A sofrência de um trader pós 7 de setembro

O Brasil não é para amadores e o mercado brasileiro é teste para cardíaco

Josué Guedes

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Texto originalmente enviado aos assinantes da newsletter Stock Pickers no sábado, 11 de setembro de 2021. Para recebê-la, clique aqui.

Há alguns anos o Brasil vem provando cada dia mais que não é para amadores e quem tenta viver de mercado sabe disso melhor do que ninguém.

Em Brasília, parece que ninguém descansa (quando o assunto é crise, claro).

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Depois de tudo que vivemos ano passado com o aparecimento do Cisne Negro da pandemia, o brasileiro que trabalha no nosso mercado estava acreditando que iria viver um novo ano de recuperação nas economias e na bolsa, mas a república brasileira não parece muito disposta a deixar isso acontecer.

Nosso amado Ibovespa acumula uma queda anual de 3,8% e nos últimos dias resolveu também tirar a paz de quem acompanha o mercado com uma montanha russa de emoções digna de séries da Netflix.

Em novembro de 2020, se você não lembra, trouxemos um trader para contar como estava sendo lidar com as notícias e o mercado durante a semana das eleições americanas.

Na quinta-feira, depois daquela nota do presidente Jair Bolsonaro (obrigado, Temer), já mandamos mensagem para o Luís e o convidamos novamente para compartilhar seu diário aqui.

Luís, um habitante do Condado da Faria Lima, é trader júnior da Fake Asset e opera nos books do FaFIM, Fake Fundo de Investimento Multimercado, que tem no portfólio moedas, ações brasileira, estrangeiras e outros ativos.

Olá, amigos do Stock Pickers!

Vocês já sabem que eu conheci o Salomoney e o Renatão na fila de espera do Ráscal. Tiramos uma foto e de lá surgiu a parceria para o primeiro depoimento que dei para o Stock Pickers durante as eleições americanas de 2020. Quase um ano depois estou aqui de volta, com uns quilos a mais e menos cabelo, para falar sobre uma das semanas mais malucas que já vivi nesse nosso mercadinho.

Segunda, 6 de setembro

Feriado na gringa.

Mercado brasileiro praticamente não existe sem eles. Mas, como ia ter pregão aqui, acordei cedo para ir trabalhar. Tomei meu bullet proof, fiz minha meditação, dei uma olhada no Twitter. Enfim, cumpri o ritual matinal.

Com o pau quebrando em Brasília e o dia 07/09 chegando, ficamos mais defensivos com o fundo, reduzindo ações e aumentando dólar. Fizemos isso antes do feriado do dia 06 lá nos EUA, porque quando os gringos descansam, a liquidez some por aqui. Pra mim o Barroso e o Fux deviam conversar, quimono aberto, e resolver essa treta. Se não funcionasse, tatame. Mas isso não é opção, até porque o Fux é faixa preta em jiu jitsu e o Bolsonaro não seria trouxa de aceitar. Então seguimos. 

Como esperado, o mercado “morreu”: volume baixo e nada para fazer. Em dias assim, as reuniões são mais longas e as olhadas no Twitter também duram mais tempo.

Entre tuítes afirmando que haveria golpe e outros prevendo Ibov acima dos 120k após o dia 07 (risos), decidimos deixar a carteira como estava. Se o pior acontecesse (golpe com circuit breaker ), ganharíamos com o dólar. E se nada acontecesse, ficaríamos no zero a zero. 

Terça, 7 de setembro

Feriado no Brasil.

Acordei mais tarde, combinei um almoço e aproveitei para ver as movimentações no Twitter: EWZ subindo??

O fato era festejado por muitos como sinal positivo para as manifestações convocadas pelo presidente. A festa de alguns fazia parecer que o Brasil tinha recebido investment grade.

Mandei um áudio no grupo do whatsapp da mesa para discutir o que estava acontecendo e com a sensação de que tínhamos perdido uma oportunidade. Mas, como operamos fora também, dava para tomar EWZ e aproveitar também.

Só não levei em consideração que o mercado americano tinha ficado fechado aqui enquanto o Ibov subia na segunda. A alta não foi expressiva, só que explicava parte do movimento do índice brasileiro lá fora.

A conversa se estendeu mais do que o previsto, com os sem-noção de sempre mandando podcasts e a consequência foi um almoço que eu não tirava a cara do celular, como se fosse dia útil. What a bummer…

Em Brasília o presidente subiu o tom, mas foi na Paulista que a coisa explodiu.

Telefone toca de novo, dessa vez não deu pra ser áudio. Conclusão: deveríamos ter comprado mais dólar.

Quarta, 8 de setembro

Acordei antes do despertador.

Adrenalina em níveis de março de 2020 e a ansiedade não me permitiu cumprir o ritual matinal completo. Só deu tempo do bullet e já corri pro escritório.

Já estava todo mundo lá e a ideia era mais tentar entender quais seriam os desdobramentos do que tinha acontecido no dia anterior do que mexer nas posições. 

Brasília estava em clima de expectativa e todo mundo esperando a fala do presidente do STF, Luiz Fux. 

Ibov abriu em leve queda (0,71%) e o dólar atingiu quase 1% de alta. Para o que havia ocorrido no dia anterior, o cenário estava estável. 

Mas a coisa começou a azedar às 11:40. Ibov tocou nos 115 mil pontos e sem sinal de estabilização, porque Fux ainda nem tinha falado e estávamos esperando uma reação dura.

Comprar? Vender? Faço nada… A ordem do chefe era clara: NÃO MEXA EM NADA ANTES DO FUX FALAR.

Enquanto não chegava às 14h30, passei o olho em outros mercados e as coisas não estavam muito bem lá fora também. Naquele compasso de espera, o jeito foi passar um tempo no Twitter dando uma olhada nas conversas de lá.

Nada muito revelador: uma turma gritando “vai ter golpe” e outra passando pano.

Fux começou a falar, às 14h30, e por 9 minutos reinou aquele silêncio que precede a desgraça. A partir daí, só queda. 

O Ibov chegou a perder 3% depois que Fux disse “crime de responsabilidade” e “impeachment”.  Até ontem ninguém achava que Bolsonaro cairia porque muita gente foi pra rua no dia 7. Mas quando lembraram que isso pode não ser suficiente se você desobedecer um juiz, tudo azedou. O impeachment entrava na pauta de novo e agora o foco era o Congresso.

Mercado fechou em queda de quase 4% e o dólar subiu 2,9%. Conclusão: deveríamos ter comprado muito mais dólar.

Quinta, 9 de setembro

Acordei com sensação de ressaca e aquele sentimento de que a coisa podia piorar.

Até então nosso cenário base estava correto. Mas o que viria agora após o Fux? Bolsonaro iria dobrar a aposta? Se isso acontecesse, o que o STF iria fazer?

Logo de manhã as bolsas pelo mundo afora recuavam com os dados mais fracos de emprego nos EUA. Nem dei bola (será que fui irresponsável?), eu estava igual ao Chico Anysio: só pensava naquilo (STF x Bolsonaro).

O Ibovespa abriu em alta e o dólar recuava ligeiramente no início do pregão. Tudo muito tranquilo para o dia após a maior queda recente do mercado. o clima continuava tenso e esse seria mais um dia de almoço na mesa.

Na verdade nem teve almoço… O mercado virou por volta do meio-dia, voltou a subir uma hora depois e assim parecia que ia ser o dia inteiro.

No Twitter, surge um rumor de que Bolsonaro mandou buscar o ex-presidente Temer em São Paulo para uma reunião especial.

Os grupos de WhatsApp começaram a especular o que estava acontecendo, na maioria dos casos com figurinhas e memes. Foi Temer quem indicou Alexandre de Moraes para o Supremo e nos últimos tempos ele vem aconselhando. Será que teríamos uma trégua?

Eis que por volta das 16:35 aparece na minha tela um lindo, longo e verde candlestick. Ibov virou violentamente com a notícia de que Bolsonaro iria divulgar uma nota apaziguando a relação com o STF.

O índice futuro deu uma porrada que eu nunca tinha visto na vida! Não deu tempo de fazer nada. O Ibov foi junto e bateu quase 2% de alta. A República respirava aliviada. Nossa cota também.
O clima era de final de Copa e o mercado só não ficou mais eufórico do que os produtores de meme.

A Bolsa fechou em alta (+1,7%) e dólar caiu (-1,8%) Conclusão: sempre tenha dólar.

Sexta, 10 de setembro

Finalmente uma noite bem dormida. 

A primeira reunião do dia era para discutir o que fazer a partir do que havia ocorrido na quinta-feira (Temer Day), mas a velha guarda gastou a todo o tempo falando que esse 7 de setembro é o novo 9 de julho. 

9 de julho, no caso, é o 9 de julho de 2014, dia seguinte ao 7 a 1. Em Sampa (aqui ninguém fala Sampa, mas eu gosto) é feriado e na terça seguinte o mercado subiu, acredite, por causa da derrota do Brasil. Acharam que o brasileiro, humilhado e sem o hexa, descontaria a raiva na Dilma e elegeria o Aécio…

7 de setembro foi a mesma coisa. Viram muita gente na rua e pensaram: não tem como ter impeachment. A difrença é que o EWZ subiu no mesmo dia. Só que o Fux, no outro dia, lembrou que tem sim… No meu TCC na faculdade eu usei a tese do mercado eficiente do Fama, mas vou te falar: às vezes esse pessoal da Bolsa é mais irracional que eu no bloquinho de Carnaval.

Como são posições táticas para enfrentar os próximos meses, o complaince não me deixa revelar aqui. Se o Renatão e o Salomão me convidarem para um próximo STPK, até posso pensar em abrir alguns nomes da carteira.

Mas a conclusão do time foi uma só: no Brasil, dólar é o trade que nunca acaba.

Queime após as 10h

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O merchan voltou

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Josué Guedes
CMO do Stock Pickers