Saiba um pouco mais da história por trás dos mais famosos defaults soberanos

Argentina, Russia, Alemanha: exemplos não faltam e indicam que, embora temido, fenômeno também não é o "fim do mundo"

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SÃO PAULO – Com o agravamento da crise fiscal entre os países periféricos europeus, as discussões sobre defaults voltaram a pontuar os noticiários dos mercados. Déficits públicos alarmantes trazem à tona o real risco de um calote soberano generalizado na Zona do Euro, minando ainda mais a já frágil recuperação econômica global.

A palavra “default” certamente está entre as que mais causam temores e calafrios entre investidores. Sua associação a graves crises é quase imediata. No entanto, a despeito do medo que traz, o fenômeno está longe de ser raro. Tampouco, dizem alguns economistas, é o fim do mundo.

Assim, Pregões Incríveis, a série de reportagens da InfoMoney sobre momentos históricos do mercado, sugere aos leitores desta vez uma viagem no tempo em busca de defaults passados – alguns recentes, outros nem tanto.

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Argentina
Um dos episódios mais emblemáticos – especialmente aos brasileiros, dado a proximidade geográfica e os efeitos sobre o País – é certamente o da Argentina. Após anos de crise política, altas taxas de inflação, déficit público crescente e uma discrepante paridade dólar-peso de um para um, a economia do país finalmente sucumbiu no começo dos anos 2000.

Com a taxa de câmbio fixa, uma constante fuga de capital dominava o país, minando investimentos e o desempenho econômico que, por sua vez, eram compensados por maiores empréstimos e gastos por parte do governo. Novos financiamentos bilionários obtidos junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e massivas emissões de títulos eram rotina, criando uma bola de neve fiscal. Ao mesmo tempo, o abandono da paridade era descartado, já que, dos US$ 155 bilhões acumulados em dívida pública pelo país em 2001, US$ 135 bilhões estavam denominados em dólares.

A situação se estendeu por anos até que, na última semana de dezembro de 2001, a desconfiança entre investidores quanto à capacidade do país de honrar seus compromissos fez com que a Argentina se visse sem alternativas de captação de recursos, sendo obrigada a oficialmente declarar o calote de suas dívidas, que à época somavam cerca de US$ 140 bilhões. O default argentino entrou para a História tanto por sua magnitude financeira quanto por sua dimensão: ao todo, 152 classes de ativos em seis moedas distintas e em oito jurisdições ao redor do mundo foram envolvidas.

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Ao fim, a convertibilidade fixa de um peso argentino para um dólar foi abandonada em janeiro de 2002. Em 2005, um acordo foi firmado pelo governo para a substituição de cerca de 75% dos títulos inadimplentes por outros novos, sob termos mais distantes e menor valor nominal. Gradualmente, a economia argentina retomou taxas anuais de crescimento, acompanhadas de menor desemprego. Todavia, a política fiscal do país segue sob forte ceticismo até os dias atuais.

Rússia
Outro exemplo de default soberano bastante conhecido e ainda fresco na memória de muitos é o da Rússia. Lá, problemas de ordem cambial também constavam entre as origens da crise que se sucedeu no país ao final da década de 1990, embora conflitos geopolíticos, altos déficits fiscais e a crise financeira asiática em 1997 também tenham exercido papel importante.

Após o fim da União Soviética, a economia russa parecia altamente promissora. A abertura ao mercado externo e a adesão ao capitalismo trouxeram ao país altas taxas de crescimento e investimentos no começo dos anos 1990. No entanto, ao se aproximar do final da década, o país viu-se envolto em uma crise fiscal, com gastos de quase US$ 6 bilhões em função da guerra na Chechênia, baixa arrecadação de tributos e forte queda do preço internacional do petróleo, produto do qual a economia russa é fortemente dependente.

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Para agravar ainda mais o cenário, a crise financeira asiática trouxe forte ataque ao rublo, que à época, também contava com uma taxa fixa frente ao dólar. Para defender a moeda nacional, o banco central viu-se obrigado a intervir com pacotes bilionários, agravando ainda mais as contas do país. Em 13 de agosto de 1998, o mercado russo veio ao colapso, com o principal índice de ações fechando o pregão com uma queda de 65%.

Em 17 de agosto de 1998, o governo de Boris Yeltsin anunciou a expansão da banda cambial, a reestruturação de dívidas internas do país e uma moratória de 90 dias em contratos estrangeiros. Eventualmente, as obrigações com investidores estrangeiros foram quitadas ou reestruturadas; o calote ficou por conta, essencialmente, dos débitos domésticos. Nem por isso, os impactos foram menores: forte escassez de alimentos, inflação rompante a 100%, violentos protestos nas maiores cidades e forte recessão tomaram conta da Rússia até o começo do ano 2000.

Coreia do Norte
Calotes soberanos são frequentes na História, e engana-se quem pensa que são exclusividade do sistema capitalista. Prova disso foi o default dado pela Coreia do Norte em 1987, caso bastante interessante justamente por sua peculiaridade. Sob um regime comunista e autoritário desde o final da Guerra da Coreia, em 1953, o país gasta cerca de 25% de seu diminuto PIB (Produto Interno Bruto) em armamentos e despesas militares. Parcos investimentos e baixa produtividade dominam a economia, fazendo com que o governo frequentemente recorresse a enormes empréstimos estrangeiros.

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O problema é que, ao final da década de 1980, tornou-se visível a incapacidade do país de honrar seus compromissos. A gota d’água veio quando o governo norte-coreano resolveu exigir novos financiamentos de US$ 200 milhões a dois grandes grupos financeiros europeus, sendo que US$ 770 milhões decorrentes de empréstimo concedido no começo dos anos 1970 para projetos de infraestrutura ainda não haviam sido pagos.

O interessante do caso da Coreia do Norte é que o default não foi declarado pelo país, mas sim pelas instituições financeiras envolvidas. O impacto do calote, no entanto, foi tímido, já que o país possui parcas relações com o restante do mundo. Eventualmente, parte das dívidas foi reestruturada e paga – menos da metade, entretanto.

Casos europeus
Esses três exemplos de calote são apenas alguns dos que pontuaram a economia global nas últimas décadas. E para os que acham que um eventual default grego – ou de outro país periférico europeu atualmente sob o ceticismo dos mercados – seria o primeiro no continente, muito se engana. Afinal, somente no século passado, a Alemanha passou por dois calotes: um na década de 1920, com sua economia imersa em inflação e desemprego galopantes e altas dívidas em função da 1ª Guerra Mundial; e outro após a 2ª Guerra Mundial.

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Não foi somente o regime nazista que foi à falência após o término do conflito bélico. Um artigo publicado em 2006 no jornal “The New York Times” revelou que, somente naquele ano, o governo do Reino Unido estava quitando um empréstimo de US$ 4,34 bilhões obtido junto aos EUA em 1945. Para se ter uma ideia da dimensão da dívida, hoje, o montante equivaleria a cerca de US$ 150 bilhões.

Outro país europeu que também deixou seus credores muitas vezes na mão é a Espanha, hoje sob novos temores. A Espanha, por sinal, foi o primeiro Estado moderno a declarar calote oficial de suas dívidas soberanas, em 1557, em meio a gastos militares altíssimos, inflação elevada e forte recessão econômica.

Ferramentas naturais
Como se vê, calotes soberanos não são raros. O temor que inspiram vem da consequência que trazem: a erosão da confiança dos investidores naquele país. Afinal, crises vêm e vão, mas confiança é algo muito mais difícil de ser restaurado. Ainda assim, defaults não são o fim do mundo.

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Como já disseram Andrew Haldane, economista do Bank of England, e Mark Kruger, membro do Bank of Canada, “defaults são ferramentas naturais do mecanismo dos mercados”. Obviamente, calotes não são bem quistos e devem ser evitados, mas não a qualquer e todo custo. “A experiência argentina foi traumática como foi justamente devido à relutância do governo em dar o calote em suas dívidas, que somente contribuiu para agravar ainda mais a situação do país”, disse em artigo Antony Mueller, professor da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha.

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