Soltura de André do Rap gera primeira crise do STF sob Fux; entenda o caso e suas consequências

Episódio expõe nova disputa por decisões monocráticas entre os ministros e atrito no tribunal em caso com forte apelo popular

Marcos Mortari

Os ministros Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Ricardo lewandowisk, durante julgamento da validade de prisão em segunda instância (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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SÃO PAULO – O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar, nesta quarta-feira (14), decisão do ministro Marco Aurélio Mello que libertou André de Oliveira Macedo, o André do Rap, apontado como um dos chefes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). A determinação foi posteriormente revogada pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, mas desde sábado (10) o traficante está foragido.

André do Rap estava peso temporariamente desde setembro de 2019, após passar cinco anos foragido, sem sentença condenatória definitiva. O traficante tinha duas condenações em segunda instância por tráfico internacional de drogas, com penas que somavam 25 anos, nove meses e cinco dias de reclusão em regime fechado.

Sua soltura foi justificada pelo ministro com base em novo trecho do Código de Processo Penal, no âmbito do pacote anticrime. Dentre outros pontos, o texto estabelece que a prisão preventiva deve ter duração máxima de 90 dias, exigindo reavaliação do juiz após o prazo, sob pena de se tornar ilegal.

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“O paciente está preso, sem culpa formada, tendo sido a custódia mantida, em 25 de junho de 2020, no julgamento da apelação. Uma vez não constatado ato posterior sobre a indispensabilidade da medida, formalizado nos últimos 90 dias, tem-se desrespeitada a previsão legal, surgindo o excesso de prazo”, escreveu Mello em decisão.

O ministro tem defendido que o CPP é claro quanto a esta regra e que decisões judiciais não podem variar ao sabor do réu. A soltura atendeu a pedido de habeas corpus apresentado pela defesa do traficante e foi derrubada poucas horas após sua validade. Em despacho, Fux disse que a medida “compromete a ordem e a segurança públicas” e listou quatro pontos para amparar sua revogação:

“Paciente 1) de comprovada altíssima periculosidade, 2) com dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacional de drogas, 3) investigado por participação de alto nível hierárquico em organização criminosa (Primeiro Comando da Capital – PCC), e 4) com histórico de foragido por mais de 5 ano”, afirmou.

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O episódio gerou um novo desconforto entre ministros e forte repercussão junto à opinião pública. O caso representa o primeiro atrito de grandes proporções na gestão de Fux, que assumiu a presidência do Supremo há pouco mais de um mês. Na semana passada, o magistrado havia gerado incômodo junto à ala “garantista” ao alterar regra para que ações penais fossem julgadas pelo pleno, e não mais pelas Turmas.

“Não existia poder de o presidente revogar decisões monocráticas de outros ministros do STF até a gestão Toffoli”, observa Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio em Vargas (FGV-SP) e coordenador do Supremo em Pauta.

O especialista lembra que um marco importante para essa nova forma de agir no tribunal foram as idas e vindas dos ministros sobre a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conceder entrevista a veículos de imprensa enquanto preso durante o processo eleitoral de 2018.

Na ocasião, Fux, à época vice-presidente do tribunal, suspendeu uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski autorizando Lula, preso por condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá (SP), a dar entrevista à imprensa. O caso foi parar nas mãos do então presidente do tribunal, o ministro Dias Toffoli, que manteve o impedimento.

Desde então, outras situações de ministros cassando decisões de colegas foram vistas, embora não sejam tão comuns no tribunal. Alguns dos episódios na memória de quem acompanha o Poder Judiciário envolveram a eleição suplementar para governador do Amazonas em 2017, a liberdade de condenados em segunda instância em 2018, o voto secreto nas eleições para a mesa diretora do Senado em 2019 e a venda de ativos da Petrobras no mesmo ano.

Para Glezer, o caso envolvendo André do Rap pode gerar um escalonamento das tensões dentro do tribunal. “Esse é um poder inédito no tribunal, e sujeito justamente a aumentar o grau de conflitualidade. O presidente se arrogou o poder de controlar as decisões monocráticas dos demais ministros. É claro que, em um ambiente como esse, podemos esperar um escalonamento do conflito”, pontua.

“Cada um vai usar seus poderes para evadir a competência do outro. Isso tende a gerar mais politização do Judiciário, mais instabilidade, gerar uma politização em torno da presidência do Supremo. Pode fragilizar ainda mais a situação do Tribunal, aumentando a percepção de que ele é político”, complementa.

O professor acredita que, ao submeter o caso rapidamente a plenário, Fux pode aumentar o nível de exposição do conflito entre os ministros. “Pode ser que o debate seja esquentado, com indiretas. Dizíamos que havia grande chance de a presidência de Fux lembrar a de Cármen Lúcia e está se encaminhando para essa confirmação: muita exposição, muito conflito, em nome de uma agenda de combate à corrupção. Vai jogar a própria instituição aos leões”, diz.

Do ponto de vista externo, a decisão do ministro Marco Aurélio gerou duras críticas da opinião pública por libertar um criminoso de alta periculosidade. Pressionado, Fux tentou agir rápido para reverter os efeitos da determinação de seu colega e decidiu revogar a medida. O resultado, no entanto, não foi suficiente para garantir o retorno do traficante à prisão e, internamente, gerou novo desgaste no tribunal. Magistrados viram a iniciativa como um gesto precipitado, que poderia ter sido evitado com revisão da decisão pela Primeira Turma, e um risco de concentração de poder nas mãos do presidente.

O episódio também joga contra os planos de Fux de retirar o Tribunal da arena política – meta assumida durante sua posse. “Assistimos, cotidianamente, o Poder Judiciário ser instado a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional. (…) Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no Parlamento. (…) Tanto quanto possível, os poderes Legislativo e Executivo devem resolver interna corporis seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões. Imbuído dessa premissa, conclamo os agentes políticos e os atores do sistema de justiça aqui presentes para darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, disse na ocasião.

Para a analista política Debora Santos, especialista em assuntos jurídicos na XP Investimentos, mesmo com o desconforto provocado pela ação de Fux, a tendência é que o episódio seja superado e a maioria dos ministros acompanhe a posição do presidente do tribunal.

“Fux é muito contrário a esse tipo de intervenção, mas houve realmente uma pressão nesse caso por conta do efeito que isso cria para todo o sistema de segurança pública do país”, observa.

“Mesmo com os ministros se incomodando com a interferência e diminuir essa prática, acho muito difícil o ministro Marco Aurélio ter maioria no plenário”, projeta.

A despeito da crise gerada, a analista acredita que Fux tende a ter uma gestão menos conflituosa. “A partir de amanhã o plenário vai dar uma decisão e vamos ter o assunto, de certa forma, pacificado. Tenho certeza que a questão não vai ser muito fácil, mas o ministro Fux está em um empenho muito grande de pacificar as coisas e não dar muita oportunidade para desentendimentos”, diz.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.