Publicidade
Enquanto se preparava para maratonas, o neurocientista Carlos Matute, da Universidade do País Basco, na Espanha, não pensava apenas no desempenho físico. Durante os treinos, refletia sobre os limites do corpo e do cérebro, especialmente sobre como o organismo lida com a falta de energia em exercícios de longa duração. Como resposta, Matute e sua equipe de estudos analisaram como o cérebro age nesses momentos.
A pergunta que o motivou foi: é possível correr por tanto tempo quando as fontes de energia rápida do corpo já estão quase esgotadas? A resposta está em uma pesquisa publicada na Nature Metabolism, em março de 2025.
Leia mais: Neurologista revela 4 alimentos que evita para manter o cérebro saudável
Continua depois da publicidade
Já se sabe que atividades de resistência, como a corrida, fazem bem ao cérebro. Elas melhoram a cognição e reduzem o risco de doenças neurodegenerativas, mas também exigem muito em termos metabólicos. Isso levou Matute a investigar uma hipótese pouco explorada: o cérebro consome parte de sua própria estrutura para manter o funcionamento durante esses momentos?
O estudo de Matute teve o foco na mielina, substância gordurosa que envolve os neurônios e acelera a transmissão de sinais elétricos. Apesar de estável na vida adulta, a mielina é bastante sensível em doenças como a esclerose múltipla, onde sua perda causa sintomas como fraqueza muscular, perda de coordenação e declínio cognitivo. A questão fica, portanto, se há alterações em cérebros saudáveis, mesmo que temporariamente.
Resultados
Para testar essa ideia, Matute uniu forças com Pedro Ramos-Cabrer, especialista em neuroimagem do Centro de Pesquisa Cooperativa em Biomateriais, em San Sebastián. Juntos, escanearam os cérebros de dez corredores antes e depois de completarem uma maratona, usando ressonância magnética avançada.
O resultado mostrou que até 48 horas após a prova há uma redução significativa na fração de água da mielina, um marcador indireto usado para estimar seu conteúdo. A queda foi observada em áreas cruciais da substância branca, como o trato corticoespinal e os pedúnculos cerebelares, que são regiões ligadas ao movimento e à coordenação.
Segundo os autores, a mielina poderia funcionar como uma espécie de “reserva emergencial”, usada temporariamente quando o nível de glicose cai, algo semelhante ao que acontece com o uso de gordura corporal em treinos prolongados. Pesquisas anteriores com roedores já haviam apontado nessa direção.
Leia também: Comprimido para obesidade da Lilly reduziu peso em apenas 11% em estudo; ações caem
Continua depois da publicidade
O que vale ressaltar é que o efeito é temporário: os níveis voltam ao normal cerca de dois meses depois.
“Nossas descobertas sugerem que o cérebro é altamente adaptável”, afirmou Matute, em nota à imprensa. “Embora o exercício de resistência altere temporariamente a estrutura cerebral, essas mudanças não são permanentes e provavelmente refletem um processo dinâmico e energeticamente eficiente”.
Para Mustapha Bouhrara, chefe da Unidade de Física de Ressonância Magnética do Envelhecimento e Demência no Instituto Nacional do Envelhecimento dos EUA, que não participou da pesquisa, o estudo é relevante.
Continua depois da publicidade
“Embora a ideia de o cérebro usar lipídios, incluindo os da mielina, como fonte de energia não seja nova, a sugestão de que a mielinização pode se recuperar rapidamente após atividade física intensa levanta questões intrigantes”, afirmou. “Se confirmado, isso pode oferecer insights sobre a ‘remielinização’ rápida, com implicações potenciais para o envelhecimento cerebral e doenças neurodegenerativas”.
Por outro lado, Bouhrara destaca que alguns fatores, como desidratação e alterações inflamatórias, também podem influenciar os resultados. Ainda assim, considera o estudo promissor.
Com os primeiros resultados em mãos, a equipe pretende entender outros aspectos sobre os efeitos das maratonas, como, por exemplo, se o ciclo repetitivo de perda e recuperação de mielina impacta a saúde cerebral ao longo do tempo.