Sob forte pressão progressista, Michel Temer dependerá da economia para sobreviver

Em entrevista ao InfoMoney, a cientista política e professora Denilde Holzhacker analisa os primeiros passos do governo interino de Michel Temer

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Com 13 dos 23 ministérios ocupados por deputados ou senadores, o presidente interino Michel Temer tem dado grande atenção à governabilidade na composição da equipe que assume enquanto Dilma Rousseff responde a processo de impeachment no Senado Federal. Ao contrário do que antes se pensou, “notáveis” não ganharam espaço no comando das pastas, provavelmente por conta das dificuldades que o governo peemedebista enfrentaria no parlamento para conseguir ter sua agenda apoiada, em um momento de grandes desafios nos campos político e econômico.

Essa é a avaliação da cientista política Denilde Holzhacker, professora do curso de Relações Internacionais ESPM. Para ela, a ampla participação de nomes do parlamento no Executivo reflete duas estratégias: comprometer os partidos no Congresso a assumirem a agenda de transição a ser proposta, com foco no saneamento das contas públicas e a volta do crescimento, e dar aos partidos maior espaço na tomada de decisões públicas. Isso favorece maior articulação e diálogo ao peemedebista. “Está claro para ele que é necessário construir maioria para se ter agenda produtiva”, explica. Ao mesmo tempo, o atual comandante buscou mostrar esforço no enxugamento da máquina pública com a redução do número de ministérios, agenda de significativa pressão da opinião pública, mas que demanda cuidados em um momento em que se busca apoio parlamentar em um Legislativo altamente fragmentado.

A especialista diz que conciliação, diálogo e unidade foram as principais marcas que Michel Temer procurou deixar em seu primeiro pronunciamento à nação como presidente interino, sobretudo visando agradar os grupos que tanto o apoiaram no êxito da tramitação do impeachment contra a titular da chapa até o momento. “A nomeação de Henrique Meirelles para o ministério da Fazenda foi aceita e reconhecida pelo mercado, assim como o segundo escalão, que tem sido acompanhado como boas escolhas. Para os agentes do mercado, parece que há um consenso nessa sinalização”, exemplifica.

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“O governo Temer tem um diagnóstico e uma pauta de prioridades. A grande mensagem foi que o país passa por um momento difícil, que se tem noção da gravidade, mas que o país precisa manter as instituições e que o processo democrático deve prevalecer sem rupturas”, complementa. Embora seja vice-presidente reeleito em chapa com Dilma Rousseff, Temer tem mais facilidade em desenhar o cenário da crise, em maior sintonia com a atual percepção da sociedade, em meio ao aumento do desemprego e o quadro recessivo em que o país se encontra. “Se ele não dissesse que o quadro era ruim, não seria necessária retenção e ajuste”. Trata-se de um passo importante no sentido de conquistar o apoio do benefício da dúvida. A pauta das concessões e privatizações, menor papel do Estado e mudanças nas relações comerciais brasileiras, porém, não são facilmente apoiadas pelos mais diversos atores da cena política e social.

“Por outro lado, no processo de negociação com o Congresso, há uma forte tendência conservadora. O que se percebeu é que elas foram, de certa forma, atendidas. Alguns indicados têm perfil mais conservadores que os que antes estavam no comando das pastas”, pondera Denilde. Em seu discurso, o vice-presidente fez algumas referências à religião e a deus, em um gesto que foi entendido como destinado à bancada evangélica, importante grupo de apoio ao governo que assumiu. A especialista lembra ainda o próprio slogan adotado (“Ordem e progresso”) como um aceno a grupos que contribuíram em sua ascensão, que entendem que o país estava em desordem, sem controle e sem liderança.

Embora tenha se referido respeitosamente à presidente afastada e tentado acalmar grupos que não reconhecem sua legitimidade como interino, Temer deverá enfrentar um ambiente tensionado em nível social. “Mesmo que ele venha a acenar, esses grupos não tendem a estar dispostos a dialogar. Vai depender muito também da capacidade de os ministros mostrarem as políticas que serão feitas”, indicando se os cortes de ministérios sociais indicarão apenas medidas administrativas ou restrição de agenda, aposta Denilde.

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O fato de o ministério ser composto exclusivamente por homens brancos e de cabelos brancos, pouco representativo da diversidade social e cultural do país, pode prejudicá-lo no diálogo com quem não via o impeachment contra Dilma como mecanismo legal. “O Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. Existe mais canais de pressão e organização. Percebemos que há mobilização. O presidente em exercício terá de saber lidar com essas novas formas de participação. Não será fácil para ele”, observa a professora da ESPM. Com a coalizão estruturada, existe o receio de que haja retrocessos no campo social, sobretudo nos direitos individuais e das minorias, caso de políticas de cotas raciais e direitos humanos.

É possível que o maior atrito, porém, ocorra no campo da segurança e respeito às liberdades. Nesse sentido, a professora lembra da nomeação de Alexandre de Moraes para o ministério da Justiça. O tucano foi secretário de segurança pública da gestão Geraldo Alckmin, em São Paulo, e ficou manchado pela conduta das forças policiais contra manifestações populares como as que pediam a abertura de uma CPI da Merenda na Assembleia Legislativa. A garantia da liberdade de expressão, inclusive, tem sido um dos elementos presentes na fala de Dilma em sua defesa e contra o governo que entra. Denilde não descarta a possibilidade de eventuais problemas de Temer com o respeito às mais variadas formas de protesto serem usados pela presidente afasta em seu discurso que critica um golpe de que teria sido vítima. Eventual repressão pode ser argumento para corroborar como uma retórica que aponte para, em última instância, um regime de exceção. Ainda nessa linha, a recente Lei Antiterrorismo (sancionada pela própria petista) pode trazer ainda mais elementos de tensão para o momento.

“O presidente Temer precisa conquistar a opinião pública geral. Pelo discurso de ontem e a forma de discurso do Meirelles, o governo percebeu que, se der respostas rápidas no plano econômico, consegue conquistar apoio da população e outras agendas sejam contrabalanceadas. Quanto mais fácil ele conseguir resultados positivos, mais fácil vai ser esse diálogo”, argumenta a professora. No final das contas, boa parte da legitimidade do governo Temer se dará na economia. Caso consiga oferecer perspectivas mais agradáveis para a população e atores econômicos, o presidente interino dificilmente sairá antes de 2018. “A pressão progressista em algumas agendas vai ser forte. Mas, com opinião pública favorável, ele consegue maior poder de diálogo e apoio desses grupos conservadores. Vai ser um governo com pouco tempo para mostrar resultado”, conclui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.