Se a reforma da Previdência é cada vez mais difícil, por que o governo mantém o discurso?

Além de acenar ao mercado, governo busca reduzir o nível de rejeição popular a uma de suas principais bandeiras

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A despeito dos esforços do governo em converter votos e conquistar o apoio necessário para a aprovação da reforma da Previdência ainda neste ano na Câmara dos Deputados, era muito baixa a possibilidade de êxito. Os movimentos que posteriormente se mostraram frustrados funcionaram mais como sinalizações necessárias para uma boa vontade de agentes econômicos do que reais condições de se aprovar uma medida tão impopular a menos de um ano das eleições. Essa é a avaliação do cientista político Marcelo Issa, diretor da consultoria Pulso Público. Para ele, o cenário visto neste ano tende a se repetir em 2018, com pouca chance de sucesso para o governo em uma de suas principais bandeiras.

“Não havia de fato um jogo rolando. O governo sabia de antemão que não teria condições efetivas de aprovar a reforma da Previdência neste ano, mas precisava manter o tema em pauta, precisava demonstrar que estava fazendo todo o possível para que isso acontecesse. Se houvesse alguma manobra totalmente fora do previsto, uma boa vontade inesperada por parte dos congressistas e a reforma viesse a ser aprovada, tanto melhor. Mas entendo que havia bastante consciência de que as dificuldades eram quase intransponíveis, mas mesmo assim era preciso sinalizar que o governo estava muito empenhado nessa tarefa”, observou em entrevista ao último programa Conexão Brasília.

Na avaliação da Issa, aprovar a reforma previdenciária a poucos meses da corrida eleitoral é tarefa “muito difícil, para não dizer impossível”. Contudo, mesmo com as remotas chances de a matéria ser posta em votação antes do pleito de 2018, o especialista acredita que o tema pautará as campanhas. “Essas movimentações no sentido de manter o tema em voga nesses últimos períodos tem a ver justamente com a pauta do ano que vem. Ou seja, é necessário que a discussão da reforma da Previdência esteja presente durante a campanha eleitoral. E, do ponto de vista do campo governista ou da centro-direita, é importante que a população, o eleitorado em geral tenha mais familiaridade com o tema e esteja mais inclinado a analisá-lo de uma maneira mais racional”, observou. A disputa de versões deverá comandar a próxima disputa eleitoral e uma redução no nível de rejeição popular à reforma, diz o especialista, será um objetivo importante do governo.

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“A guerra de narrativas está colocada. O governo perdeu em um primeiro momento, teve um esforço de comunicação bastante pouco eficiente alguns meses atrás, e adotou uma estratégia muito mais interessante nos últimos períodos, de combate a privilégios, inclusive se contrapondo a algumas parcelas do serviço público”, afirmou o diretor da Pulso Público. “Pode haver, por parte do governo, alguma expectativa de que algum encaminhamento haja no ano que vem, mas pelas condições eleitorais, pela impopularidade da temática, pelos compromissos eleitorais dos parlamentares, dificilmente haverá alguma aprovação de alguma parcela expressiva da reforma no ano que vem. Talvez se aprove alguma medida mais conectada com o que se convencionou chamar de ‘combate a privilégios’, mas um pacote mais completo que envolva idade mínima e forma de cálculo não deve avançar no ano que vem, em função do período eleitoral”, disse Issa.

Para o cientista político, a experiência traumática da gestão Dilma Rousseff tende a provocar uma mudança no comportamento do eleitor na disputa de 2018. “O eleitor tenderá a se pautar menos pela emoção. Todas as consequências negativas de uma gestão fiscal irresponsável e das medidas de política econômica que foram adotadas principalmente no governo da ex-presidente Dilma devem fazer com que o eleitorado passe a analisar as propostas e as discussões de uma maneira um tanto menos emocional. Partido desta premissa, entendo que as candidaturas que estejam mais alinhadas ao campo governista ou à centro-direita — seja uma improvável candidatura do ministro Henrique Meirelles, ou mesmo a candidatura do governador Geraldo Alckmin — tenderão a tratar da reforma da Previdência em uma linha muito parecida com a que o governo vem adotando, de combate a privilégios e de garantias para as próximas gerações de sustentabilidade do sistema”, observou.

Por outro lado, ele acredita que o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) não deve se aprofundar em pautas econômicas e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se verá diante de um dilema, uma vez que precisa do apoio do funcionalismo e de uma sinalização ao centro. “A narrativa tem sido negar a necessidade da reforma e buscar sustentar que não há déficit. É uma posição delicada, em função das evidências e dessa tendência mais racional do eleitorado. Então, alguma adaptação do discurso deve ser necessária, deve haver, inclusive, uma centralização do discurso, uma diminuição da radicalização que agora vem sendo adotada pelo ex-presidente Lula, porque ele está conversando com as bases que historicamente sustentaram sua figura pública”, argumentou. Para Issa, o petista deverá marchar ao centro no primeiro semestre do ano que vem, caso sua candidatura se mantenha, mas uma nova edição da Carta ao Povo Brasileiro seria improvável, embora encontros nos bastidores com empresários e o setor financeiro sejam esperados.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.