Rombos fiscais e estratégias de saída: impacto pode ser maior do que se espera

Pimco alerta para cenário de retirada dos estímulos paralelo a aperto monetário; "mercados ilesos é pura ilusão"

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SÃO PAULO – A deterioração fiscal norte-americana não é recente. Já antes da eclosão das turbulências financeiras, o rombo nas contas do país já preocupava economistas e analistas por sua trajetória de crescimento, ano após ano.

Então veio a crise, complicando ainda mais o cenário. Os gastos de Washington, que já não eram pequenos, foram acrescidos de forma significativa com o lançamento de diversas medidas e programas emergenciais de combate à crise e de estímulo à economia, como o Tarp (Troubled Assets Relief Program), que até novembro do ano passado custou aos cofres dos EUA um total de US$ 2,35 bilhões.

Para Bill Gross, diretor e co-fundador da Pimco – maior gestora de títulos do mundo -, o cerne do problema, no entanto, tem raízes mais profundas e complexas. E, se por um lado, a adoção de estratégias de saída por parte não somente do Fed, mas também do BCE (Banco Central Europeu) e do BoE (Bank of England), é essencial para deter uma deterioração ainda maior da situação fiscal dessas regiões, em contrapartida, é “irreal pensar que os mercados não sofrerão quaisquer impactos com o súbito fim de tão generosos recursos”.

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A tal da flexibilização quantitativa
“Quantitative easing”, ou flexibilização quantitativa: forma de política monetária usada para estimular a economia e a liquidez dos mercados quando as taxas de juros já estão próximas de zero ou nulas, segundo a qual o banco central adquire, de grandes instituições financeiras, grandes montantes de ativos como dívidas corporativas e títulos do governo.

A estratégia tem sua eficácia – sem dúvida contribuiu para a restauração da liquidez nos mercados financeiros nos últimos meses. Mas seus efeitos são preocupantes. Gross estima que cerca de US$ 3 trilhões tenham sido gastos pelas autoridades norte-americana e europeias durante esta crise, na operação “mais nebulosa e furtiva de todas, excedendo, e em muito, a magnitude do Tarp”.

Cálculos da Pimco dão conta de uma impressionante escalada dos balanços de pagamento do Federal Reserve e do BoE nos últimos dois anos, atingindo uma relação de aproximadamente 20% do PIB (Produto Interno Bruto) – a mesma observada em tempos posteriores à Grande Crise de 1929. Confira os gráficos abaixo, contidos no relatório de Gross:

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Segundo os números apontados por Gross, o déficit fiscal norte-americano fechou 2009 em cerca de 12% do PIB, resultando em novas dívidas de US$ 1,5 trilhão para o refinanciamento da antiga. Deste montante, aproximadamente US$ 100 milhões foram adquiridos pelos chineses, outras tantas centenas de milhões foram arrematadas por fundos soberanos, mas fato é que a grande maioria ficou mesmo para o Federal Reserve.

O impacto sobre os juros
“Teoricamente, isto pode se estender por um bom tempo, mas essa emissão desenfreada de dinheiro tem efeitos sérios sobre o cenário inflacionário – e os bancos centrais não querem isso”, diz Gross. Assim, a expectativa do diretor é de que o Fed dê início à sua tão comentada estratégia de saída já a partir de março deste ano, ao passo que o BoE deve tomar decisão similar mais para o final de 2010.

“O Fed agora vem afirmando que a economia já está forte e que os investidores são completamente capazes de digerirem os impactos da retirada dos programas. Acho muito improvável. Inúmeros estudos, inclusive conduzidos pelo próprio Fed, demonstram as consequências de enormes déficits fiscais sobre as taxas de juros”, afirma Gross.

Gross destaca um estudo particular, realizado por Thomas Laubach, ex-economista do banco central norte-americano. Segundo Laubach, cada aumento de 1% em déficits projetados para os próximos cinco anos pode incorrer em elevações de 25 pontos-base nas taxas de juros. “Se estes cálculos estiverem corretos, podemos calcular as consequências que serão sofridas pelos países do G-7, com base em projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional)”, diz Gross.

A tabela abaixo compila os déficits fiscais de alguns países em 2009, bem como as projeções para 2010 e 2014. Cálculos gerais também foram realizados, como para as economias emergentes e o G-20. Os números demonstram que certo declínio deverá ser observado nos rombos fiscais até 2014 em todas as economias. No entanto, as desenvolvidas, sobretudo as de Japão, Reino Unido e EUA, ainda sofrerão com uma relação significativa déficit/PIB. A exceção fica para a Alemanha, justamente por nunca ter sido favorável à flexibilização quantitativa.

Evolução dos Déficits Fiscais

(% em relação ao PIB)

País/Região 2009

 2010*

 2014*

EUA 12,5 10,0 6,7
Reino Unido 11,6 13,2 6,8
Japão 10,5 10,2 8,0
Alemanha 4,2 4,6 0,0
França 8,3 8,6 5,2
China 3,9 3,9 0,8
G-20 7,9 6,9 3,7
Emergentes 5,1 4,1 1,3
*Números estimados

Mercados ilesos? Pura ilusão
“A conclusão simples é: taxas de juros irão subir coletivamente em bases relativas nestes países, em acréscimos que podem atingir magnitudes de até 100 pontos-base”, diz o diretor da Pimco. Assim, fica claro um tradeoff: se, por um lado, a retirada dos programas faz-se mais que necessária, por outro, ela ocorrerá concomitantemente a um ciclo de aperto monetário, e esperar que os mercados não sentirão quaisquer efeitos de tal cenário é, para Gross, pura ilusão.

“Os mercados dos EUA e Reino Unido irão sofrer com a ausência dos US$ 2 trilhões de cheques passados pelo governo em 2009. Não acho que seja simples coincidência o fato de que ações, títulos e outros ativos arriscados tenham prosperado desde março do ano passado, justamente quando estes recursos estavam sendo direcionados aos mercados financeiros”, afirma Gross.

Assim, fica o alerta: não espere que 2010 vá ser um ano tão favorável e tranquilo como foi 2009, ao menos em sua maior parte.

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