Agro é pop, mas não na Bolsa. Por quê?

Apesar da pujança do setor na economia real do país, sua presença na bolsa continua muito tímida

Felippe Hermes

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Os 64 IPOs de 2007 entraram para a história da bolsa brasileira. Trata-se da maior quantidade de aberturas de capitais já registradas por aqui.

Um olhar histórico, porém, revelaria um outro período que, no agregado, merece também atenção. Entre 1905 e 1913 o país registrou nada menos do que 250 aberturas de capital, incluindo aí a Alpargatas, cujo IPO ocorreu há 108 anos.

Em comum, os dois períodos se conectam por uma peculiaridade da economia brasileira: a dependência dos ciclos externos.

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O período que antecedeu a primeira guerra mundial viu um balão de ensaio da globalização e da demanda global por commodities, cuja força foi tamanha que tornaria a Argentina a quarta maior economia global, mas que viria a ser adiado em função do exibicionismo de Franz Ferdinand e da guerra propriamente.

Ainda assim, o Brasil viu ali o poder do comércio global e sua economia reagiu como era esperado, com certa euforia. Empresas de infraestrutura se lançaram nas bolsas de São Paulo e do Rio de Janeiro atrás dos recursos cada vez mais abundantes proporcionados pelas exportações de café e borracha, e criaram o primeiro boom capitalista do Brasil.

De fato, este é apenas um dos tantos exemplos de como o agro permeia nossa história e está diretamente conectado com grandes momentos da economia nacional.

Foi do agro, por exemplo, que nasceu o impulso para o porto de Santos, a joia da coroa da infraestrutura brasileira que sob a batuta da família Guinle se tornou o maior de todo hemisfério sul.

Discutir os motivos de um setor tão relevante na nossa história estar “de fora” da bolsa brasileira é portanto uma questão crucial, sob inúmeros aspectos.

O primeiro deles diz respeito à própria bolsa brasileira. Temos hoje cerca de 380 empresas listadas, menos da metade das chamadas “grandes empresas” existentes no país.

Um número tão baixo demonstra que, de fato, a bolsa não chega a ser um espelho da economia. Para se ter uma ideia, em 1986 o país possuía 568 empresas listadas, o maior número desde que o Ibovespa nasceu.

Outra questão se torna também mais relevante. O custo para abrir capital e manter uma SA no país ainda é elevado, afastando empresas que, em outras condições, poderiam buscar recursos em ofertas públicas de ações.

Este é, de longe, um dos pontos mais relevantes para discutir a relação entre o agro e a bolsa, portanto.

Como os ciclos mencionados acima demonstram, a bolsa sempre esteve focada em grandes empresas e grandes projetos. Das 250 aberturas de capital no início do último século, cerca de ⅕ está diretamente relacionado ao setor de ferrovias, que dependem do agro, mas possuem uma escala maior enquanto empreendimento.

O agro brasileiro, como é próprio do setor no mundo, é extremamente fragmentado, e portanto com poucas opções de empresas de escala relevante para uma abertura de capital.

Isso, porém, não impede que, destrinchando os setores do próprio agro, encontremos oportunidades de consolidação. Este é o caso da Boa Safra (SOJA3), o mais recente do setor.

Em seu prospecto, a empresa lista como objetivos consolidar o setor de sementes, com exemplos como o mercado americano, onde 3 empresas dominam a área, contra uma miríade de empresas por aqui.

Também nos objetivos do IPO da Boa Safra a questão relativa à demanda de capital de giro chama atenção. 

Por se tratar de um setor que depende de ciclos de commodities, além do próprio ciclo de plantações, o agro acaba tendo peculiaridades em termos de demanda por financiamento.

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Na utopia planejadora brasileira, temos três bancos estatais com funções distintas: a Caixa, que financia mobilidade, construção e outras questões relativas às cidades; o BNDES que financia grandes indústrias e projetos de infraestrutura (como um porto em Cuba); e o Banco do Brasil, que financia o agro.

Como você já deve ter entendido, o BB atua em um efeito chamado de “crowding out”. Em suma, como ocorreu quando o BNDES expandiu sua carteira por meio do PSI, o Programa de Sustentação do Investimento, quando um banco público age de maneira deliberada a financiar e subsidiar um setor, as empresas tendem a se afastar da bolsa.

O número de IPOs no período da loucura do BNDES é uma amostra de como isso pode ser nefasto. Um efeito pouco medido, entretanto, é a perda na área de gestão.

Ao contrário de um banco que lhe empresta dinheiro com juros menores que a taxa Selic, como foi o caso, a bolsa lhe cobra resultados, inovação, melhora nos processos.

Em suma, o Banco do Brasil e seu Plano Safra, os subsídios, perdões fiscais garantidos pela bancada ruralista, jogam água no chope aprisionando assim o setor cuja produtividade mais cresce na economia.

Ao garantir facilidades, as políticas de governo criam pouco ou nenhum incentivo para que o setor busque melhorias de gestão ou consolidação.

Na outra ponta, temos uma bolsa que ainda luta para inovar e ampliar a oferta de opções de investimentos.

O que temos, porém, são boas oportunidades de consolidação nos setores auxiliares à produção.

A Cosan, maior produtora de etanol do mundo, é um bom exemplo. Trata-se de um grupo que produz commodities agrícolas, mas que se expande para infraestrutura, através da Rumo.

A própria JBS, maior processadora de carnes do mundo, também poderia ser citada como exemplo bem sucedido de consolidação no setor (talvez consolidação até em excesso).

É pouco provável que o jogo de incentivos que mantém o produtor rural fragmentado vá mudar, ou que a bolsa vá conseguir competir diretamente pelo produtor, mas as opções auxiliares ainda constituem uma grande aposta.

Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com