“Se Temer fracassar, não haverá apoio popular que o respalde”, diz Thiago Vidal

Em entrevista ao InfoMoney, coordenador do núcleo de análise política da Prospectiva Consultoria avalia as primeiras semanas do governo provisório, entre o voto de confiança dos agentes econômicos e o remanescente ceticismo das ruas

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A convocação de um “time dos sonhos” do mercado financeiro e setor produtivo para o comando da política econômica em tempos de crise tem garantido um voto de confiança dos principais players ao presidente interino Michel Temer, ao passo que a distribuição de ministérios entre a ampla base construída no parlamento autoriza o peemedebista a avançar sobre discussões políticas de maior complexidade. Essa é a leitura que faz Thiago Vidal, coordenador do núcleo de análise política da Prospectiva Consultoria. Apesar das primeiras avaliações positivas da gestão que caminha para seu segundo mês, o especialista pede cautela para o otimismo gerado com os resultados das primeiras medidas postas em votação no Legislativo.

“O apoio político não necessariamente é percebido nas ruas. O presidente em exercício corre o risco, se eventualmente fracassar, de não ter apoio popular que o respalde”, pondera. Para Vidal, é o desempenho da economia que definirá os rumos do governo que tende a se efetivar, com o esperado afastamento definitivo da presidente eleita Dilma Rousseff. A expectativa é que Temer consiga, com o tempo, buscar maior popularidade na medida em que aprove reformas estruturantes e se conecte mais com a voz das ruas, propondo também a transição para uma agenda positiva.

No entanto, a “sarneyzação” segue uma realidade no sistema político brasileiro, com a crise de lideranças e a ampla fragmentação partidária no Congresso impondo duros desafios à governabilidade. A imponderável Operação Lava Jato e o futuro de Eduardo Cunha são variáveis que complementam a análise de uma conjuntura turbulenta ao governo que assumiu provisoriamente em maio. As expectativas para o futuro do governo Temer, a atuação do PT na oposição e a necessidade de reinvenção do partido, além do cenário aberto que se desenha para a disputa presidencial em 2018, foram assunto da entrevista concedida pelo especialista ao InfoMoney. Confira os melhores momentos:

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InfoMoney – Quais são suas primeiras leituras sobre o governo Temer?
Thiago Vidal – Tenho uma avaliação positiva, sobretudo do ponto de vista do equilíbrio político, da governabilidade. Primeiramente, chamaria atenção para o fato de ter sido difícil acomodar cerca de 70% da composição do Congresso na Esplanada dos Ministérios. É uma composição bastante plural, muito semelhante àquela do governo Dilma, exceto por conta dos partidos que saíram e entraram. No geral, é um governo que se assemelha ao anterior pela heterogeneidade da base.

Observando-se a quantidade de parlamentares de partidos que possuem ministros, há 356 deputados, o que corresponde a 70% da Câmara, e 61 senadores, ou 75% do Senado. Ambos os percentuais já são suficientes para que o governo consiga aprovar propostas de emenda à Constituição. Apesar de já ter possibilitado vitórias importantes, esse apoio no Congresso ainda precisa ser visto com ressalvas. O apoio político não necessariamente é percebido nas ruas. O presidente em exercício corre o risco, se eventualmente fracassar, de não ter apoio popular que o respalde.

O terceiro ponto é o voto de confiança que o presidente em exercício tem recebido do setor produtivo. Temer tem proposto medidas que visam a recuperação do crescimento econômico, com a nomeação de uma ‘equipe dos sonhos’ para os setores produtivo e financeiro, e através de políticas como a blindagem e a consolidação das agências reguladoras, além da reformulação do sistema de financiamento de concessões.

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IM – Na reta final do processo que culminou no afastamento da presidente Dilma Rousseff, observou-se uma maior aproximação dos setores produtivo e financeiro. Existiria hoje uma harmonização entre as pautas desses atores? Se sim, quais efeitos podem ser esperados para o governo Temer?
TV – O sucesso do governo Temer é benéfico para ambos os segmentos e pode explicar uma convergência muito mais pragmática do que programática.

IM – Pela economia, acredita-se que o presidente interino seja capaz de angariar maior popularidade. Existe a possibilidade de o governo fugir daquilo que se convencionou chamar de “sarneyzação”?
TV – A popularidade não é dada, depende da capacidade do presidente em exercício conduzir suas propostas. É importante destacar a diferença entre a agenda do governo interino e aquela do que poderá vir a ser um governo efetivo. A primeira, que deve se estender pelos próximos três meses, é a agenda de ajuste. Essa é a explicação para a atual acomodação dos ministérios, com pastas livremente cedidas sustentando Ministério da Fazenda, Banco Central, Secretaria da Presidência e Ministério do Planejamento.

As medidas anticrise tendem a se esvair ao final da interinidade. Uma vez confirmado como governo efetivo, a tendência é que a agenda passe a ser mais positiva. Em vez de reformas administrativas e fiscais, a agenda deve ser substituída por outra de reforma trabalhista, tributária, de melhoria de ambiente de negócios, comércio exterior etc. A questão da “sarneyzação” está colocada e vai depender da capacidade de o presidente em exercício não só pautar essas agendas, como votá-las, conectar-se com as ruas e mostrar resultados a médio e longo prazos, além de contornar possíveis variáveis como a Operação Lava Jato.

IM – O senhor acredita que as medidas do ajuste serão tomadas antes, ainda na gestão interina, e uma agenda positiva entrará em vigor com a eventual confirmação do impeachment de Dilma?
TV – Não é uma coisa maniqueísta, a agenda de ajuste não se esgota no período de interinidade. A reforma da Previdência é uma pauta extremamente polêmica, com implementação de idade mínima, fim da acumulação de benefícios, desvinculação do salário mínimo. São várias regras que dificilmente serão aprovadas no curtíssimo prazo. Este é um ano tradicionalmente mais curto em termos de tramitação legislativa, uma vez que haverá eleição municipal, jogos olímpicos, além do próprio calendário do impeachment, que altera a governabilidade.

IM – Quais pautas específicas o senhor espera na agenda positiva?
TV – Concessões, autonomia das agências reguladoras, revisão do modelo de partilha do pré-sal e até mesmo a autonomia do Banco Central. Além disso, estamos falando de reforma tributária, com unificação de PIS/Cofins, uma tentativa de simplificação do ICMS, e, no campo trabalhista, terceirização e prevalência do negociado sobre o legislado.

IM – E o fator Eduardo Cunha? O peemedebista foi peça importante no impeachment, teve alguma acomodação no governo que entrou e agora vê sua situação agravada a cada dia.
TV – Eduardo Cunha influencia muito o chamado ‘centrão’, tendo ajudado na eleição de muitos parlamentares. As ameaças que o deputado faz representam um risco não apenas aos envolvidos, como ao próprio governo. [Em caso de delação premiada do deputado,] A crise seria considerável, mas é o tipo de agenda que não se pode prorrogar. Temos visto o blocão dispersar-se do criador. Se Temer conseguir se aproximar desse grupo sem necessariamente fazer isso por meio de Cunha, acredito que ele superará essa agenda. Por mais que os deputados tenham um comportamento mais corporativo, chega um momento em que a situação fica tão insustentável que o grupo consegue se reajustar em relação ao novo líder. O natural é que, uma vez que Cunha saia, independentemente das baixas que isso possa levar, esse centrão consiga se ajustar ao governo Temer e vice-versa. Ainda que haja apoiadores políticos nos bastidores, a opinião pública já está toda contra ele.

IM – Com a decadência do poder de Cunha na casa, alguns analistas veem o ganho de importância do colégio de líderes. O senhor concorda? O centrão corre risco de se dissolver sem seu líder ou deve passar por readequação?
TV – Acredito que o centrão tende a continuar, por ser formado por partidos políticos bastante expressivos. O líder do governo, André Moura, um histórico aliado de Eduardo Cunha, é um novo nome no comando do centrão. Assim como ele, há vários outros como Rogério Rosso, Jovair Arantes. O blocão é muito forte quantitativa e qualitativamente. A tendência é que o novo líder venha do próprio grupo, e não mais de outro segmento. Com relação ao colégio de líderes, a expectativa é que volte a ganhar um pouco mais de peso, sendo um espaço importante de deliberação, sobretudo porque a Câmara está muito instável.

IM – Após treze anos no comando do país, o PT vai à oposição. Muito se discute sobre a postura que o partido deverá assumir. Para muitos, não há mais espaço para simplesmente votar contra todas as propostas do governo. Como o senhor avalia esse novo momento?
TV – O PT tem consciência de que seu papel na oposição é importantíssimo. Mas não acredito que será tarefa fácil e curta; o partido terá de se reinventar política e ideologicamente, sobretudo na aproximação das bases. Já há uma movimentação nesse sentido, não à toa Lula está articulado uma nova direção depois da saída de Rui Falcão, uma vez que há certo entendimento de que ele não foi capaz de lidar com as diferentes alas nessa crise. Os nomes vão continuar os mesmos, é muito difícil conceber uma mudança 180º até o final de 2018. Enquanto o partido não se reinventar e não se reorientar com base no que acontecer nos últimos anos, a tendência é vermos essa oposição mais aguerrida, agressiva.

IM – Levando-se em consideração uma pauta como a reforma da Previdência, tratada pelo governo anterior, seria um erro o partido negar o ingresso ao debate? Neste momento, a gestão Temer tem tentado reunir as principais centrais sindicais para a discussão, ao passo que a CUT se recusa a participar.
TV – É normal que o PT não participe das reformas mais estruturantes, mas é algo pelo qual o partido pagará o preço. Essas reformas serão feitas independentemente do tamanho. Se os segmentos que até então apoiavam o governo do PT se furtarem a participar do debate, a perda será grande. Acho que em algum momento eles vão acabar participando, pelo menos nas rodas informais do Congresso. É algo que mobiliza os segmentos sociais, que mobiliza os debates das centrais sindicais.

IM – Existe alguma possibilidade de voltarmos a discutir a reforma política?
TV – Acredito que sim. Era um debate que geralmente ocorria após o período eleitoral, mas, dada a atual conjuntura de troca de governo e falta de reconhecimento das ruas, é uma discussão que vem para ficar, sobretudo porque o próprio PSDB, que negociou apoio ao governo Michel Temer, colocou essa pauta como bandeira. Sou um pouco cético com relação à eficácia de uma reforma política mais por uma questão histórica do que conjuntural, mas é um debate que tende a ganhar força. Não acredito que seria algo rápido, porque a agenda econômica ainda vai preponderar por alguns meses.

IM – Quais são os motivos para seu ceticismo?
TV – São reformas bastante profundas, que já foram tentadas em um passado não muito longínquo. No ano passado, eles aprovaram uma minirreforma eleitoral, inicialmente robusta, mas que foi sendo dilapidada e virou uma mudança quase que técnica, porque mexeu muito mais com o processo do que com o sistema político em si. O Congresso que está colocado é o mesmo que votou essa reforma, não vejo como ele pode mudar essa concepção e aprovar uma alteração tão substancial apenas por causa da conjuntura e opinião pública.

IM – Tem-se observado um debate crescente em torno do parlamentarismo e suas variações, porém, muito em função do enfraquecimento do Executivo nos últimos anos.
TV – O parlamentarismo muda o sistema de governo, mas não seus procedimentos. Como se sustentará um parlamentarismo sem mudar a regra de eleição proporcional? As coligações no sistema proporcional hoje propiciam essa quantidade de partidos que temos. Existem nuances por trás do sistema vigente que precisam ser revistas antes ou pelo menos durante essa discussão, e não é o que tende a ser proposto. A proposta de adotar o parlamentarismo ou o semi-presidencialismo é muito mais a tentativa de se reverter uma crise pontual e postergar outra maior, uma vez que os fatores desse sistema permanecem.

IM – O senhor comparou o ministério de Dilma ao de Temer, com ambos observando com bastante atenção para o fator da coalescência. O que o atual presidente interino precisa aprender dos erros da gestão anterior nessa questão para evitar cair nas mesmas armadilhas?
TV – A acomodação de forças no Executivo é reflexo de um bom desempenho no Legislativo, e isso o atual governo tem conseguido fazer. Ninguém chega à presidência da Câmara sem a capacidade de articular e dialogar politicamente. Essa é a chave para o sucesso do governo: garantir, de um lado, resultados econômicos visíveis e palpáveis para a opinião pública, e lá no Congresso, garantir que suas medidas sejam aprovadas, a governabilidade e, sobretudo, a participação do Congresso na construção do governo, das políticas públicas e das leis. O grande erro de Dilma, mais do que as questões que estamos acostumados a ouvir, foi isolar o Congresso Nacional. Existe um sistema político posto já há alguns anos e você não pode fugir. O jogo é respeitar a importância do Congresso Nacional.

IM – Como a Lava Jato pode atrapalhar os planos?
TV – Nada impede que novos ministros sejam alvo de denúncias e deixem seus postos. O segundo lado é a Lava Jato afetar de tal maneira a credibilidade do governo em termos de imagem a ponto de o próprio Congresso ser levado ao afastamento, muito mais por uma questão de opinião pública. Se, por algum motivo, a economia for mal e a Lava Jato permanecer como variável importante, o governo corre sério risco de naufragar.

IM – Lula, Ciro Gomes, Aécio Neves, Marina Silva são todos políticos tradicionais do país. Quais são os novos nomes que despontam como alternativas para o futuro próximo?
TV – Honestamente, acho que não tem. Vivemos uma crise de liderança muito forte no Brasil. Acredito que não veremos uma eleição tão mais completa em 2018. Além dos nomes tradicionais, pode ser que surja alguém como Meirelles, que desponta como candidato, sobretudo por sua ligação política com o PSD e antigamente pelo PMDB, mas que já é um rosto muito conhecido no meio político. Também há nomes como o próprio Jair Bolsonaro, também bastante conhecido na política. Pode ser que se candidate, mas não acho que tenha chance.

O que deve ocorrer em 2018 é, em vez de um quadro de novas lideranças surgindo, termos algo mais parecido com as eleições de 1989, com vários candidatos com pouca chance de vitória; um cenário um pouco mais incerto, porém, com os mesmos candidatos tradicionais. É possível vermos nomes que hoje pertencem ao mesmo partido, como Serra, Aécio e Alckmin, competindo simultaneamente. A chance de isso acontecer, porém, é baixa. Apesar da quantidade expressiva de partidos, há pouco espaço eleitoral para grandes lideranças como essas. É tudo especulação, mas é possível que não tenhamos a mesma polarização de lideranças a que estávamos acostumados até 2014.

IM – Algum ponto que o senhor gostaria de acrescentar a essa entrevista?
TV – Tem o TSE, que se coloca muito mais como carta na manga do que como variável de risco nos próximos meses. Ou seja, se o governo Temer der errado, essa vai ser a última alternativa, que culminaria na convocação de novas eleições.

IM – O único cenário que a Prospectiva trabalha para novas eleições seria o TSE? Para qualquer outra possibilidade, como a apresentação de uma PEC, os senhores enxergam baixa probabilidade?
TV – Acho pouco provável. É um debate que tem que ser muito bem discutido pelo Congresso, a quem compete a aprovação do plebiscito. Não sei como aprovariam uma eleição para a presidência sem ao mesmo tempo convocarem eleições para o Congresso, que também anda muito mal avaliado pela opinião pública. Em termos técnicos, é um tema bastante complexo, assim como do ponto de vista político. Não interessa à classe política nesse momento, não parece haver espaço.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.