“Vox Populi”: o que a voz das ruas traz de riscos para a política, economia e mercados?

A voz do povo ganha forças em meio às manifestações e podem influenciar a política, a economia e os mercados, aponta a analista política do Citi, apesar de ter sido deixada de lado pelos investidores

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Mais do que a Copa do Mundo, o que vem chamando a atenção no Brasil são as diversas manifestações que vêm ocorrendo, evidenciando os problemas e a insatisfação da população nacional com os rumos que a nação vem tomando. Isto pode ser observado através de como os próprios estrangeiros estão vendo o País, com o foco muito mais para os manifestantes e para os problemas nacionais do que para o evento em si. 

Porém, esta tendência não é isolada no Brasil, conforme aponta o Citi em relatório chamado “What the New Vox Populi risk means for politics, the economy and the markets”, ou “O que o risco da nova voz do povo significa para a política, a economia e os mercados”. 

Conforme destaca a analista-chefe de política global do Citi, Tina Fordham, o poder do povo está em marcha, tanto para melhor quanto para pior e se espalha pelo mundo inteiro.

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Nos últimos dias, uma onda de novos partidos políticos, radicais e alternativos ganharam destaque nas eleições para o Parlamento Europeu, com grande parte dos eleitores não votando nos partidos tradicionais. Enquanto isso, a Ucrânia, que vive em um conflito aberto atualmente, o seu presidente foi eleito democraticamente após a segunda revolução no país em menos de uma década. Já os militares da Tailândia tomaram o poder após uma revolta popular e os egpícios irão novamente às urnas para escolher um novo presidente.

E estes movimentos, aponta a analista do Citi, seguem alguns dos maiores protestos da história recente de democracias emergentes, incluindo Brasil, Turquia, África do Sul e Índia, que têm ou terão eleições marcadas para este ano.

“Se nas urnas ou na rua, as elites políticas estão pressionadas, o apoio a alternativas políticas está em ascensão”, aponta a analista. Em todo o mundo, as pressões aumentam o risco de fragmentação – social, política e até mesmo geográfica – com o sentimento anti-governo e a desconfiança nas instituições aumentando fortemente.

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Mas por que esses movimentos estão ocorrendo? Eles vêm da ascensão das mídias sociais? Eles ocorrem com maior frequência ou só parece que eles estão ocorrendo mais vezes? É uma tendência cíclica ou estrutural? Ela vai reverter a recuperação global que ganha impulso.

Para responder – ou pelo menos tentar – estas perguntas, o Citi fez um estudo com base nos eventos políticos dos que compõem o MSCI Developed Markets and Emerging Markets desde que a Primavera Árabe eclodiu, em 2011, e comparou com desenvolvimentos semelhantes na década anterior, de forma a realizar a primeira pesquisa empírica sobre o tema, conforme ressaltou em artigo para o Financial Times. 

Eles incluíram no modelo os protestos em massa em várias cidades, violência, eleição falha ou parlamento dividido, surgimento de novos atores políticos e reivindicações de separação ou territoriais. Se dois ou mais destes fatores estiverem presentes, o evento é de alto risco. Os eventos conflituosos aumentaram em notáveis 54% desde 2011 na média anual em comparação com a década anterior. 

A maioria destes eventos – 62% – teve impacto limitado no mercado, como um pleito em que o resultado foi amplamente esperado. Porém, o estudo destaca que não é só o risco de Vox Populi tem se intensificado, mas talvez seja mais relevante para as empresas e os mercados em países de renda média e industrializados e, portanto, mais integrados à economia global e mais suscetíveis de gerar amplo impacto no mercado.

Desenvolvidos X Emergentes
Os riscos do “vox populi” têm se proliferado em ambos os mercados – desenvolvidos e emergentes -, mas tendem a assumir diferentes formas. Nos mercados desenvolvidos, ele aparece com o surgimento de novos partidos, extremos ou alternativos, a formação de coalizões cada vez mais frágeis e “riscos de referendo”, que parecem mais prevalecentes na Europa. Estes últimos riscos referem-se ao controle de imigração na Suíça e a independência da Escócia do Reino Unido e de independência da Catalunha da Espanha. 

Já nas democracias mais jovens ou em estados onde a urna não é uma opção, a analista política observa que a agitação social ganha espaço através de movimentações sociais, manifestações de rua, rebeliões e até mesmo golpe de estado. 

Porém, enquanto o risco da “voz do povo” entre as nações varia, o motor é praticamente o mesmo: classe média preocupada com a crescente desigualdade de renda e com a globalização, assim como a percepção de corrupção. E, mesmo quando um movimento político é poderoso o suficiente para causar uma mudança significativa, a opinião pública pode mudar muito rapidamente. 

“A reação do mercado global a tudo isso, até agora, tem sido morna, com o risco político em grande parte ficando limitado nas regiões em que ocorrem os conflitos. Por ora, os investidores apostam na recuperação econômica global e que os bancos centrais irão cuidar dos problemas”, aponta a analista. 

Fordham avalia ainda que os mercados de capitais podem, inadvertidamente, tem parcela de contribuição nas tensões sociais e políticas. O dinheiro barato tem impulsionado os preços dos ativos, o que ajudou a estabilizar as economias mais frágeis. No entanto, ressaltou, também ampliou os chamados “hiatos de riqueza”. 

A analista do Citi ressalta que os investidores se acostumaram a um certo clima de paz na era pós Guerra Fria e a história sugere que os mercados têm precificado as mudanças de paradigmas. Os conflitos passaram a ter um impacto menor sobre os mercados financeiros. Porém, caso o risco do “vox populi” continue se intensificando, a analista acredita que pode haver uma mudança de tendência, levando a rompimentos mais fortes em termos comerciais e levando a desafios mais significativos para o sistema econômico global. 

E o caso brasileiro?
No relatório, o Citi incluiu o Brasil no mesmo quadro da Turquia, de protestos e eleições. E para a analista política, quando o risco da “voz do povo” se apresenta nas ruas, uma variável importante que determinará se o movimento resultará em um rompimento mais amplo é a natureza da resposta do governo. Por um lado, uma postura conciliadora pode reduzir os riscos decorrentes de uma instabilidade social, enquanto a repressão é desafiadora e especialmente quando há morte de manifestantes. Para tanto, o Citi comparou os caminhos do Brasil e da Turquia.

No Brasil, a reação da polícia às manifestações foi dura em junho de 2013 e a truculência fez com que a população em geral apoiasse os protestos, assim como a imprensa e até integrantes do governo. Em uma mudança de postura, o Brasil concordou em reverter aumento das tarifas que levou aos protestos e se comprometeu a dialogar sobre as reformas. 

O índice de aprovação de Dilma caiu de 65% em março de 2013 a 30%, após protestos em junho de 2013, de acordo com o Datafolha. Mesmo levando em conta que os índices de aprovação de Dilma tenham melhorado um pouco e ela continue sendo a favorita para a reeleição em 2014, embora seus adversários desfrutem de um aumento modesto, este novo desafio teve um impacto em seu cálculo político, ao PT e à resposta da oposição. 

Com o Brasil e a Turquia, que se dirigem para um novo cenário eleitoral neste ano e em 2015, existe um potencial significativo em ambos os casos que os protestos voltarão – mas em ambos os casos, os partidos políticos no poder sejam reeleitos, embora por margens menores, de acordo com as últimas pesquisas.

Vale ressaltar que, entre 2014 e 2016, diversos ciclos eleitorais chamam a atenção, com as urnas sendo abertas na Bélgica, Brasil, Hungria, Índia, Indonésia, Líbano, Portugal, Romênia, África do Sul, Suécia, Tailândia, Turquia e Estados Unidos, bem como para o Parlamento Europeu , entre outros.” Vários destes já lidam com risco Vox Populi . Mais uma vez, a história sugere que a re-emergência de protestos em meio à proximidade das eleições é provável – embora uma mudança na liderança possa não ocorrer necesssariamente”, afirmam os analistas.

As sugestões de que a democracia está em declínio estão cada vez mais fortes, no rescaldo da crise financeira global. Certamente as taxas de participação dos eleitores declinaram ao longo de décadas, especialmente entre os jovens. No entanto, a demanda pública por alternativas políticas, o aumento dos protestos e a flexibilidade encontrada em democracias pelo mundo podem ser um contraponto.

A demanda por democracia participativa não mostra sinais de abrandamento, assim como nem as pressões e as oportunidades da globalização, ressaltam os analistas. “Nós achamos que será a capacidade dos líderes para responder às preocupações do público, antecipando as mudanças no sistema global é o que devem determinar o que está por vir”, aponta o Citi.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.