Senadores alertam ministra para risco de nova versão do arcabouço cortar fundo da ciência

Dispositivo sugerido pelo relator, deputado Claudio Cajado, prevê o contingenciamento de recursos no caso de descumprimento de metas fiscais

Agência Senado

Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa (Foto: Pedro França/Agência Senado)

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O novo arcabouço fiscal pode provocar o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O alerta foi feito nesta quarta-feira (17) por senadores que participaram de audiência pública com a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. Ela esteve em reunião conjunta das comissões de Ciência e Tecnologia (CCT), Educação (CE) e Infraestrutura (CI).

O arcabouço fiscal tramita na Câmara dos Deputados como projeto de lei complementar (PLP) 93/2023. O relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou um substitutivo ao texto original, encaminhado em abril pelo Poder Executivo. Um dispositivo sugerido por Cajado prevê o contingenciamento de recursos no caso de descumprimento de metas fiscais.

Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), a medida pode comprometer o FNDCT. Durante a audiência pública com a ministra Luciana Santos, o parlamentar cobrou a aplicação integral dos recursos, que somam R$ 9,96 bilhões em 2023.

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“Agora me preocupa o arcabouço fiscal. Queria que os técnicos do ministério [da Ciência] analisassem com lupa. Vários pontos foram excluídos do contingenciamento, mas não está explícita a questão do FNDCT. Isso dá margem a interpretar que ele poderá ser contingenciado. A gente tem que ter um cuidado muito grande, para que não dê margem nenhuma de contingenciamento. Sabemos a importância disso”, alertou Izalci Lucas.

O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que não há orientação do Palácio do Planalto para o contingenciamento de recursos do FNDCT. Ele lembrou que uma medida provisória (MP 1.136/2022) editada em agosto passado pelo então presidente Jair Bolsonaro bloqueou recursos do fundo. Mas salientou que um projeto de lei (PLN 1/2023) enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aprovado por senadores e deputados recompôs os recursos.

“A história de contingenciamento na regra fiscal está sendo colocada pelo Parlamento, lá na Câmara. A orientação do presidente Lula é acabar com essa história de gasto e falar em investimento. No passado, foram retirados R$ 4,18 bilhões com a medida provisória. Com o projeto de lei, nós recompusemos. Estou de pleno acordo em relação a não termos contingenciamento, em especial sobre os recursos da ciência e tecnologia”, afirmou.

A MP 1.136/2022 perdeu a eficácia em fevereiro deste ano, sem sequer ser votada por senadores e deputados. A ministra Luciana Santos classificou a medida provisória do governo Bolsonaro como um “corte drástico” no FNDCT. Ela evitou responder aos questionamentos sobre um eventual contingenciamento do fundo provocado pelo novo arcabouço fiscal. Mas disse que a pasta tem a intenção de liberar recursos “com celeridade”.

“Por meio do PLN 1/2023, tivemos a recuperação de R$ 4,18 bilhões do fundo. É motivo de grande festa na comunidade científica acadêmica e do setor produtivo poder contar com R$ 9,96 bilhões em 2023. Foi possível liberar R$ 1 bilhão até 14 de abril. Estamos conseguindo fazer a execução com celeridade. O volume chega a ser mais que o dobro do valor desembolsado no período anterior. Nessa primeira leva, apoiamos projetos inovadores de empresas no agronegócio, nos alimentos e nos combustíveis sustentáveis”, destacou.

Exclusão digital

O presidente da CCT, senador Carlos Viana (Podemos-MG), pediu à ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação a melhoria “nos parâmetros de conectividade da população”. Ele disse que, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quase 20 milhões de cidadãos não têm cobertura de internet.

“A exclusão digital leva a defasagem no processo de aprendizagem de nossos estudantes, dificulta a geração de emprego e renda e deteriora a qualidade de vida. É um problema cuja solução depende de uma boa vontade política e reforço orçamentário. Segundo Anatel e BID, com investimento de 9,5 bilhões de dólares, o Brasil conseguiria conectar 98,2% da população. É um valor significativo. Contudo, o montante se torna pequeno ante a perspectiva de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) que tais investimentos ensejariam. Esse incremento poderia ser de mais de 2,4% do PIB. Logo, não estamos tratando de um gasto infrutífero, mas de investimento com retorno garantido”, afirmou.

Fuga de cérebros

O presidente da CI, senador Confúcio Moura (MDB-RO), defendeu mais investimentos do Poder Executivo para manter os pesquisadores no país.

“O Brasil é um país que vai aos solavancos: o que um governo faz o outro sempre se preocupa em desfazer. É um vai-e-volta permanente, e isso tem desanimado muitos pesquisadores brasileiros, que vão pouco a pouco se desiludindo com o nosso próprio país. Os maiores expoentes da pesquisa terminam saindo para outros cantos do mundo. Isso para nós é um prejuízo extraordinário”, disse, referindo-se à chamada “fuga de cérebros”.

A ministra Luciana Santos reconheceu que o Brasil vive um paradoxo: enquanto já esteve entre as dez maiores economias do mundo, é um dos países mais desiguais do planeta, inclusive quanto à inclusão digital e à inovação. Ela destacou que, nos primeiros quatro meses de mandato, buscou desenvolver ações focadas emergencialmente na recuperação da capacidade científica do país, com reajustes para os pesquisadores.

“Após dez anos sem reajuste, reajustamos as bolsas da carreira científica. Essa medida representa um investimento de R$ 2,32 bilhões na correção dessa defasagem. Além do reajuste, vamos garantir uma ampliação de bolsas de iniciação científica e produtividade. Neste ano, vamos conceder 10 mil novas bolsas. Com isso, estamos garantindo R$ 150 milhões para o fomento à pesquisa científica”, afirmou.

Desastres naturais

A senadora Teresa Leitão (PT-PE) questionou a ministra Luciana Santos sobre ações na prevenção de desastres naturais, como enchentes e deslizamentos de terra.

“A gente tem tido desastres naturais com mais frequência. Somos cruelmente atingidos, porque são as populações mais vulneráveis que geralmente estão envolvidas. Quais as perspectivas de melhorar o sistema de monitoramento para torná-lo mais eficiente e salvar mais vidas?”, indagou.

Segundo Luciana Santos, a pasta pretende ampliar o alcance do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

“Isso é uma combinação entre os eventos climáticos e as condições subnormais em que vivem as concentrações urbanas. Mais de 80% da população brasileira vive nos centros urbanas e vive em condições subnormais: em morros ou alagados. Até o final do mandato, nossa meta é ampliar o sistema de monitoramento e alerta para 1.835 municípios. Isso vai corresponder a 70% da população brasileira, exatamente a parte mais adensada, onde ficam os centros urbanos e onde temos os maiores riscos de perda de vidas”, afirmou.

Agenda legislativa

Durante a audiência pública, Luciana Santos defendeu a aprovação de algumas matérias em tramitação no Senado. O primeiro item citado pela ministra foi o projeto de lei (PL) 2.338/2023, do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O texto regula o uso da inteligência artificial e aguarda distribuição para as comissões permanentes.

“Achamos que o projeto é muito relevante para criar marcos numa área que tem que ter controle, por motivos óbvios, pelo que impacta na mudança da vida das pessoas”, disse Luciana Santos.

A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação defendeu ainda a aprovação do PL 1.878/2022, da Comissão de Meio Ambiente (CMA), e do PL 725/2022, do ex-senador Jean Paul Prates (RN). As duas matérias regulam a produção e o uso do hidrogênio verde para fins energéticos.

O PL 1.878/2022 deve ser analisado pela comissão especial de políticas públicas sobre hidrogênio verde (CEHV), instalada em abril deste ano, antes de seguir para a CI. O PL 725/2022 aguarda relatório do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) na CMA.

O presidente da CEHV, senador Cid Gomes (PDT-CE), defendeu a regulação do tema. Para ele, o hidrogênio verde não deve ser usado como um item de exportação do Brasil, mas como parte da matriz energética do país.

“O hidrogênio verde é um combustível que, diferente dos outros, não emite carbono porque a queima é só do hidrogênio. Ele é uma das alternativas na transição energética no mundo. Na Europa, eles já têm um cronograma: para 2030, o objetivo é de que 55% da matriz elétrica da Comunidade Europeia seja de origem renovável. Isso inclui hidrelétrica, eólica, solar. Mas fundamentalmente a que tem maior tendência de crescimento é a utilização do hidrogênio verde”, afirmou.

Luciana Santos também recomendou a aprovação do PL 776/2019, do senador Chico Rodrigues (PSB-RR). O texto permite a dedução no Imposto de Renda de doações feitas a projetos de pesquisa científica e tecnológica. A matéria aguarda designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

A audiência pública conjunta foi sugerida pelos presidentes da CCT, senador Carlos Viana, e da CI, senador Confúcio Moura, além do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP). Também participaram do debate os senadores Augusta Brito (PT-CE), Omar Aziz (PSD-AM), Rodrigo Cunha (União-AL) e Wellington Fagundes (PL-MT).

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