Doador de esperma com mutação genética grave gerou ao menos 197 crianças na Europa

Investigação revelou que mutação no gene TP53, associada a alto risco de câncer, foi transmitida a dezenas de crianças, algumas já diagnosticadas com a doença

Victória Anhesini

DNA (geralt/Wikimedia Commons)
DNA (geralt/Wikimedia Commons)

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Uma investigação revelou que um doador de esperma, portador de uma mutação genética grave desconhecida por ele, é responsável pelo nascimento de pelo menos 197 crianças em diversos países da Europa. Essa alteração no DNA aumenta significativamente o risco de desenvolvimento de câncer.

De acordo com uma reportagem da BBC, várias dessas crianças já faleceram, e as que permanecem vivas podem herdar a mutação, enfrentando um risco elevado de desenvolver algum tipo de câncer ao longo da vida. O doador de esperma, cuja identidade permanece anônima, iniciou as doações em 2005, quando ainda era estudante, e o material foi utilizado por quase duas décadas.

O material genético não foi distribuído para clínicas do Reino Unido, mas a BBC apurou que um pequeno grupo de famílias britânicas utilizou o esperma durante tratamentos de fertilidade realizados na Dinamarca, após terem sido notificadas sobre o caso.

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O Banco Europeu de Sêmen, sediado na Dinamarca e responsável pela comercialização do esperma, expressou solidariedade às famílias atingidas e reconheceu que o material foi utilizado além dos limites recomendados em alguns países.

A apuração foi realizada por 14 emissoras públicas da Europa, incluindo a BBC, no âmbito da rede de jornalismo investigativo da União Europeia de Radiodifusão (EBU, na sigla em inglês).

As investigações revelaram que, embora a saúde do doador tenha sido comprovada por meio de exames e triagem rigorosa, o DNA continha células que apresentavam mutações ocorridas antes mesmo do seu nascimento.

Essa alteração genética compromete o gene TP53, que é fundamental para impedir a transformação das células em tumores. No organismo do doador, a forma alterada do gene está presente apenas em uma parcela das células, mas até um quinto dos seus espermatozoides carregam essa mutação.

Porém, crianças concebidas a partir dessas amostras herdam a mutação em todas as células do organismo. Essa condição é conhecida como síndrome de Li-Fraumeni, que eleva o risco de câncer para até 90%, apresentando alta incidência de tumores na infância e câncer de mama na idade adulta.

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Pacientes portadores da mutação devem realizar acompanhamento contínuo. Recomenda-se a realização anual de exames de ressonância magnética corporal e cerebral, além de ultrassonografias abdominais, com o objetivo de detectar tumores em estágio inicial. No caso das mulheres, muitas optam pela mastectomia profilática como medida preventiva para reduzir o risco de desenvolvimento de câncer de mama.

O Banco Europeu de Sêmen destacou que “nem o doador nem seus familiares apresentam sinais da doença” e ressaltou que a alteração genética em questão “não pode ser detectada pelos testes genéticos preventivos atualmente utilizados”. A instituição informou ainda que o doador foi imediatamente suspenso após a identificação da mutação em seu material genético.

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Médicos que tratam crianças com câncer associado à doação de esperma alertaram, durante um encontro da Sociedade Europeia de Genética Humana realizado neste ano, sobre a gravidade do caso. Segundo eles, entre as 67 crianças identificadas na ocasião, 23 apresentavam a mutação genética, e dez já haviam desenvolvido algum tipo de câncer.

A BBC afirmou que, com base em pedidos de acesso a documentos oficiais e entrevistas com médicos e famílias, o número real de bebês gerados pelo mesmo doador é muito maior: ao menos 197, embora o total possa ser ainda superior, já que nem todos os países compartilharam dados completos. Ainda não há confirmação sobre quantas dessas crianças herdaram a mutação.