Só a política pode conter a deterioração da economia, diz Zeina Latif

Economista-chefe da XP Investimentos diz que não há nenhum gatilho que possa acelerar o crescimento da economia além de uma expectativa de que o próximo governo será diferente do atual - independente de quem seja o vencedor

João Sandrini

(Divulgação)

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(SÃO PAULO) – Só uma mudança política relevante pode evitar que a economia brasileira continue a ter um desempenho fraco em 2014, segundo Zeina Latif, nova economista-chefe da XP Investimentos. Zeina – que fez doutorado em Economia pela USP e já trabalhou em bancos como RBS, ING, Real e HSBC – afirma que não há gatilhos que possam dar um alento à combalida economia, uma vez que os empresários continuam pouco confiantes e que o governo não tem mais espaço para adotar políticas anticíclicas. A mudança desse clima negativo depende de sinais de que o próximo governo será diferente do atual – mesmo que Dilma se reeleja. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

FRAQUEZA GENERALIZADA

Acredito que o Brasil não vai entrar em recessão agora porque a queda do PIB de 0,5% no terceiro trimestre foi parcialmente influenciada por uma redução de estoques. O número do quarto trimestre deve ser positivo, embora não expressivo. Os dados já conhecidos, de outubro, apontam para isso. Neste ano, o crescimento deve ser de 2% a 2,5%. Em 2012, foi de 1%. Alguém pode achar que o Brasil está ganhando tração porque o resultado deste ano será melhor, mas não vejo assim. Em 2012, houve um problema muito localizado na indústria e nos investimentos devido a problemas na Argentina e no setor de caminhões. Agora o número do PIB em si é maior, mas o enfraquecimento é mais disseminado. O setor de serviços enfraqueceu. A taxa de desemprego está praticamente estável em um patamar baixo, mas por outro lado não está havendo geração de empregos e começo a ver uma tendência de deterioração. Não há um gatilho capaz de reverter essa dinâmica mais fraca. Os juros estão em alta. Não há espaço fiscal para políticas anticíclicas, já que o Brasil pode ser rebaixado pelas agências de classificação de risco. Os bancos públicos já começaram a desacelerar. O BNDES teve queda no estoque de crédito nos últimos dois meses. Então é uma economia mais fraca e sem gatilhos de reversão. Acredito que o PIB cresça 2% a 2,5% em 2014, mas com a chance de uma surpresa negativa devido à alta dos juros ou a um eventual problema externo. O crescimento econômico mundial pode ser melhor, mas o Brasil está muito isolado nas cadeias de comércio global. Então será que o país vai conseguir se apropriar desse melhor cenário lá fora? Tenho dúvidas em relação a isso, ainda mais porque o comércio global não está reagindo.

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A CHAVE É A POLÍTICA

Tem um fator político que precisa ser monitorado, que talvez não mude muito os números, mas que poderia mudar o clima e aumentar a confiança dos agentes econômicos. A política terá um papel fundamental em 2014. É o único gatilho possível de reversão porque os outros não serão fortes o suficiente para essa mudança. Com um clima político melhor, o risco Brasil cai, o câmbio terá menor pressão, os juros poderão voltar a cair. A dinâmica do mercado financeiro traria uma contribuição positiva para o lado real da economia. Tem muitos analistas, incluindo eu mesma, que acham que uma parte do rebaixamento do Brasil pelas agências de avaliação de risco já está precificada. Então se o governo conseguir afastar esses temores, tudo isso tende a ser bem precificado na curva de juros e no câmbio, com benefícios na economia. A magnitude desse efeito vai depender da política, dos sinais que virão por aí.

MUDANÇA NO SALÁRIO MÍNIMO

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O sinal principal que o governo precisa dar é na política fiscal. É necessário perseguir metas mais ambiciosas, desfazer isenções tributárias pouco eficazes e reavaliar a política de reajuste do salário mínimo. O aumento vinculado ao PIB mais a inflação torna o Orçamento muito rígido e eleva as despesas todos os anos. Não que eu espere que um candidato que tenha chance de vencer a eleição vá falar que vai mexer na política de reajuste do salário mínimo às vésperas de o povo ir às urnas. Mas se ele falar quem vai colocar no Ministério da Fazenda, e essa pessoa for forte e respeitada pelo mercado, a gente já terá uma ideia do que vai ser colocado em discussão mais à frente. Se começam a aparecer nomes para a Fazenda, isso já é um sinal. Quem seriam os conselheiros do(a) próximo(a) presidente? Isso já pode ser uma mudança importante.

DILMA 2

A Dilma passa a impressão que tem visões fortes em relação ao funcionamento da economia. Certamente há pessoas que funcionam como interlocutores, mas a impressão que fica é que a palavra final é dela, com muita influência da visão pessoal dela. Mas também não dá para dizer que essas políticas de desoneração e de intervenção no câmbio eram uma agenda dela, e não de parte do nosso setor privado. Havia uma parte do lado real da economia que queria essa agenda. Então não é que a Dilma não ouviu ninguém e que a agenda não teve o apoio de ninguém. Mas ela ouviu uma parcela do setor privado que não era o pessoal mais liberal. Pode parecer uma contradição porque quem decide é ela, mas, para o próximo mandato, o mercado espera uma substituição do [Guido] Mantega [ministro da Fazenda] e do Arno [Augustin, secretário do Tesouro]. É um desejo do mercado, mas isso não está nos preços. A autoridade fiscal precisa ter credibilidade porque, a partir daí, é possível melhorar a percepção de risco do país e influenciar a formação de preços dos ativos. Quando há fragilidade nesse quadro, quando há uma política fiscal que não contribui para o crescimento do Brasil, aí substituições no time poderiam ajudar a coordenar as expectativas de mudança mais à frente. Chegamos a um grau de piora de credibilidade que o ministro diz que vai ter melhora fiscal, que vai ter mudança na política dos bancos públicos, mas o mercado não acredita. Minha avaliação é que tem algum aprendizado que determinadas políticas se mostraram contraproducentes, ainda que o governo não vá assumir isso às vésperas da eleição. Quando começar a discutir como vai ser o próximo mandato, acho que o governo vai buscar nomes que tenham mais aceitação junto ao mercado. O substituto teria que ser alguém forte, é fato. Difícil dizer quem seria bom o suficiente para os mercados e que seria viável dentro de um governo petista. O Jorge Gerdau já tem sido um conselheiro dela, assim como o Josué [Gomes da Silva, filho do ex-vice-presidente José Alencar e controlador da Coteminas], mas não vejo um nome claro. O “timing” da mudança deve depender do ambiente econômico. Não vejo a tempestade perfeita prevista pelo Delfim [Netto, que teme o rebaixamento do rating do Brasil ao mesmo tempo em que o Federal Reserve estará retirando os estímulos monetários nos Estados Unidos]. Mas dependendo do grau de piora, o governo pode começar a lançar balões de ensaio sobre as mudanças. Quanto mais piorar, mais rápidas devem ser as substituições. Se a Dilma começar a ver sua candidatura ameaçada, com outro patamar de câmbio, de risco, de apetite dos investidores estrangeiros, ela vai ter pressa em sinalizar o que vai ser o próximo governo. O cenário alternativo é melhor do que o cenário básico.

OPOSIÇÃO

Aécio Neves e Eduardo Campos seriam bem recebidos pelo mercado. Uma vantagem do PSDB é ser um partido mais estruturado, com mais musculatura, mais quadros. Mas penso que o Eduardo Campos conseguiria atrair talentos também. Não acho que eles seriam liberais ao extremo porque isso não está no DNA do Brasil. Mas, neste momento, diferentes graus de liberalismo fazem diferença. O Brasil tem tantas distorções que, mesmo que o governo passe medidas aparentemente de efeito marginal, isso geraria um grande efeito na economia. A gente pode manter a rede de proteção social, mas começar a recalibrá-la. O grau desse ajuste é incerto, mas é nos momentos mais difíceis que a gente consegue avançar nas agendas.

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