Senado vota hoje legalização de jogos de azar: salvação do rombo ou estímulo à corrupção?

Quem é a favor da proposta destaca a expectativa de arrecadação de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões, enquanto os que são contra alertam para o risco de crimes relacionados à lavagem de dinheiro

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Está marcada para esta quarta-feira (6) a votação no Senado do projeto que pode liberar os jogos de azar no Brasil. O principal argumento de quem defende o projeto é o potencial de arrecadação para os estados e para a União, mas a discussão vai muito mais longe. Proibidos no Brasil há 70 anos, os jogos de azar, como cassinos, bingos, jogo do bicho e vídeojogos foram banidos do país por conta da facilidade que trazem para a lavagem de dinheiro.

Sempre que o governo passa por uma crise de arrecadação, como está acontecendo agora, a discussão sobre a liberação de jogos de azar entra em pauta como uma forma de ajudar a aliviar o cenário. O presidente do Senado, Renan Calheiros, colocou a votação na casa em regime de urgência e poderia representar uma arrecadação “extra” para o governo entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões.

Caso seja aprovado, passariam a ser liberados no Brasil atividades de cassinos, jogo do bicho e bingos, inclusive o funcionamento de máquinas de vídeo-bingo e caça-níqueis se tornariam legais. Por outro lado, jogos de aposta via internet continuariam proibidos. O projeto autoriza o funcionamento de casas de bingo em estabelecimentos próprios, em jóqueis clubes e também em estádios de futebol com capacidade de 15 mil lugares. A proposta também autoriza os estados a criarem suas próprias loterias, o que é proibido desde 1967.

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O projeto é de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que é investigado pela Lava Jato, com um texto substitutivo do senador licenciado Blairo Maggi (PR-MT). Nele está estabelecido que, em cada município, será credenciada no máximo uma casa de bingo a cada 150 mil habitantes. Os cassinos funcionarão junto a complexos turísticos construídos especificamente para esse fim, juntamente com hotéis e restaurantes. A ideia, diz Blairo Maggi, é contribuir para a geração de empregos e fortalecer a política de desenvolvimento regional por meio do turismo.

Nogueira defende que o Estado deve apenas criar regras para disciplinar e fiscalizar a exploração dos jogos de azar no país. Segundo o senador, é “incoerente” dar um tratamento diferenciado para o jogo do bicho e, ao mesmo tempo, permitir e regulamentar modalidades de loteria federal. De acordo com Nogueira, apesar de proibidas, as apostas clandestinas movimentam mais de R$ 18 bilhões por ano no país.

Pelo texto aprovado na comissão especial, serão estabelecidos requisitos de idoneidade para todos os sócios da pessoa jurídica que detiver os direitos de exploração de jogos de azar. Detentores de mandatos eletivos e parentes em primeiro grau, além do cônjuge ou companheiro, serão proibidos de atuar no setor. 

O CEO (Chief Executive Officer) do site BetMotion.com, Leonardo Baptista, é um defensor da legalização dos jogos e, em artigo recente, destacou a expectativa de aumento de receitas e impostos, além da possibilidade de criar novos empregos e desenvolver o turismo em áreas necessitadas.

“Estima-se que a legalização dos jogos de azar pode gerar 400 mil novos postos de trabalho diretos e ainda outros tantos indiretamente, visto que nos EUA para cada uma vaga de trabalho aberta pelo jogo, são criados 1,9 empregos indiretos. Essa não seria a solução definitiva, mas já seria um grande passo para o recomeço e o aquecimento da economia brasileira”, afirma ele.

Durante uma das audiências realizadas na Câmara dos Deputados sobre o tema, o especialista em economia da cultura e em desenvolvimento econômico local, Luiz Carlos Prestes Filho, defendeu a regulamentação dos cassinos, dos bingos e do jogo do bicho. Na avaliação dele, a medida representaria um avanço na democracia, com o reconhecimento dos direitos individuais e coletivos da sociedade.

“Por que impedir a gestão de empresas nacionais e estrangeiras no campo de jogos? Por que não retirar da Caixa Econômica Federal a exclusividade no campo das apostas em dinheiro?” indagou. “Aliás, por que é permitido aos brasileiros ficar em filas para fazer sua fé em bilhetes de loteria em pequenas lojas espalhadas por todo o território nacional e não lhes proporcionar o direito de frequentar cassinos, bingos e outras infraestruturas?”, afirmou Prestes Filho.

Já Baptista cita exemplos do exterior, ressaltando que os cassinos mais famosos do mundo recebem milhões de turistas dispostos a gastar e fazer compras, como é o caso de Las Vegas, que recebe 41 milhões de visitantes por ano, assim como Macau, que recebe 31 milhões. “Temos que nos espelhar nesses países e aprender com seus acertos. Em Macau, por exemplo, existe uma lei em que 90% da mão de obra dos empreendimentos são preenchidas obrigatoriamente por moradores locais. Por conta disso, empresários investem na qualificação do trabalhador local, gerando mais renda, desenvolvimento, educação e crescimento cultural para o país”, afirma Baptista.

Lavagem de dinheiro
Por outro lado, quem é contra o projeto acredita que será muito difícil fiscalizar estas atividades, o que abre espaço para o aumento da lavagem de dinheiro. “Esse também é um meio muito fácil para lavagem de dinheiro, é um meio muito fácil e muito interligado ao tráfico de drogas, ao tráfico de armas, então essas ponderações todas têm que ser feitas na hora de analisar o projeto”, destacou a senadora Vanessa Grazzioni (PCdoB-AM).

Já o economista Mauro Salvo, acredita que os jogos de azar são vulneráveis à criminalidade, ressaltando que o principal problema é a criação de um novo mecanismo para lavagem de dinheiro. “O problema é a grande dificuldade de monitoramento e fiscalização por uma série de características próprias do setor, como o uso de dinheiro vivo em grande parte das transações, com grandes quantidades de pessoas gastando pequenas quantias”. Com isso, é relativamente fácil forjar prêmios e há uma grande complicação para os órgãos realizarem investigações. Assim, avalia o economista, mesmo com a regulamentação, manter a operação constitui um risco elevado.

De acordo com o projeto, será criada uma agência reguladora federal para fiscalizar a atividade dos cassinos, bingos, jogo do bicho e máquinas de jogos. As casas de jogo deverão, ainda, estar conectadas via internet ao órgão federal. Já as máquinas de jogos devem ser periciadas por entidade internacional. Além disso, as apostas não poderão ser feitas com dinheiro em espécie.

O próprio Ministério Público também é contra o projeto, afirmando que acha que em vez de garantir o aumento de arrecadação, pode incentivar a lavagem de dinheiro e o crime organizado, justamente o que se tenta combater neste momento. Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, o Brasil também não teria meios para uma fiscalização rígida.

“A criação de um órgão específico não é viável, em poucos lugares do mundo em que os jogos existem com esse órgão especifico, são situações localizadas de jogo e não espalhadas pelo país inteiro. Em momentos em que há uma crise, uma crise fiscal, se vem com um argumento muito fácil, ‘olha, tem uma forma fácil de arrecadar aqui’, para aproveitar, digamos, a fragilidade da opinião pública e das instituições públicas naquele momento”, diz Robalinho.

Salvo critica o projeto original de Ciro Nogueira e afirma que ele parece ter sido escrito por um lobista do setor, sem que houvesse alterações pelo parlamentar. “A regulação da atividade que consta no projeto é muito vaga, deixando margem para mudanças que nem passariam por votações no Congresso”, avalia. Ele reforça ainda que em muitos países, o jogo é legalizado, mas com diversas restrições, como no caso do Canadá, em que o bingo é legalizado apenas para fins não-lucrativos.

Entre outros pontos a serem considerados, Salvo ressalta que a expectativa é de que haja uma arrecadação muito abaixo que o estimado para diminuir o rombo fiscal, enquanto os custos superam os benefícios. Além disso, há um custo social, já que os jogos de azar podem causar dependência: em 1992, o vício em jogatina entrou oficialmente no rol de patologias no Código Internacional de Doenças, estabelecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Há discussões sobre se a liberação do jogo estimula o vício ou não.

Caso seja aprovado pelo plenário do Senado, o texto depois será encaminhado para a Câmara. Os deputados também criaram uma comissão para analisar a legalização dos jogos de azar.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.