“Não tente acertar o fundo do poço”: as lições de um gestor da XP Asset para a crise

Ao investidor que tem caixa e estômago para aproveitar algumas barganhas na Bolsa, o gestor dá três conselhos que têm servido como diretrizes da casa

Nicolas Gunkel

SÃO PAULO – “Quando ações diferentes caem da mesma forma, o mercado está lhe dando uma chance”. A frase é de João Luiz Braga, gestor da XP Asset e convidado da quinta live exclusiva da série Stock Pickers – Aprendizados em Tempos de Crise.

Para Braga, a queda relativamente homogênea da Bolsa mostra que os investidores podem estar se desfazendo de suas ações sem separar o joio do trigo.

“Todo mundo caiu igual. A [ação] defensiva, a varejista, a Vale e a Suzano, que são dolarizadas”, afirmou. “É nessas horas que a gente aproveita para fazer umas trocas. Fizemos muitas desde o início da crise, e continuamos fazendo.”

Ao investidor que tem caixa e estômago para aproveitar algumas barganhas na Bolsa, o gestor dá três conselhos que têm servido como diretrizes para a atuação da casa nas últimas semanas.

1 – Não tente acertar o fundo do poço

Quem tentar acertar o momento de maior baixa da Bolsa para se posicionar corre também o risco de perder a maior alta.

“O pior momento da crise não vai ser o pior momento do mercado”, alerta o gestor.

Segundo Braga, o mercado sempre se antecipa à melhora da economia. Assim, o investidor que esperar boas notícias macroeconômicas para voltar a investir pode perder o bonde e acabar comprando mais caro lá na frente.

“Se você traça um gráfico longo, com 10 anos de Bolsa, e tira os três dias de maiores altas, você compromete muito a performance do longo prazo inteiro”, argumenta.

Por isso, a melhor forma de investir agora, avalia o gestor, é selecionar ações “baratas” com olhar para o longo prazo. “Não pensando no amanhã, mas para daqui a um ano, eu quero ter os ativos a esses preços? Na minha opinião, eu quero muito. Eu queria até comprar para os meus filhos”, brinca.

O gestor conta que os três grandes fundos da casa estão praticamente 100% comprados no momento. “Tenho certeza de uma coisa. Se eu sobreviver um ano com esses ativos a esse nível, eu vou ganhar dinheiro.”

2 – Diversifique (mais ainda) o seu portfólio

A frase “diversificação não é coleção” virou quase um mantra do mercado financeiro. Mas, nas últimas semanas, não foram poucos os gestores que ampliaram o número de ações em sua carteira. E existe um motivo para isso.

Braga explica que, no início de 2019, avaliava que a maioria dos ativos estava cara na Bolsa. Naquele contexto, quando os analistas de seu fundo encontravam algum papel barato, valia a pena aumentar sua alocação. Agora, o cenário mudou. “Não faz o menor sentido concentrar em um momento que você tem muita coisa barata”.

De acordo com o gestor, ao concentrar sua carteira o investidor corre o chamado risco não sistêmico. “Se eu tenho muita exposição a uma empresa e o dono da empresa bate o carro, eu estou correndo um risco específico da empresa que não é sistêmico. Então você dilui [o risco ao diversificar].”

Não à toa, a XP Asset anunciou a redução de sua posição em duas ações importantes na última semana: a Via Varejo e a Qualicorp. “Continuo gostando muito, mas não faz sentido nenhum eu ter 15% do fundo em Via Varejo, como eu tinha antigamente.”

Agora, a gestora conta com 22 empresas no portfólio, pelo menos sete a mais do que o normal.

3 – Tenha ações de 3 tipos

A “Barbell Strategy”, estratégia proposta por Nassim Taleb, recomenda a divisão do portfólio em duas partes: uma maior, com ativos mais defensivos e menos risco, e outra menor, exposta a mais risco e com maior potencial de valorização.

Braga, por sua vez, divide a carteira do fundo de forma similar ao americano, mas com um terceiro grupo. Um quarto do portfólio está em ações que considera “atacantes”, como Banco do Brasil, Via Varejo e Renner.

Outros 40% estão em ações que julga defensivas, como Sanepar, Copel, Cesp, Eletrobras e Qualicorp. Os 35% restantes do fundo, por sua vez, estão em ações que Braga entende como “antifrágeis”. São aquelas que tendem a ganhar força quando o mercado cai — casos de Vale, Suzano, Gerdau, JBS e Marfrig, que possuem receitas dolarizadas.

Apesar de apresentarem funções diferentes, todas as empresas elencadas pelo gestor têm um elemento comum: estão entre as líderes de seus setores de atuação.

Braga caracteriza essa crise como “oligopolística”. Em sua avaliação, as grandes empresas vão sair mais fortes ao fim dela — enquanto as menores podem ficar pelo caminho.

Domando o comportamento humano

Estudioso das finanças comportamentais, o gestor também identifica armadilhas emocionais em que viu investidores caindo nas últimas semanas.

A primeira diz respeito à Teoria do Prospecto, do Nobel de Economia Daniel Kahneman. “É a história de que, para o ser humano, dói mais perder R$ 100 do que é prazeroso ganhar R$ 100”. Para o gestor, essa assimetria tem se mostrado clara na aversão ao risco e na pressão vendedora do mercado nas últimas semanas.

O segundo comportamento observado por Braga foi a procura do investidor por uma “experiência menos traumática”, realizando as perdas após pequenos ganhos. “Você perde todos os dias, menos 10, menos 10, menos 10. Quando sobe cinco em um dia, você vende e acha que fez bem feito, quando deveria ter vendido lá trás”, explica.

Por último, o gestor menciona os estudos do professor americano Dan Ariely. Em um experimento famoso, o autor mostrou que decisões que envolvem prazer imediato tendem a ser tomadas de forma mais emocional do que exatamente as mesmas escolhas feitas com a recompensa no futuro.

“Quando você joga a sua decisão para frente, toma decisões mais racionais. É exatamente o que eu estou fazendo com a Bolsa agora. Eu olho para a Bolsa e não tenho ideia, acho que até pode cair mais 15% semana que vem”, estima.

“Mas esse preço que está aí agora, eu não acho excelente para daqui a um ano? Acho, então eu jogo minha decisão lá para frente. E é isso que me dá o conforto cognitivo.”

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Nicolas Gunkel

Nicolas Gunkel é jornalista pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e editor de Conteúdo no InfoMoney