Toffoli diz que prisão de Lula foi “um dos maiores erros judiciários da história” e invalida provas de acordo com Odebrecht

Magistrado diz que houve desrespeito ao devido processo legal, com o descumprimento de decisões judiciais superiores

Luís Filipe Pereira

(Crédito: Nelson Jr./STF)

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Em decisão assinada na manhã desta quarta-feira (6), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que considera a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “um dos maiores erros judiciários da história do país”. No despacho, o magistrado também invalidou provas obtidas pelo acordo de leniência assinado pela Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato.

No documento, o magistrado indica que a prisão do atual presidente, ocorrida em 2018, foi fruto de um arranjo para um grupo específico alcançar o poder, “por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem”. Segundo Toffoli, tais agentes políticos desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas e agiram com parcialidade. Por fim, de maneira deliberada não distinguiram inocentes de criminosos.

Condenado pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção após o entendimento da Justiça de que houve o pagamento de propina por uma construtora na forma de reserva de um apartamento triplex no Guarujá (SP), Lula passou 1 ano e sete meses em uma sala da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. Em 2021, por 8 votos a 3, o plenário do STF declarou a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal, de Curitiba, para julgar o caso.

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Na ocasião, o relator do caso, ministro Edson Fachin, alegou que a acusação não conseguiu demonstrar relação de causa e efeito entre a atuação de Lula como presidente da República e qualquer contratação determinada envolvendo o grupo OAS e a Petrobras, que pudesse configurar em vantagem indevida. Com isso, o processo retornou à sua etapa inicial.

“Digo sem medo de errar, [que a prisão de Lula] foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, destacou Toffoli.

Pelo acordo de leniência, a construtora Odebrecht se comprometia a revelar detalhes sobre condutas ilícitas, além de concordar com o pagamento de multas às autoridades do Brasil, Estados Unidos e Suíça, totalizando mais de R$ 3 bilhões. O documento foi homologado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro. Em 2019, Moro foi indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) para o ministério da Justiça, e três anos depois elegeu-se senador pelo Estado do Paraná, baseando sua campanha em um forte discurso anticorrupção.

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Ainda de acordo com o magistrado, “não se está a dizer que no bojo da mencionada operação não tenha havido investigação de ilícitos verdadeiramente cometidos, apurados e sancionados, mas, ao fim e ao cabo, o que esta Reclamação deixa evidente é que se utilizou um cover-up de combate à corrupção, com o intuito de levar um líder político às grades, com parcialidade e, em conluio, forjando-se “provas””.

“Ante o exposto, concedo a extensão da ordem, em definitivo e com efeitos erga omnes, para declarar a imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir do Acordo de Leniência 5020175-34.2017.4.04.7000, celebrado pela Odebrecht, e dos sistemas Drousys e My Web Day B, bem assim de todos os demais elementos que dele decorrem, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição”, diz outro trecho do documento de 135 páginas.

Toffoli também chama atenção para a necessidade de reavaliar inquéritos e cada caso em particular onde ações judiciais levaram em consideração os elementos de prova que, a partir de agora, se tornaram nulos pela decisão do magistrado.

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Operação Spoofing

Na decisão divulgada nesta quarta, Toffoli determina que a Polícia Federal apresente, no prazo de 10 dias, o conteúdo integral das mensagens apreendidas durante a Operação Spoofing – que investigou o vazamento de diálogos de autoridades envolvidas na Lava Jato, como o ex-juiz Moro e o ex-procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol. O material foi obtido pelo hacker Walter Delgatti Neto, e, segundo Toffoli, o acesso às conversas também deve ser concedido a réus e investigados com base em “elementos de prova contaminados”.

Parte dos diálogos foi divulgada pelo site Intercept e ficaram conhecidos como Vaza Jato. Em junho, o STF referendou liminar deferida pelo ministro Luiz Fux para impedir a destruição de provas obtidas a partir de ataques hackers a celulares de autoridades públicas envolvidas na Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada após ação ajuizada em 2019 pelo PDT, em meio a notícias de que o então ministro da Justiça Sérgio Moro, um dos alvos dos hackers, teria ordenado a destruição das provas da chamada Operação Spoofing, após a prisão de quatro suspeitos de terem invadidos os celulares de autoridades envolvidas na Lava Jato.

Pela decisão, a Corte confirmou o entendimento de que a destruição de provas poderia frustrar a atuação do Poder Judiciário, contrariando preceitos constitucionais como o Estado de Direito e a segurança jurídica.

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Chamando a atenção para aplicação de “medidas necessárias para apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal, consideradas as gravíssimas consequências dos atos referidos acima para o Estado brasileiro e para centenas de investigados e réus em ações penais”, Toffoli determinou, nesta quarta, que sejam encaminhadas cópias dos autos aos seguintes órgãos de Estado: Procuradoria-Geral da República; Advocacia-Geral da União; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Justiça; Controladoria-Geral da União; Tribunal de Contas da União; Receita Federal; Conselho Nacional de Justiça; e Conselho Nacional do Ministério Público, para que sejam identificados eventuais agentes públicos que tenham participado de atos relacionados ao Acordo de Leniência.

Citando o prejuízo causado para centenas de investigados e réus em ações penais, ações de improbidade administrativa, ações eleitorais e ações civis espalhadas por todo o país e também no exterior, o ministro também pede que a Advocacia Geral da União proceda à imediata apuração para fins de responsabilização civil pelos danos causados pela União e por seus agentes em virtude da prática de irregularidades neste caso. E que sejam apresentados, em até 10 dias, pela Vara Federal de Curitiba, todos os documentos relacionados ao acordo, incluindo vídeos e áudios com tratativas, além de colaborações premiadas.