Repatriação não foi feita para Eduardo Cunha, mas pode beneficiá-lo, diz relator na Câmara

"Se ele vai se beneficiar, é porque o dinheiro dele é lícito. Se ele não se beneficiar, é porque o dinheiro dele... Não houve absolutamente nenhum tipo de privilégio", afirmou Manoel Júnior em entrevista ao InfoMoney

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Fortemente criticado por alterações no projeto final que trata da regularização de ativos lícitos no exterior (repatriação), o deputado relator Manoel Júnior (PMDB-PB) diz ter sido alvo de críticas indevidas durante a sessão plenária da Câmara na última quarta-feira (29), data marcada para a apreciação e votação da pauta, que acabou adiada graças a um recurso da oposição. Em entrevista ao InfoMoney, o parlamentar alegou desconhecimento de colegas sobre o assunto, após ser acusado de criar dispositivos que favoreceriam a anistia a outros crimes e que também poderiam beneficiar o presidente da casa e aliado político seu, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – recentemente, alvo de denúncias sobre a titularidade de contas não declaradas na Suíça.

“Ninguém leu e ninguém sabe. As pessoas que falaram indevidamente não tinham conhecimento de causa. Isso é um absurdo. Não é verdade que eu alterei o texto. Ele permanece o mesmo, com toda a segurança jurídica e com clareza no texto, para que não exista interpretação dúbia por parte de quem vá julgar”, argumentou o deputado. Ele defende que algumas correções pontuais foram feitas para dar mais “clarividência” e “fechar” o texto. “Não fiz nada mais nada menos que acatar as sugestões e opiniões de tributaristas e criminalistas que participaram da audiência pública e melhorar o texto do governo”, disse. Ele defende que nada foi feito de última hora, apenas acertos solicitados pelo próprio governo. “O governo me pediu para fazer algumas mudanças, inclusive tirar redundâncias que havia colocado para justamente fechar o texto”, justificou.

No campo tributário, algumas regras previstas no projeto original assinado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy foram mudadas. Foi o caso da alíquota cobrada via imposto de renda e multa, que caiu de 35% (resultante da soma de 17,25% para cada) para 30%. Além disso, o peemedebista incluiu no projeto de conversão a fixação cambial da cotação do dólar em 31 de dezembro de 2014 para a regularização da situação irregular de contribuintes, independentemente das especificidades de cada situação. Como naquela data a moeda americana encontrava-se mais desvalorizada ante o real do que hoje, estima-se que a arrecadação real do governo com multa e imposto de renda gire em torno dos 21% – 9 pontos percentuais abaixo da alíquota estabelecida pelo peemedebista e aprovada na comissão especial da Câmara.

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Outra alteração do projeto durante relatoria na Câmara foi a determinação de que podem ser regularizados bens não declarados – ou declarados incorretamente – mesmo que não existam mais em 31 de dezembro de 2014. O projeto original previa apenas bens não declarados ainda existentes naquela data. Por fim, o alvo de maior insatisfação por parte do governo na área tributária foi a destinação dos recursos adquiridos pela cobrança da multa. Originalmente, a ideia era criar dois fundos ainda não criados, que seriam responsáveis por sanear estados mais prejudicados pela proposta de unificação do ICMS em todo território nacional. No entanto, Manoel Júnior optou pela destinação compartilhada com estados e municípios. “O governo havia colocado que as multas iriam para um fundo de equalização do ICMS. Que fundo? Ele não existe. Esse é um programa finito. São 210 dias. O dinheiro é uma incógnita. Então, destinei as multas no critério de repatriação de estados e municípios”, explicou o relator.

A parte mais polêmica do projeto, no entanto, caminha no campo criminal, onde muitas dúvidas ainda pairam no ar com alterações significativas em comparação com o projeto original. Enquanto o texto assinado por Levy trata da anistia para os crimes de sonegação fiscal, falsificação, falsidade ideológica e evasão de divisas, desde que não tenham sido alvo de decisão de caráter conclusivo na Justiça, o relatório de conversão preparado por Manoel Júnior também coloca sob o guarda-chuva da nova lei os crimes de descaminho (“iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”), caixa dois, uso de documentos falsos e associação criminosa. A inclusão das práticas esquentou o clima no parlamento durante a sessão plenária de ontem.

Quando questionado por esta reportagem sobre as alterações, o parlamentar explicou: “O projeto do governo prevê falsidade ideológica. Você concebe falsidade ideológica sem documentos falsos? Inseri esse ponto porque foi uma sugestão do pessoal das bancas de advogados e que o governo também aqueceu”, defendeu. No caso de associação criminosa, o parlamentar ressaltou as diferenças entre esse termo e “organização criminosa”, e alegou que ninguém comete os ilícitos previstos na lei de repatriação sozinho. “Suponha que eu seja o dono de uma empresa e você meu contador. Eu faço a adesão ao programa, regularizo meus ativos no exterior e você vai ser criminalizado”, justificou.

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Para o crime de descaminho – uma das fontes dos principais recursos mantidos no exterior de acordo com estudos especializados -, Manoel Júnior diz que não faria sentido não anistiar a irregularidade se a repatriação fosse permitida. “No crime de descaminho, você regulariza a questão fiscal através do Refis, mas continua com o crime de descaminho. Veja que coisa hilária. O que estamos permitindo no programa é que esse crime de descaminho possa ser resolvido sob pagamento de tributo”, disse o deputado da Paraíba. “Em todos os países do mundo, o crime de descaminho foi contemplado na Legislação. Estava fora do projeto original e nós inserimos. Por isso, fomos criticados”. Ele acrescentou que o próprio inciso IV do artigo 5º do projeto cria mecanismos que impedem a prática da lavagem de dinheiro.

Ainda em defesa do relatório que preparou, o deputado diz que outro cuidado tomado foi com relação à figura de doleiros. Segundo ele, foi criada ferramenta para travar a anistia a esse perfil. “O texto original do governo previa o benefício ao doleiro. No meu relatório, no primeiro parágrafo do artigo 5º, eu consegui colocar uma trava para excluir o doleiro. [A anistia] é só para pessoa física ou jurídica ou quem estiver vinculado. O doleiro não está vinculado a pessoa jurídica nem pessoa física. O doleiro pode até trazer o dinheiro dele lá de fora, mas a prática do doleiro está excluída do programa. Eu já travei aí”, comenta orgulhoso. Entretanto, o inciso III do artigo 5º do relatório do deputado amplia a anistia para as práticas relacionadas ao artigo 16º da Lei 7.492, de 1986 – “Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio”.

Em meio a tantas questões técnicas e brechas interpretativas, a insegurança persiste. Outro fator de insegurança é a proximidade entre o deputado relator e o presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Manoel Júnior diz que a associação é um absurdo e que o projeto não visa salvar a pele de seu correligionário. “A imprensa chegou a dizer que meu relatório foi para beneficiar Eduardo Cunha. É a mesma imprensa que está dizendo que o dinheiro dele é de origem de corrupção. Eu não acredito que seja, mas está se dizendo que é. Do mesmo jeito que o programa vai beneficiar João, Maria, Flávio, José, Manuel, ele pode beneficiar Eduardo, se o dinheiro dele lá no exterior for de origem lícita”, alegou o parlamentar.

“[A repatriação] não vai ser feita para Eduardo. Se ele vai se beneficiar, é porque o dinheiro dele é lícito. Se ele não se beneficiar, é porque o dinheiro dele… Não houve absolutamente nenhum tipo de privilégio. Não conversei com Eduardo a não ser para o encaminhamento da matéria em plenário. Não houve participação dele em nenhuma fase do processo e o que nós fizemos foi alvo de estudos, debates e técnicas daqueles que efetivamente nos ajudaram na construção dessa matéria”, concluiu. Sobre os ataques recentes de colegas na Câmara com relação ao projeto apresentado, o parlamentar respondeu: “Terça-feira, estarei na tribuna e esses parlamentares que a ocuparam para falar tolice e dizer o que não sabiam talvez tenham que pedir desculpas”.

Terça-feira, estarei na tribuna e esses parlamentares que a ocuparam para falar tolice e dizer o que não sabiam talvez tenham que pedir desculpas.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.