Tarifa de Trump pode ser ‘duro golpe’, se efetivada, e tem efeito ‘simbólico’

Medida anunciada hoje pelo presidente norte-americano é vista como resposta política, mas prejudica exportadores e consumidores caso realmente a aplicação se confirme

Anna França Janize Colaço

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A nova tarifa de 50% imposta por Donald Trump sobre importações do Brasil é vista como um gesto político com pouco impacto prático, mas que pode provocar efeitos negativos no comércio exterior brasileiro, de acordo com especialistas ouvidos pelo InfoMoney. Pouco efetiva para influenciar o Judiciário brasileiro, a medida impõe incertezas para setores estratégicos da economia nacional e pode contribuir para a revisão das projeções de crescimento.

O anúncio foi feito nesta quarta-feira (9), por meio de uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e publicada na rede Truth Social. Trump justificou a medida como retaliação tanto à “relação comercial muito injusta” com o Brasil quanto à acusação judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Trump ainda afirmou que os EUA vão iniciar uma investigação sobre supostas práticas comerciais desleais por parte do Brasil, com foco nas restrições impostas às atividades de empresas americanas no setor digital. A apuração, segundo ele, se justifica pelas “ações contínuas” do Brasil contra o comércio digital, o que adiciona um novo ponto de atrito à já delicada relação bilateral.

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O professor de Relações Internacionais Eduardo Mello destaca a relevância do mercado americano para os exportadores nacionais e pondera que a medida pode representar um duro golpe para o comércio exterior do Brasil.

“O mercado dos Estados Unidos é muito grande e um alvo estratégico para muitos produtores brasileiros. Se essas tarifas forem realmente implementadas, o impacto será significativo”, afirma Mello.

O professor pondera que há incertezas quanto à efetivação da medida. “Trump já anunciou tarifas no passado que não chegaram a ser aplicadas, principalmente porque acabam afetando o próprio consumidor americano. Por isso, ainda será preciso aguardar.”

Retaliação política com efeito limitado

Jackson Campos, especialista em comércio exterior, frisa que a tarifa é uma ação “simbólica” com pouco efeito prático. “Ao vincular tarifas protecionistas norte-americanas a um julgamento no Brasil, o presidente Donald Trump sinaliza uma retaliação simbólica, mas que é totalmente ineficaz do ponto de vista prático”, afirma.

Para Campos, o Judiciário brasileiro é independente e não se submete a pressões externas, o que faz dessa medida um gesto mais voltado ao eleitorado interno de Trump do que à política comercial de fato. “Quem perde é o povo americano, que nada tem com isso, e o empresário brasileiro, que terá que sobreviver com a insegurança jurídica e comercial”, completou Campos.

Humberto Aillon, especialista em gestão tributária na FIPECAFI, aponta que setores como petróleo, exportação de aeronaves, ferro, aço, café in natura e carnes devem ser os mais afetados. “Para o Brasil, a notícia é negativa, pois aumenta o custo de forma expressiva dos nossos produtos. O preço das ações de empresas impactadas será fortemente influenciado por uma possível redução nas vendas e demandas por novos pedidos”, afirma.

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O economista ainda avalia que a investigação aberta pelos EUA é parte de uma estratégia de equilíbrio tarifário, que mira países com incentivos à exportação. “Nada que não seja pautado em acordos definidos no passado. Mas, na prática, a principal punição para o Brasil será a majoração de tarifas e a consequente perda de atratividade dos nossos produtos na economia americana”, diz Aillon.

Júlio Miragaya, integrante da Comissão de Política Econômica do Cofecon, classifica a decisão de Trump como “um absurdo baseado em mentiras e intromissão”. Segundo ele, trata-se de um ataque à soberania brasileira, com misturas indevidas entre política e comércio. “A imposição de tarifas com base em motivos políticos é vedada pelo direito comercial internacional”, alerta.

De acordo com Vladimir Feijó, professor de Relações Internacionais do UniArnaldo Centro Universitário, de Belo Horizonte, os Estados Unidos estão em segundo lugar na relação comercial com o Brasil, atrás da China e quase empatado com a União Europeia, tendo movimentado nos cinco últimos anos uma média de US$ 75 bilhões. “Hoje o Brasil mais vende do que compra produtos para os Estados Unidos, então os reflexos serão diretos nas exportações”, disse. Para ele, a questão mais importante agora é saber qual será a resposta diplomática que o país dará. “Além disso, precisamos acompanhar se o Congresso brasileiro, com toda a pressão que está sofrendo sobre taxação interna, vai exigir ou não o cumprimento da lei que eles mesmos aprovaram de reciprocidade, pressionando o executivo de sobretaxar produtos americanos também”, disse.

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Reação do mercado 

O mercado financeiro brasileiro reagiu imediatamente ao anúncio. O Ibovespa futuro com vencimento em agosto caiu 2,23%, enquanto o dólar futuro subiu 1,76%, negociado a R$ 5,58. O índice à vista fechou em queda de 1,3%, e o dólar comercial encerrou o dia a R$ 5,50, alta de 1,06%.

“Os contratos futuros do Ibovespa recuaram no after hours e o dólar futuro para agosto já sobe e tudo indica que teremos efeitos de queda também na Bolsa e pressão no câmbio na abertura desta quinta-feira”, avalia Jorge Ferreira, professor de Finanças da ESPM.

Se as tarifas forem mesmo implementadas, setores exportadores como a indústria de base, têxtil e agronegócio devem sofrer prejuízos relevantes. O economista também alerta para o impacto no ambiente macroeconômico. “A alta na percepção de risco pode pressionar a curva de juros e o risco Brasil. Nesse cenário, o Banco Central pode ser forçado a reavaliar futuros cortes na Selic.”

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Para Ferreira, se a tarifa entrar em vigor efetivamente, poderemos ter uma desaceleração econômica por conta dessa queda das exportações. “Além disso, poderemos ter uma volta da alta do dólar, como resultado da aversão ao risco dos investidores.”

Na avaliação de Marcos Moreira, sócio da WMS Capital, a magnitude da tarifa surpreendeu o mercado e deve influenciar as projeções de crescimento do PIB. “Essas tarifas podem ter um efeito bastante negativo para o mercado, principalmente porque impactam diretamente as exportações. E isso, consequentemente, afeta o PIB e a balança comercial”, disse.

Moreira destaca que a conta da balança tem peso importante na fórmula do PIB, e que, caso as tarifas sejam mantidas, é possível haver revisão baixista na atividade econômica. “Nossa expectativa é de um dia de dólar em alta, curva de juros subindo e Bolsa em queda. O mercado tende a antecipar os possíveis efeitos dessas tarifas sobre a economia, o que gera um movimento de correção.”

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro