organizar.

Bruna: Existe muita incerteza com relação aos padrões que vão se perpetuar após a crise. Mas no final, é tudo questão de ajuste. Pode ser que pra frente não vemos mais o patamar de tarifas que tínhamos, por outro lado, podemos ver aumento de receita nessa frente. Difícil antecipar, mas em termos de tendência da pra pensar em algo nessa linha.

Fabio: Ninguém questiona que o setor de aviação vai continuar. O que teríamos é a questão da receita a ser cobrada para o cliente de lazer ou corporativo. As empresas vão respondendo de acordo com a demanda, não é tão 8 ou 80, é ajustável. Pensando em Brasil, continua a agenda do governo de baixar custos, isenção de PIS/Cofins, agenda de redução de preços e aumento de competitividade. Vínhamos movimentos de capital de risco tentando entrar aqui, mas isso certamente foi postergado. Podemos ter um ambiente competitivo mais benigno por aqui. Eu tenho um pouco de ceticismo com o poder de repasse da Azul, até porque as pessoas vão sair mais pobres da crise.

Sara: Sim, a habilidade da Azul de repassar preços será menor nesse ambiente de PIB mais fraco e dúvidas com relação a demanda. Porém, Azul é quase monopolista nas rotas em que atua. Diferentemente de Gol e Latam, por exemplo. Mas o Fabio levantou um ponto importante que é a agenda pró-mercado do governo. Também acho muito positiva. A empresa daqui paga um petróleo muito mais caro do que qualquer outra empresa no mundo. Poderemos ter notícias melhores vindas desses anúncios do governo. O difícil é saber o timing.

Pra encerrar, um minuto para as preferências do setor:

Bruna: No curto prazo a visão é cautelosa. No longo prazo, a malha mais exclusiva permite um repasse de custos maior em um cenário de demanda mais fragilizada. Em um cenário de retomada da atividade a gente esperaria crescimento superior, seja pelo crescimento orgânico seja pela renovação de frotas. É importante porque serão jatos mais eficientes.

Sara: Tem a vantagem competitiva da Azul que a Bruna disse. Acho que ela acaba tendo uma fragilidade menor do que a Gol, já que ela tem menos endividamento a dólar do que a Gol. Outro ponto é que ela tem bastante proteção de petróleo, mas menos do que a Gol, o que acaba sendo um benefício dado que os preços do petróleo cairão. Gosto muito do time da Azul, que tem bastante experiencia em momentos de crise.

Fabio: O câmbio eu vejo mais como uma assimetria favorável, mais pra baixo do que pra cima. Outro ponto é que a frota dela crescia muito menos por culpa dos problema com as aeronaves da Boeing. Então como os contratos de leasing eram mais curtos, acho que ela terá mais facilidade pra lidar com o cenário de demanda. E sobre a Boeing eu acho que ela é uma “too big to fail”. E Gol, Copa e Rayair serão parte da solução do problema do Max. Acho que essas empresas vão tomar todos esses aviões que estão no pátio. E a Gol opera onde está o PIB do Brasil, o que a beneficia em um cenário de retomada da economia.

Matheus Soares

Matheus Soares é analista da Rico Investimentos e um dos responsáveis pela Carteira Rico Dividendos 8+