“Se não fizermos o ajuste, o custo ficará em cima dos mais pobres”, diz Samuel Pessôa

Em entrevista ao InfoMoney, o professor da FGV destaca que o governo interino Michel Temer está com diagnóstico correto da economia e que buscará o corte de gastos, mas que uma alta de impostos será inevitável

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O diagnóstico é correto, mas um longa agenda está na mesa a ser realizada para que o Brasil volte a restabelecer a confiança na economia. Estas são as primeiras indicações que o governo interino de Michel Temer realizou, conforme afirma o pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Samuel Pessôa, em entrevista ao InfoMoney. Por outro lado, afirma, mesmo com a prioridade em cortar o gasto, o economista avalia ser inevitável uma alta de impostos. 

O professor reforça que as medidas de ajuste fiscal podem ser mais aceitas pela sociedade em meio à grave crise em que vivemos. Mas, ao mesmo tempo, o fato da Operação Lava Jato divulgar números vertiginosos sobre a corrupção pode gerar uma falsa percepção de que, se os roubos e fraudes deflagrados pela força-tarefa da operação forem resolvidos, haverá “dinheiro para tudo”, o que não é verdade. “Acho que esse é o lado ruim da Lava Jato. Vender a ilusão de que resolver a corrupção resolve todos os nossos problemas fiscais”, afirma. Porém, os pontos positivos são muito grandes, reforça, com destaque para a melhora da governança corporativa. 

Confira a entrevista com Samuel Pessôa:

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InfoMoney – Antes do afastamento da presidente Dilma Rousseff, o senhor mostrava um certo ceticismo com uma mudança real ou uma solução com a entrada do governo Michel Temer. Quais foram as primeiras impressões do governo Temer? Está sendo melhor ou pior do que o esperado?
Samuel Pessôa – A minha avaliação é que a equipe econômica de Temer está com um diagnóstico correto e tentará fazer o ajuste pelo lado dos gastos, tendo como um dos exemplos a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) divulgada de estabelecer um teto de gastos. Parece também consensual que tem que fazer uma reforma da Previdência, também por meio de PEC. Depois dessas medidas vêm também o aumento de carga tributária.

IM – Então é inevitável que vá ter um aumento de carga tributária?
SP – Na minha opinião, é inevitável. Pode fazer o que der na área de gastos, tem que fazer mais coisas até. O governo fará algumas reformas importantes, mas me parece que, se não houver aumento de carga tributária, a dívida pública vai seguir o seu curso de valores muito elevados.

IM – Muito se criticou o reajuste do funcionalismo federal e que o excesso de pragmatismo do Temer poderia ser prejudicial para a retomada da confiança. O reajuste foi uma sinalização ruim para o ajuste fiscal?
SP – Não há a menor dúvida de que é uma sinalização ruim, em meio a um cenário em que, enquanto temos uma taxa de desemprego que vai bater os 12%, há uma categoria de trabalhadores com estabilidade de emprego. Não dá para dar aumento nominal para a categoria nessas circunstâncias num momento em que a receita registra queda. A sinalização é péssima para a sociedade, mas o Temer entende de máquina muito mais do que eu. Se ele concedeu esse aumento, foi porque ele avaliou que era muito importante para as condições de governabilidade.

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IM – O senhor chegou a dizer que todos teriam perder nesse cenário de crise, com as medidas de ajuste. O reajuste sinaliza que os mais desassistidos vão perder mais?
SP – Não, o pacote de medidas de ajuste vai distribuir o custo entre todo mundo. Mas, se nós não fizermos o ajuste fiscal necessário, o custo vai ficar em cima dos mais pobres. Se não fizermos todas essas medidas e mais algumas, em quatro ou cinco anos a inflação volta forte. E a nossa experiência mostra que a inflação prejudica muito mais os pobres do que os ricos.

IM – Quando o senhor avalia que o Brasil voltará a ter o grau de investimento pelas principais agências de classificação de risco?
SP – Tem que reduzir dívida pública, reduzir gasto, fazer superávit primário. É uma agenda grande. Se fizermos tudo certinho, demora mais ou menos uns sete anos. Por outro lado, se o Temer entregar tudo que ele está prometendo, acredito que não haverá novos cortes. Mas se ele não entregar, novos cortes vão ocorrer, não há dúvidas.

IM – Como reduzir o papel do Estado neste ambiente político tão conturbado, que tem que acomodar tantos interesses? Há uma agenda ou interesse de Temer para reduzir o papel do Estado?
SP – A agenda é aumentar a eficiência do estado que está aí. Não me parece que o Temer tenha uma agenda para reduzir o Estado. Ele vai reduzir um pouco o gasto porque, se não fizer isso, terá que encarar níveis de inflação muito elevados. Mas a carga tributária no Brasil continuará elevada, o gasto vai continuar elevado. Essa é uma decisão que a sociedade tomou e tem referendado, há muito gasto social e um estado de bem-estar social amplo.

O que ele vai conseguir fazer e que é algo que já começou no ano passado, quando o ministro [da Fazenda] era o Joaquim Levy, é reduzir o intervencionismo direto do estado na economia. Isso não tem a ver com o tamanho do estado. O tamanho do estado está associado essencialmente à carga tributária, e carga tributária está associada essencialmente sobre se há ou não há um estado de bem estar social bem desenvolvido ou abrangente. O que o Temer fará é tornar as regras de funcionamento do mercado mais amigáveis para o próprio mercado. Então uma série de excessos nos últimos anos, como o margo regulatório do pré-sal, que é desastroso, vai ser revertida e aumentará a eficiência da economia e deve em alguns anos gerar um crescimento maior da atividade.

IM – Como o senhor vê o apoio do empresariado ao Temer? Fala-se muito que o descalabro fiscal ocorreu por conta das desonerações tributárias que beneficiaram os setores empresariais por muito tempo e agora a indústria como um todo foi afetada por essa crise e está apoiando o governo interino. O empresariado mudou em busca de maior competição, concorrência ou continuará com demandas por maior proteção?
SP – De fato, a crise fiscal aguda que nós estamos é a soma de uma tendência estrutural de um crescimento de gasto além do crescimento do PIB com uma série de desonerações que foram feitas, que pesaram muito sobre o Tesouro e não geraram resultados apreciáveis. A tendência é reverter essas desonerações, mas a FIESP e outras associações têm resistido.

Não me parece que a FIESP e as outras categorias representantes da indústria façam algum tipo de autocrítica em relação à política que eles estimularam nos últimos anos. Mas certamente boa parte do intervencionismo estatal no funcionamento dos mercados foi uma resposta do governo às demandas da própria classe empresarial.

IM – Então as pressões do empresariado que existiam no governo Dilma continuarão no governo Temer?
SP – Acredito que vão continuar, mas espero que o governo Temer seja mais resistente a essas pressões do que o governo Dilma.

IM – Passando do empresariado para a população em geral, o fato da campanha que sinalizava a busca pelo ajuste fiscal não ter sido o vencedor da última campanha eleitoral para presidente prejudica essas ações de austeridade?
SP – O fato de não ter tido o debate é ruim mas, por outro lado, o fato de nós estarmos em uma crise gravíssima com desemprego em níveis altíssimos deixa a sociedade mais disposta a aceitar mudanças, porque ela percebe que as mudanças são necessárias para restabelecer o crescimento.

IM – Falando um pouco sobre a Lava Jato, o fato de aparecerem números vertiginosos todos os dias sobre a corrupção pode levar a uma sensação enganosa para a população de que, se a “roubalheira” for cessada, haverá dinheiro para tudo?
SP – Acho que ainda tem essa percepção. Não vi nenhuma pesquisa de opinião a respeito, mas me parece que a sensação da população é de que o peso da Lava Jato ou o peso da corrupção é maior do que ele realmente é. Acho que esse é o lado ruim da Lava Jato. Vender a ilusão de que resolver a corrupção resolve todos os nossos problemas fiscais.

IM – E quais são os lados bons que o senhor destaca da Operação?
SP – O lado bom é continuar nessa trajetória de reduzir a corrupção, pegar quem faz as coisas erradas e melhorar a qualidade da governança do País como um todo.

IM – E tornar o Brasil um país com um capitalismo de mercado real?
SP – Esse é um objetivo que nós temos, mas estamos muito longe desse objetivo. Até 2003, 2004 estávamos caminhando nesta direção e a partir de 2008, 2009, nós passamos a caminhar na direção contrária. É uma pena, então vamos ver se conseguiremos corrigir o rumo agora.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.